RENARD
E A SABIÁ I --16 SETEMBRO 2017
Certo
dia, levantando-se bem cedo,
por
uma vez Renard não tinha fome,
Mas
Hermeline, a esposa que a ele dome,
recomendou:
"Arranja hoje um bom enredo!"
"Os
teus filhotes já estão com um certo medo
de
não acharem aqui nada que se come;
por
vários dias, às vezes, você some,
suas
barriguinhas deixando no degredo!"
Disse
Renard: "Eu vou
providenciar..."
"Não
é preciso trazer caça imponente.
Uns
passarinhos já serão o suficiente,
"ou
mesmo ovos, se os puderes encontrar..."
Assim
Renard saiu da toca bem ligeiro,
olhando
em volta, com ar interesseiro!
Pouco depois, num carvalho bem frondoso,
observou haver um ninho de sabiá;
já quatro filhotinhos nele há,
mas só com a mãe, sem um macho vigoroso.
"Madame Sabiá," falou ele, bem meloso,
"Meu Compadre Sabiá... onde é que está?"
"Foi buscar minhoquinhas... Volta já..."
"Estás com um grupo de filhotes bem formoso!"
"Mas desce agora e vem me dar um abraço!"
"Ora, e por que fazer tal coisa eu deveria?"
"Mas, Comadre, faz tempos não nos vemos!"
"Sinto saudades! São
suas asas doce laço
que em minhas patas caloroso acolheria,
celebrando esta amizade que nós temos!..."
E vendo uma lagarta que subia
pelo tronco, com a pata a segurou
e para Madame Sabiá a alcançou...
Com cuidado ela a bicou, mas já fugia!
Depressa a turma de pintinhos repartia...
"Comadre, mas por que não me beijou?"
"Eu não sou boba, Renard.
Você enganou
tantas aves e animais quantas havia!..."
"Não sou louca de arriscar-me a seus abraços.
O meu marido chega logo e lhe dará
beijos e abraços, se tanto assim deseja..."
"Ora, Comadre, são gentis meus braços...
Nesta manhã, sei que El-Rei proclamará
a Pax Animalia, que tanto a gente
almeja..."
"Nós
todos frutas e cereais só comeremos!
Quem
não há de gostar são os humanos,
mas
que fazer com esses desumanos?
Bem
menos matas por sua causa temos!"
"Por
essa paz então nos abraçaremos!..."
"Você
me jura que não me causa danos?"
"Até
meus olhos eu fecharei com os panos
de
minhas pestanas... E a paz nos juraremos!"
"Pois
feche os olhos e então eu descerei..."
"Vou
ajudá-la a encontrar bichinhos
para
servir a seus belos filhotinhos..."
"Com
os insetos a paz nunca farei!..."
disse
a Sabiá. "Sei não ordenou El-Rei
tirar
o alimento de meus passarinhos!"
RENARD
E A SABIÁ II
"Claro
que não!... É a paz dos animais
e
dos pássaros... Não inclui insetos
e
nem minhocas! Estes são sujeitos
às
aves, como alimentos naturais!..."
"Pois
feche os olhos. Confiarei uma vez mais
nesses
seus argumentos tão discretos!"
"Abraços
trocam compadres bem diletos,
que
certamente não serão dois canibais!"
Mas
bem esperta, a Senhora Sabiá
passou-lhe
um pouco de musgo no focinho...
Na
mesma hora, um bote deu Renard!
Somente
musgo e ar encontrou lá!...
"Que
paz é essa?" "Comadre, foi
carinho!
"Só
nos meus braços é que a quis tomar!"
"Irei de novo... Mas
não me dê outro bote!"
"Claro que não!
Interpretou-me muito mal..."
Roçou-lhe a cara com a asa... E sem aval,
Renard de novo quis morder o seu congote!
Mas a Sabiá não virou seu convescote... (*)
Voou bem alto, de forma natural.
"É essa a paz entre a ave e o animal?"
"Era um abraço e mais um beijo como dote!"
(*) Piquenique
"Não acredito, seu Raposão traiçoeiro."
"Tente de novo, pois da terceira vez
tenho certeza de que se convencerá!... "
Uma trombeta se escutou primeiro.
"Um caçador aqui bem perto vês,
com os seus cães você se abraçará...?"
