TOADAS
DESIDRATADAS I (4/4/2007)
(Vanja Orico, "Maria Bonita", de O
Cangaceiro, clássico do cinema nacional).
Amor
é negra fonte de martírio,
Algidamente
escura em sua pureza:
Antes
fosse esperança de certeza,
Alvura
fresca de perpétuo lírio.
Assim
como o candor de grosso círio,
Ao
redor do ataúde, em vã nobreza,
Afasta
as sombras da malvada empresa,
Almas
levando a se adentrar ao Empíreo,
Abandonando
o corpo passageiro,
A
nossa vida também é abandonada,
Ao
perpassar de um sonho tão ligeiro.
Ardor
da alma assim espedaçada,
Árduo
é o amor no instante derradeiro,
Alfim
sabendo que não nos leva a nada.
TOADAS DESIDRATADAS II (5/2008)
O que é melhor lembrar, amor perdido,
Escuso nas entranhas do passado,
Amor vencido, amor atribulado,
Pelas rédeas do corpo conhecido;
Ou amor formoso, sempre concebido,
Como perfeito, por nunca desfrutado,
Amor presente no coração alado,
Que guarda a juventude, em dom querido,
Porque não foi, mas ter sido poderia,
Melhor do que ter sido e não ser mais,
Já que esse é o amor que vive derradeiro,
Esse amor do talvez, que nos daria
A sensação perfeita do jamais,
Pois só o nunca se ganha por inteiro!
TOADAS DESIDRATADAS III
Será que eu mesmo entendo por inteiro
Esse amor que já senti, de cintilança,
Esse amor de fagulhas de bonança,
Esse esperado amor do cavaleiro,
De armadura brilhante, alvissareiro,
Seu pendão auriverde de esperança,
A flutuar sobre o gume frio da lança,
Cálido e vasto sonho derradeiro,
Esse amor concebido por herói,
Que apenas quer a gesta ver cumprida,
Pela prenda recebida por condão,
Da bela dama que o coração lhe rói,
Mas que nunca beijou na despedida,
Enquanto ia vencer mais um dragão...?
TOADAS DESIDRATADAS IV
Eu nem te escondo que é idolatria
Essa noção que trago interiormente:
Somente adoração manter podia,
Reflorescido o vácuo amortecente,
Que em mim habita, se te vejo ausente;
Não é mais que uma luz que a mente cria,
Mesmo sabendo ser incoerente
Esse negro fulgor que me iludia...
Porque esse amor se sabe lateral,
Sem que encontre na vida seu condão:
É amor pelo amor e não por ti;
Mas se algum dia erguer-se o véu fatal,
Verás que não existe um coração
Por trás de tantos versos que escrevi.
TOADAS DESIDRATADAS V
Caso pudesse, um laço teceria
Com as lianas firmes de minhas veias:
Balançaria então, sobre as ameias,
Quando passasses pelo meu castelo.
E, num lance perfeito, o lançaria,
Eliminando tais ausências feias:
Roubava assim de ti teu rosto belo
Que para mim tão só conservaria.
Há muito deveríamos já estar
Ligados um ao outro, num jardim:
Tu te ressecas nessa solidão
Enquanto eu murcho por não te abraçar.
E o laço das artérias será assim
A sacra estola de nossa comunhão.
TOADAS DESIDRATADAS VI
A mariposa se arroja para a chama,
Ansiosa pela luz e por calor:
Não teme a mortidão desse fulgor,
Se arroja à chama e estala
enquanto exclama.
A mariposa adeja nessa flama,
Na luz do orgasmo firme de sabor
E nem percebe talvez, em seu ardor,
Que queima as asas e a auriverde
rama.
A mariposa vem de longe e busca a
luz;
Talvez julgue ser sol visto na lama,
Que tanta vez beijou ao derredor,
Matando a sede no sol que a água
conduz.
E como a mariposa beija a flama,
Assim se arroja o homem para o amor.
