domingo, 10 de julho de 2022


 

 

CÁRCERE I

(Debra Paget, Hollywood Golden Age)

 

Quando a tomar nos braços, mais amor

eu mostrarei, no perpetual ensejo,

do que o amor sedento de desejo,

em que se bebe a bênção sem valor.

 

Quando a tomar nos braços, meu torpor

será posto de lado, no seu beijo:

o que é um amor profundo, agora eu vejo,

muito mais do que julgara meu calor.

 

Quando a tomar nos braços, serei dela,

até um ponto em que nunca pertenci,

por mais sinceros fossem meus abraços.

 

Porque me abriu ao coração uma janela,

nos entreolhamos por instante...  E vi

que era o momento de a tomar nos braços...

 

CÁRCERE II

 

Teu beijo me negaste pelo tempo

que se contém na casca de uma noz.

Se pareceu tão longa a espera atroz,

quando o beijo chegar, verei que o tempo

 

não se passou sequer.  Existem nós

que ligam entre si os dias do tempo,

como se juntos fossem num só tempo,

desde o momento em que ficamos sós.

 

O tempo sobre o tempo recurvou-se

e meu desejo, a escoicear, curvou-se,

porque esse beijo tanto o tempo tarda.

 

Pois o tempo recusou e o tempo o guarda,

de modo tal, que quando o queiras dar,

talvez nem saiba mais como beijar...

  

CÁRCERE III

 

Amor de solidão, amor de grumo,

amor desmantelado de incerteza,

amor de planta, inerme e sem defesa,

que não pode jamais tomar seu rumo.

 

Amor de aceitação, amor de insumo,

amor reativo, amorfo e sem beleza,

amor de aceitação, amor por lesa

curvatura ao destino, amor sem prumo.

 

Amor composto apenas de inação,

vendo ao redor amor que é proativo,

amor de curvatura ao assassino,

 

Amor formado tão só de dilação,

amor composto de angústias de menino,

que roem, bem lá dentro, o coração.

 

CÁRCERE IV

 

Eu te encontrei na tua solidão

e na minha solidão tu me encontraste;

mas não querias, tanto te afastaste

quão grande o vácuo de teu coração.

 

Ao insistir, mantive a discrição

e mantida a discrição, tu te lançaste

e em outras tentativas te encontraste

com o que te parecia outra paixão.

 

Alvo da ausência, tal que essa evasão

para os domínios sempre solitários,

de certo modo, teu vazio enchesse...

 

Talvez porque ao unir tua solidão

com a minha solidão, espaços vários

aumentariam, que a tristeza preenchesse.

 

CÁRCERE V

 

Tenho saudade é disso que não vi,

porém que os outros viram e consigo

de ti levaram para alheio abrigo,

coisas que nunca restituirei a ti.

 

São pedaços de ti que encarceraram,

esses de teu passado de criança

da adolescente que a vista não alcança,

da idade adulta até, que me roubaram.

 

Mas não posso assim tomar de alheios olhos

a visão almejada dos refolhos

ou tal mirada, até mesmo indiferente,

 

daqueles que te olharam pela rua,

ou que te viram, quem sabe, toda nua

e guardarão tal lembrança eternamente.

 

CÁRCERE VI

 

Cada um que te viu, levou-te a imagem,

ou por prazer ou capricho inconsistente.

Não importa que te amasse ou indiferente

e até bem feia julgasse tua visagem...

 

Eu só queria, num gesto de coragem,

arrancar deles todos, imponente,

os retratos de ti, cada pingente

de que conservam nas mentes amostragem.

 

Eu só queria que por tua vida inteira

apenas eu te visse, interiormente

e minha fosse cada qual dessas visões...

 

Que ninguém recordasse a mais ligeira

memória que eu roubasse, diligente,

e a replantasse dentro em minhas ilusões...  

 

CÁRCERE VII

 

Perante a vida, sou uma bolha de sabão

e temo até qualquer felicidade,

porque sinto que os deuses, com maldade,

apenas sopram e me insuflam de ilusão.

 

Fico assim encarcerado em exultação,

sinto-me pleno, quase em saciedade,

até o momento em que amor ou amizade,

a gargalhar, de mim arrancarão...

 

É assim que percebo as entidades

que governam o destino: nos assopram,

até ficarmos grandes e brilhantes

 

e, nos momentos cheios de vaidades,

essa película de súbito já estupram,

com seus ferrões de risos perfurantes.

 

CÁRCERE VIII

 

Mas se um dia permitires, vou roubar

da memória dos outros toda a imagem;

enfrentarei, em mil momentos de coragem,

para a pupila de seus olhos penetrar.

 

Eu sei que se consegue pelo olhar

ter acesso imediato a tal passagem,

sua mácula ocular feita miragem,

terminação nervosa irei galgar.

 

Eu vou então buscar olhos alheios,

talvez adormecidos, distraídos,

e então me lançarei através deles,

 

a percorrer seus labirintos feios,

em seus fulcros neurais entretecidos,

até te descobrir imersa neles...

 

CÁRCERE IX

 

Pouco me importa serem amigos ou parentes,

companheiras de infância, teus amantes,

conhecerei a tocaia dos instantes

e saltarei os mundéus mais confrangentes.

 

Eu te acharei nos meandros confluentes

e desse cárcere em que habitavas dantes

eu te retirarei com meus descantes

e te sustentarei entre meus dentes.

 

Pois imerso nas profundas dos olhares,

talvez precise seus demônios combater,

firmando os pés no chão escorredio,

 

até que possa retornar aos luminares

e das lábrimas a senda percorrer,

tendo na boca o gosto de teu cio.

 

CÁRCERE X

 

Mal imagino a cópia de lembranças

que encontrarei destarte soterrada

nos raios-X de película encarnada,

nos folículos de emanações em tranças

 

e contudo, seguirei em tais avanças,

até certificar-me de que nada

de tuas imagens me terá sido negada,

enroladas em minha língua tantas danças;

 

e sairei então, na ânsia de guardar

no depósito de que somente tenho a chave

todo esse espólio que pude assim saquear

 

e as usarei como velas de meu rumo,

para o governo da derradeira nave,

por esse oceano de volutas e de fumo.

 

CÁRCERE XI

 

Pois desses cárceres te trarei à vida,

que não existe em meu peito tal prisão,

salvo as batidas de meu coração

e o ronronar do sangue em tua acolhida.

 

Não te prendo nos braços, mas contida

serás integralmente em meu pulmão,

no vaivém de toda a inspiração

respírarás, das quimeras a escolhida.

 

Mas então terei ciúme de teus traços

e talvez mesmo me converta ao islamismo,

para cobrir-te em teu sair à rua;

 

e se filhos tiveres dos abraços,

mesmo deles o rancor de meu egoísmo

impedirá que te vejam toda nua!...

 

 

CÁRCERE XII

 

Não sei bem se algum lugar ficou vazio.

Que o preencham com lembranças de outros dias;

são as imagens de ti figuras guias,

que só a mim pertencem de arredio!...

 

Talvez não queiram, num furor de cio,

permitir-me que arranque essas esguias

lianas de paixão ou puras fantasias,

ou miragens murmurantes como um rio.

 

Mas meu querer é mais forte e não domado

e o que viram de ti a mim pertence,

vou conservar-te no fundo de meu peito

 

e assim tudo hei de trazer para meu lado,

pois amor igual ao meu tudo mais vence

tendo arrogado de ti todo o direito.

 

 

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