AVASSALAGEM I – 3 jul 22
Ilustração: Greta Thyssen, musa do cinema alemão
O que leva uma mulher a
uma paixão
dessas que chamam de
"avassaladoras"?
Logo elas, que são do
amor senhoras
e dominam facilmente um
coração?
Sei que a mulher
é feita de emoção,
sei quais instintos são
dominadores,
como se lançam
facilmente a amores
e como
trocam depressa de ilusão.
Mas o que leva uma
delas, finalmente
a se jogar a um objeto
de desejo
e se perder dentro dele
integralmente?
Grande número de razões
se faz presente:
não é apenas ao
palpitar de um beijo
que se entrega uma alma
totalmente.
AVASSALAGEM II
Dessas razões, uma é a
competição:
esse homem elegante e
perfumado,
que ela percebe por
outras disputado
é bem capaz de mover-lhe
o coração.
Quando ele assim a busca,
de seu lado
fingindo timidez (pura
ilusão!...),
acostumado que está à
flertação,
seu espírito se rende,
conquistado.
Ela se sente honrada pela
escolha:
esse homem poderia ter
qualquer,
mas se dirige diretamente
a ela!...
Como o vento, que
sopra cada folha,
vaidade e ciúme sopram a
mulher,
nessa derrota que a
torna ainda mais bela!...
AVASSALAGEM III
É o canalha quem inspira
mais paixão,
nesse cheiro de perigo
que transmite:
avassala no desprezo com
que a incite
logo após sua inicial
confrontação.
Ao vê-lo junto às
outras, sua ilusão
desfaz-se em estilhaços,
sem que evite
entregar-se, já no
próximo convite
às artimanhas de tal
espertalhão.
Sabe que mente, a cada
vez que a abraça,
mas lhe rende, mesmo
assim, toda a beleza
de seu pobre coração
desenfreado.
E quem não tenha do
social a graça
ou que não minta, sequer
em sua defesa,
acaba sendo por elas
desprezado!...
AVASSALAGEM IV
É o sabor do triunfo que
conquista,
como da tribo o melhor
caçador.
Inspira assim cobiça o
vencedor,
para um futuro que nele
se invista.
O guitarrista, o mágico,
o cantor,
o rico industrial a quem
se avista.
Do ator de novelas segue
a pista
muita mulher com todo o
seu calor.
Deixou de ser a força
muscular
o sinal de poder na
sociedade
e nem sequer se espera
juventude.
Surge paixão por quem
pode comprar
o gozo material, em
saciedade,
falsos sinais com que a
alma se ilude.
AVASSALAGEM V – 4 jul 22
Há um tipo de mulher
mais maternal,
mais do que tudo, deseja
proteger:
o fracassado busca
promover,
ao vagabundo dedica seu
ideal
e no controle se pode
perceber
a cada vez que um vício
por igual
domine ao seu amado
natural,
para que firme o possa
combater;
também essa paixão a
avassala,
mas em grau diferente e
nem percebe,
nessa ilusão se prende
interiormente,
talvez até em bem maior
escala
que quando igual amor
também recebe:
que é por si mesma a
paixão que agora sente.
AVASSALAGEM VI
E existe a espera pelo
príncipe encantado:
garboso monta um branco
garanhão:
Branca de Neve retira do
caixão
e, com um beijo, amor
é despertado...
Hoje em dia, é melhor
carro importado:
ele vem libertá-la da
prisão,
cobrir de amor inteiro o
coração,
para ficar, eterno, do seu
lado...
E no entretanto, quando
surge o ensejo
e abraça este rapaz, antes
tão guapo,
o desaponto muita vez é a
norma...
Porque, afinal, é o gosto
de seu beijo
que leva o príncipe a
virar num sapo,
e não o sapo em príncipe
transforma...
AVASSALAGEM VII
Para quem sente paixão
assim tão dura,
não importa a rejeição:
até a alimenta;
por mais que
queira e libertar-se tenta,
nunca descarta essa
armadilha escura;
porque paixão
avassaladora cura
somente outra paixão, por
amor benta:
algo que a mente e o
coração contenta.
mas lá no fundo, essa
emoção perdura
e mói o peito e fisga,
num momento,
atinge de repente e
rói a calma,
naquela ânsia fugaz de
seu temor;
e então percebe, em tal
pressentimento,
que amor é câncer e lhe
devora a alma:
melhor seria ser chamado
de tumor!
AVASSALAGEM VIII
Porém dizer: "Eu te
tumoro", fica
declaração bem
desapontadora...
Pois quem entenderá que
quem adora
de forma doentia, assim
indica
que o coração lhe
sangra e a alma estica,
sob influxo de paixão
dominadora;
que o coração
em novo orgasmo estoura,
nesse pulsar que pelo
peito quica...
Controlada pela força da
paixão,
avassalada por tal
desolação,
tanta gente corta o pulso
ou se envenena...
Apenas externando, em tal
ação,
esse veneno que percorre
seu pulmão
e a hemorragia que a alma
já condena...
AVASSALAGEM IX – 5 jul
2022
Por sorte há outro amor,
bem mais romântico,
que se deixa revestir
de igual paixão:
amor da alma que
encontrou irmão,
amor do sonho a
balbuciar seu cântico.
Não um ardor somente
coribântico,
mas amor marchetado de
ilusão,
amor que esquece de
pisar no chão,
amor que brilha, fulgurando
quântico...
É quando dois se
encontram, sem maldade
e se entregam
totalmente a tal verdade,
mesmo que o impulso
venha a ser fatal,
nesse amor
shakespeareano e de novela,
em que o desejo
explode, sem sequela,
tremeluzindo em seu viço
natural...
AVASSALAGEM X
É nesse ardor que o
romantismo agita,
por mais que a flama
seja transitória,
que se baseia toda a
velha história
e a raça assim a se
manter concita...
Mas não é de vassalagem
tal incita:
quem dá esse amor,
recebe a mesma glória
e quando resta apenas
cinza e escória,
sempre a lembrança no
coração habita.
O amor escravo
se extingue ao ser vencido:
é o calor do desejo que
o alimenta,
a brasa apaga como a
lamparina...
Mas que
vitória, quando é correspondido!
Que pena tal amor se
descontenta
e sai em busca de mais
outra menina!...
AVASSALAGEM XI
Só me resta dizer que
amor é puro:
domina sim, porém não
avassala;
conserva a chama bruta e
não se cala,
por mais que o mundo lhe
seja amargo e duro.
Não se limita a abraços
pelo escuro:
um tal amor constrói
cozinha e sala...
Passa por crises, mas
firme, não se abala;
forja ao redor de si
escudo e muro.
É amor de paz, que o
outro leva à guerra;
mesmo que traga tédio e
saciedade,
é um amor permanente e
muito terno.
Amor perene, que tua vida
encerra:
um sonho amortecido na
verdade,
amor de apoio, sem ilusão
de eterno...
AVASSALAGEM XII
Um tal amor eu sinto
-- também eu,
renovado a cada vez
que me enamoro,
nessas paixões
contidas, em que afloro
somente em versos o
sentimento meu.
Vejo a mulher com meu
olhar de ateu:
é bela, é desejável,
mas imploro
apenas que me inspire,
não a adoro
como uma deusa, por
mais que seja seu,
na sombra inútil do
desapontamento,
este amor que mais aquece
que os demais,
porque com tantos
outros compartilho.
Ao invés dessa paixão
de um só momento,
que queima bem
depressa e que jamais
permite a um par
seguir o mesmo trilho.
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