TOADAS
DESIDRATADAS VII
Eu
vejo em ti o amor subjacente
da
primavera gris, sem ter aurora.
Adejo
a teu redor por toda a hora,
na
luz escusa de um olhar descrente.
Eu
busco a ti na cláusula infrequente,
apenas
um luzir no meu outrora...
Um
farfalhar azul que foi embora,
enquanto
te buscava totalmente.
Por
três anos vivi nessa esperança,
sem
nada receber, mas recebendo
a
certeza do bem, do mal, do incerto.
E
agora estou morrendo, sem tardança,
a
vida era de ti e a estou perdendo,
tão
longe que me estás, estando perto...
TOADAS DESIDRATADAS VIII
E é tão incerto perceber-se assim,
num farfalhar de luz, nuvem de gás,
qual bolha de sabão que se desfaz,
quando esvoaça, como em toque de
clarim.
O ar que a havia formado era
chinfrim,
faz-se estalido como um beijo que se
traz,
escondido nos lábios e em horas más
se deixa solto, sem se dar, enfim...
Assim tal beijo, que nasce por um
tris,
essa fresta de vidro espatifado,
fica a vagar numa esperança torta
de se reunir de novo à flor-de-lis
desse ar que brotou do peito amado,
mas se expandiu, qual alma que foi
morta!
TOADAS
DESIDRATADAS IX
Resiste
apenas a película mais leve,
em
torno da ilusão que se criou:
qualquer
espinho que mal e mal tocou,
já a
leva a explodir, suspiro breve.
Por
isso, há ilusão que nem se atreve
a se
achegar ao alvo que sonhou,
como
um espinho que a tarde perturbou,
como
uma falta que pagar se deve...
Assim,
minha ilusão teme a quimera
de
outro som de alvor opalescente
e
mal se atreve a procurar ensejo,
ficando
apenas no sabor da espera,
nesse
temor de romper-se contra o dente
que
a morderia no primeiro beijo!
TOADAS DESIDRATADAS X
Por isso é que eu hesito em te beijar
e a palavras de carinho me limito,
mas sempre assim meu coração agito,
que não se expande, mas sonha sem notar
que essa película tão tênue vá tocar
inadvertidamente. Contudo,
eu acredito
nessas pestanas, qual vácuo infinito
que me protejam assim de teu olhar.
O que seria, caso me dissolvesse,
nesse exato momento de teu beijo
e só deixasse alguns respingos em tua face,
sem que nada mais de meu amor te desse,
que a torpe dissonância desse ensejo,
na umidade que em teu rosto se estampasse?
TOADAS
DESIDRATADAS XI
Assim
me encontro, dissolvido na toada
que
nem sequer cantei a teu ouvido...
Nada
mais foi que um devaneio desnutrido
na
poeira fina desta canção desidratada
sem
transformar-se na gala da balada,
nem
farfalhar de um beijo malferido,
dos
lábios contra os lábios num gemido,
da
pele seca contra a pele ressecada...
Pois
não te dou o meu anseio num suor
e
nem meu líquido morno de saliva
e
nem ao menos o olor da exaltação.
É um
sonho apenas, devaneio de calor,
no
corrupio da mesma roda-viva,
último
alento que me brota do pulmão...
TOADAS
DESIDRATADAS XII
Antigamente,
a balada era romântica,
canção
cheia de mágoa e nostalgia...
Talvez
história cantasse de alegria,
mas
em geral era composta de saudade.
Hoje
a balada é uma dança corimbântica,
esverdinhada
de malícia tântrica,
acorrentada
à ferrugem da folia,
na
mais breve explosão de eternidade...
E
então prefiro a toada sertaneja,
qualquer
modinha assoprada como palma,
em
que o luar, igual compasso, adeja...
Pois
em cada semibreve que se enseja,
eu
cantarei a nostalgia em plena calma,
desse
silente estridor que trago nalma!,,
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