"Certo é que não!
São animais traidores,
que se passaram para o lado dos humanos!
Não obedecem aos decretos soberanos
de El-Rei, mas somente aos caçadores!...
Sem mais conversa, nem pretender amores,
partiu Renard, dando saltos em afanos,
mas já os cães o perseguiam sem enganos
e de Renard só aumentavam os terrores!
Para mal dos pecados, do outro lado,
viu um menino e dois mastins no seu caminho!
Gritou um caçador: "Ataca essa raposa!"
Mas antes dos cachorros ter soltado,
Renard falou: "Não me pares, amiguinho!
"Eu fiz aposta com essa matilha tenebrosa!"
"Queremos
ver quem chega ao rio primeiro!
Não
vais agora me fazer perder a aposta!"
Da
brincadeira o garoto não desgosta
e
os cães segura... "Pois corra bem
ligeiro!"
"Se
eu ganhar, dou-te o prêmio por inteiro!
Contra
um mourão da cerca ele se encosta
para
ver a corrida que se arrosta,
os
cães bem presos, seu olhar matreiro!...
E
bem depressa Renard chegou à mata,
cruzou
o rio, seu faro disfarçando,
os
cães de caça perdendo logo a pista!
Olha
de longe o caçador, que desacata
o
bom menino, só não o espancando,
porque
os mastins a rosnar ali avista!...
RENARD
E O GATO TYBERT -- 17 SET 17
Pouco
depois de dali ter escapado,
Renard,
faminto, desembocou numa clareira:
Tybert,
o Gato, encontrou de brincadeira,
o
próprio rabo fingindo ter caçado!
"Caro
senhor," disse Tybert, bem educado,
"Seja
bem-vindo em amizade verdadeira!"
Sua
saudação, na verdade, era brejeira,
que
de raposas sempre um gato é desconfiado!
Inicialmente,
Renard tratou-o mal:
"Eu
não te cumprimento! Nem te achegues
aonde
eu estiver, senão podes te ferir!..."
"Belo
senhor, lamento vê-lo em tal moral:
nunca
lhe fiz qualquer mal, não negues:
não
o busquei prejudicar nem iludir..."
Ora, o Gato Tybert era pequeno,
mas tinha dentes finos e pontudos
e nas patas, como espinhos pontiagudos,
um arsenal de garras já em aceno...
Renard era maior, mas o veneno
que os bofes lhe deixara um tanto agudos
não impedia que fizesse bons estudos
de qualquer ocasião, dando-lhe um freno...
"Caro Tybert, peço desculpas, por favor...
Estou de mau humor e bem cansado:
com Ysengrin estou a travar terrível guerra
"e para isso quero reunir um bom pendor
de mercenários. Será
combate demorado,
mas bom proveito para todos nós encerra!..."
"Não te queres juntar ao batalhão?
És pequeno, mas corajoso e astuto..."
"De boa vontade o teu convite escuto,
com Ysengrin já tive má ocasião!..."
E os dois juraram, na mais forte intenção,
aliados serem em tal combate bruto,
mas sendo cada qual o mais arguto,
já meditavam ambos em traição...
Ora, Renard conhecia outra armadilha
que ali deixara um hábil caçador;
plano malvado sua mente já aproveita
e a ideia de prender Tybert perfilha:
"Monta a cavalo, meu amigo peleador,
vamos ver se tua montada se sujeita!...
Então
o Gato fingiu montar um cavalinho...
"Esta
senda é boa pista de corrida:
corre
até o fim e a leva de vencida!"
O
Gato logo encetou o seu caminho...
Mas
desconfiando de algum final daninho,
antes
do fim deu a carreira por contida
e
retornou: "Que tal foi minha lida?"
"Teu
palafrém me parece medrosinho!"
"Vês
só! Arrepiou sem chegar ao fim da pista!
Vai
lá de novo, mas chega até o final!"
O
Gato concordou, mas lá no fim
deu
belo pulo sobre o ferro que se avista;
caiu
adiante, bem de pé, sem sofrer mal
e
rebolando, passeou de volta assim...
RENARD
E O GATO II
Chegou
com calma, fingindo de inocente...
Disse
Renard: "Teu ginete é bem medroso;
tomou
um susto sem haver nada perigoso,
logo
pulou, sem ter razão premente!..."
