CÁRCERE
I
(Debra Paget, Hollywood Golden Age)
Quando
a tomar nos braços, mais amor
eu
mostrarei, no perpetual ensejo,
do
que o amor sedento de desejo,
em
que se bebe a bênção sem valor.
Quando
a tomar nos braços, meu torpor
será
posto de lado, no seu beijo:
o
que é um amor profundo, agora eu vejo,
muito
mais do que julgara meu calor.
Quando
a tomar nos braços, serei dela,
até
um ponto em que nunca pertenci,
por
mais sinceros fossem meus abraços.
Porque me
abriu ao coração uma janela,
nos
entreolhamos por instante... E vi
que
era o momento de a tomar nos braços...
CÁRCERE
II
Teu
beijo me negaste pelo tempo
que
se contém na casca de uma noz.
Se
pareceu tão longa a espera atroz,
quando
o beijo chegar, verei que o tempo
não
se passou sequer. Existem nós
que
ligam entre si os dias do tempo,
como
se juntos fossem num só tempo,
desde
o momento em que ficamos sós.
O
tempo sobre o tempo recurvou-se
e
meu desejo, a escoicear, curvou-se,
porque
esse beijo tanto o tempo tarda.
Pois
o tempo recusou e o tempo o guarda,
de
modo tal, que quando o queiras dar,
talvez
nem saiba mais como beijar...
CÁRCERE III
Amor de solidão, amor de grumo,
amor desmantelado de incerteza,
amor de planta, inerme e sem
defesa,
que não pode jamais tomar seu rumo.
Amor de aceitação, amor de insumo,
amor reativo, amorfo e sem beleza,
amor de aceitação, amor por lesa
curvatura ao destino, amor sem
prumo.
Amor composto apenas de inação,
vendo ao redor amor que é proativo,
amor de curvatura ao assassino,
Amor formado tão só de
dilação,
amor composto de angústias de
menino,
que roem, bem lá dentro, o
coração.
CÁRCERE
IV
Eu te
encontrei na tua solidão
e na
minha solidão tu me encontraste;
mas
não querias, tanto te afastaste
quão
grande o vácuo de teu coração.
Ao
insistir, mantive a discrição
e
mantida a discrição, tu te lançaste
e em
outras tentativas te encontraste
com o
que te parecia outra paixão.
Alvo
da ausência, tal que essa evasão
para
os domínios sempre solitários,
de
certo modo, teu vazio enchesse...
Talvez
porque ao unir tua solidão
com a
minha solidão, espaços vários
aumentariam,
que a tristeza preenchesse.
CÁRCERE
V
Tenho
saudade é disso que não vi,
porém
que os outros viram e consigo
de ti
levaram para alheio abrigo,
coisas
que nunca restituirei a ti.
São
pedaços de ti que encarceraram,
esses de
teu passado de criança
da
adolescente que a vista não alcança,
da idade
adulta até, que me roubaram.
Mas não
posso assim tomar de alheios olhos
a visão
almejada dos refolhos
ou tal
mirada, até mesmo indiferente,
daqueles
que te olharam pela rua,
ou que
te viram, quem sabe, toda nua
e
guardarão tal lembrança eternamente.
CÁRCERE
VI
Cada um
que te viu, levou-te a imagem,
ou por
prazer ou capricho inconsistente.
Não
importa que te amasse ou indiferente
e até
bem feia julgasse tua visagem...
Eu só
queria, num gesto de coragem,
arrancar
deles todos, imponente,
os
retratos de ti, cada pingente
de que
conservam nas mentes amostragem.
Eu só
queria que por tua vida inteira
apenas
eu te visse, interiormente
e minha
fosse cada qual dessas visões...
Que
ninguém recordasse a mais ligeira
memória
que eu roubasse, diligente,
e
a replantasse dentro em minhas ilusões...
CÁRCERE
VII
Perante
a vida, sou uma bolha de sabão
e temo
até qualquer felicidade,
porque
sinto que os deuses, com maldade,
apenas
sopram e me insuflam de ilusão.
Fico
assim encarcerado em exultação,
sinto-me
pleno, quase em saciedade,
até o
momento em que amor ou amizade,
a
gargalhar, de mim arrancarão...
É
assim que percebo as entidades
que
governam o destino: nos assopram,
até
ficarmos grandes e brilhantes
e, nos
momentos cheios de vaidades,
essa
película de súbito já estupram,
com
seus ferrões de risos perfurantes.
CÁRCERE
VIII
Mas se
um dia permitires, vou roubar
da
memória dos outros toda a imagem;
enfrentarei,
em mil momentos de coragem,
para a
pupila de seus olhos penetrar.
Eu sei
que se consegue pelo olhar
ter
acesso imediato a tal passagem,
sua
mácula ocular feita miragem,
terminação
nervosa irei galgar.
Eu vou
então buscar olhos alheios,
talvez
adormecidos, distraídos,
e então
me lançarei através deles,
a
percorrer seus labirintos feios,
em seus
fulcros neurais entretecidos,
até te
descobrir imersa neles...
CÁRCERE
IX
Pouco
me importa serem amigos ou parentes,
companheiras
de infância, teus amantes,
conhecerei
a tocaia dos instantes
e
saltarei os mundéus mais confrangentes.
Eu
te acharei nos meandros confluentes
e
desse cárcere em que habitavas dantes
eu
te retirarei com meus descantes
e te
sustentarei entre meus dentes.
Pois
imerso nas profundas dos olhares,
talvez
precise seus demônios combater,
firmando
os pés no chão escorredio,
até
que possa retornar aos luminares
e
das lábrimas a senda percorrer,
tendo
na boca o gosto de teu cio.
CÁRCERE
X
Mal
imagino a cópia de lembranças
que
encontrarei destarte soterrada
nos
raios-X de película encarnada,
nos
folículos de emanações em tranças
e
contudo, seguirei em tais avanças,
até
certificar-me de que nada
de
tuas imagens me terá sido negada,
enroladas
em minha língua tantas danças;
e
sairei então, na ânsia de guardar
no
depósito de que somente tenho a chave
todo
esse espólio que pude assim saquear
e as
usarei como velas de meu rumo,
para o
governo da derradeira nave,
por
esse oceano de volutas e de fumo.
CÁRCERE
XI
Pois
desses cárceres te trarei à vida,
que não
existe em meu peito tal prisão,
salvo as
batidas de meu coração
e o
ronronar do sangue em tua acolhida.
Não te
prendo nos braços, mas contida
serás
integralmente em meu pulmão,
no
vaivém de toda a inspiração
respírarás,
das quimeras a escolhida.
Mas
então terei ciúme de teus traços
e talvez
mesmo me converta ao islamismo,
para
cobrir-te em teu sair à rua;
e se
filhos tiveres dos abraços,
mesmo
deles o rancor de meu egoísmo
impedirá
que te vejam toda nua!...
CÁRCERE
XII
Não
sei bem se algum lugar ficou vazio.
Que o
preencham com lembranças de outros dias;
são as
imagens de ti figuras guias,
que só
a mim pertencem de arredio!...
Talvez
não queiram, num furor de cio,
permitir-me
que arranque essas esguias
lianas
de paixão ou puras fantasias,
ou
miragens murmurantes como um rio.
Mas
meu querer é mais forte e não domado
e o
que viram de ti a mim pertence,
vou
conservar-te no fundo de meu peito
e
assim tudo hei de trazer para meu lado,
pois
amor igual ao meu tudo mais vence
tendo
arrogado de ti todo o direito.
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