"Agora
mostra seres bem valente:
esporeia
o teu cavalo bem fogoso
pois
lá no fim não há nada de espantoso;
demonstra
ser árdego corcel potente!"
Mas
Tybert respondeu que seu cavalo
participara
de batalhas numerosas,
em
que infligira ao inimigo vasto dano!
Porém
Renard não aceita esse regalo
e
discutiram, com palavras rancorosas,
nenhum
dos dois a mencionar o falso plano!
E enquanto discutiam os dois, fingindo
que possuíam excelentes montarias,
porém, de fato, tão só em correrias,
com esporas e arreios se iludindo,
chegou matilha de mastins, latindo!
Logo esqueceram de tantas fantasias,
percorrendo lado a lado as mesmas vias,
mas para a esquerda Tybert
já ia fugindo...
Deixou Renard do lado ruim da trilha
e ao chegarem no fim desse caminho
já o Raposão se esquecera da armadilha!
Tybert o empurrou, qual estando descuidado;
Renard pousou a pata, ouviu-se um estalinho
e o mecanismo foi por ele disparado!
Renard, coitado, ao se ver nesse perigo,
a Tybert pediu auxilio em tão má hora!
Contudo o Gato fingiu cravar espora
e ainda fez breve troça do inimigo!...
"Foste apanhado, Renard, meu falso amigo!
Vê se te viras só, que eu vou embora!
Rói fora agora a tua pata, sem demora,
que o caçador logo estará aqui contigo!"
"Espera, por favor, meu bom Tybert!"
"Para patife, patife e meio! Eu sou esperto,
mais do que tu! A culpa é
tua, bobalhão!"
"Nessa arapuca tentaste me prender
e te esqueceste de que o aro estava aberto!
Eu vou fugir, antes que chegue um cão!..."
Logo
a seguir chegaram dois molossos
e
Renard, a dentadas, atacaram!
Mas
pouco mais que o pelame lhe tocaram,
que
já chegou o caçador, com berros grossos!
"Não
me estraguem a pele, chupa-ossos!
Primeiro
vou esfolar, depois vocês devoram
toda
a sua carne, se o pelego não me atoram,
senão
jogo a carcaça em fundos fossos!"
Mas
quando ele levantou a machadinha
para
rachar a cabeça de Renard,
o
Raposão desviou-se para um lado!
Bateu
a lâmina na mola que o sustinha
e
de um salto, nosso herói pôde escapar,
ferida
a pata e ainda todo lastimado!...
RENARD
E A LINGUIÇA -- 18 SET 2017
Agradecendo
por não ter perdido a pata,
por
mais que esta sangrasse machucada,
seguiu
Renard em marcha capengueada,
amaldiçoando
de Tybert a ação malvada!
Feroz
vingança em sua mente planejada
enquanto
andava a percorrer a mata;
e
outra lembrança em sua mente se desata:
para
os filhotes era preciso que algo abata!
Pois
não só se machucara tanto assim,
porém
comida para a tribo precisava!
Como
caçar, assim ferido desse jeito?
E
imaginando como vingar-se, enfim,
e
ainda obter o alimento que buscava,
se
deparou justamente com o sujeito!...
Tybert, ao vê-lo, inteiro se eriçou,
mostrando as garras e afiados dentes...
Seria uma luta até das mais valentes:
Renard, ferido, para tal não se animou!
Bem ao contrário, com o outro conversou:
"Este mundo está cheio de más gentes;
suas traições e enganos são frequentes:
ainda bem que só você não me atraiçoou!"
Deixou assim muito confuso o gato:
Mas não estava com raiva esse Renard?
"Sei muito bem o quanto foste lamentar,
"mas não podias me ajudar, é triste fato!
Essa armadilha não poderias abrir
e só aos cães permitirias te ferir!..."
Tybert ficou ainda mais desconcertado
e desculpou-se da fuga, mal e mal.
que de desculpas não dispunha no final...
Mas o seu pacto foi de novo retomado.
O juramente foi por ambos renovado
e saíram pela mata, em
natural
conversação, mas descrendo no total
dessa confiança tantas vezes afirmada!
Mas enquanto conversavam, viu Renard
uma grossa linguíça abandonada:
de uma carroça caíra sobre a estrada!
E a abocanhou, sem sequer da dor lembrar!
Ainda pensando em certa forma de vingança,
declarou: "É de nós dois, como prova da aliança!"
"Vamos
os dois depressa repartir!"
falou
o Gato, todo cobiçoso...
"Aqui
não! Este lugar é perigoso,
pois
quem perdeu garanto que há de vir
'em
sua procura e nos poderá ferir
ao
encontrar-nos com algo tão valioso!
Ou
até Ysengrin, esse lobo tão guloso!
Para
lugar bem mais seguro vamos ir!..."
Tybert
concordou, pensando inquieto:
Se a
divisão for feita por Renard
pequena
parte é que me há de tocar!
"Meu
bom amigo, por questão de puro afeto,
todo
esse peso não te deixo carregar:
sou
mais saudável e esse carga vou levar!"
RENARD
E A LINGUIÇA II
"Mas
não está nada pesada, meu amigo!"
"Contudo
estás na poeira a arrastar
as
duas pontas e o meio a babujar!...
De
uma forma bem melhor levar consigo!"
Renard
pensou: Esse gato é um inimigo.
Mas é
pesada... Ele não pode se escapar...
"Vou
demonstrar minha confiança e te entregar,
pois
de minhas dores livrar-me não consigo..."
Tybert
só mordeu a linguíça pela ponta
e
a jogou nas costas, facilmente.
"Agora
entendes como é mais conveniente?"
"Não
se baba, não se empoeira, é mais em conta
e
poderemos comer o petisco descansados,
sem
qualquer nojo de pó ou babujados!..."
Um pouco adiante, se avistava uma ruína;
em toda a volta tudo estava descampado...
"Olhe só que lugar bem arranjado!...
Vamos subir até o topo da colina..."
Mas Tybert, ao ver Renard, que a pata inclina,
começou a caminhar mais apressado;
logo depois a correr àquele lado!...
Renard sofria bastante com esta sina...
"Tybert, espera, não te posso acompanhar!"
"Não te amofines, lá no alto eu vou parar,
já com a nossa linguíça em segurança."
Em lá chegando, trepou logo sobre um muro,
Renard seguindo, em sofrimento duro,
até que, finalmente, ao outro alcança...
”Chegaste aqui bem ofegante, meu amigo!"
"Estou ferido e é alta esta colina...
Mas tudo bem... Desce agora daí de cima
e vamos repartir, sem mais perigo..."
"Não sei se é bom para mim comer contigo:
só uma dentada tua me assassina!...
Não, meu Renard. A
experiência já me ensina
que aí embaixo poderá ser meu jazigo!..."
"Divide, então, e me lança a minha metade,"
falou Renard, forçado à decisão...
"Devia ser minha a partilha, na verdade,
"fui eu que achei essa preciosidade...
Porém confio nessa tua repartição,
já que à linguíça encantou nossa amizade!"
"Por
isso mesmo que ela está encantada
e
não a posso jogar até o chão:
provavelmente
se transforma num dragão!
Sobe
aqui e tua metade será dada..."
"Mas,
Tybert, com esta pata machucada,
não
poderei empreender a escalação..."
"Ora,
que pena! Então eu como a tua porção!
Dou-te
a minha parte, quando outra for achada..."
"Tybert,
Tybert, tendo sede hás de descer!"
"Choveu
faz pouco, tenho água aqui empoçada."
"Vou
te esperar até por sete anos!..."
"Acho
difícil... Sete anos sem comer?
A
propósito, já escuto a barulhada
de
uma matilha de cachorros pomeranos!"
EPÍLOGO
"Acho que estão já subindo esta colina:
sentiram o cheio da linguíça ou de raposa!
Já vais embora? Como são
curtos sete anos!"
"Espera um dia, que te darei má sina!"
"Enquanto espero, tua metade é saborosa!"
"Para os filhotes a levaria, sem enganos!"
"Para as tuas crias é pesada esta comida!"
E assim Renard desceu pelo outro lado,
contra Tybert prometendo boa vingança...
Ficou o Gato mastigando em sua guarida,
vendo os cachorros num latir esganiçado,
mas nem sequer migalha lhes alcança!...
William
Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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William Lagos
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