CARDIOGRAMA
I – 7 JUL 22
O
coração é uma plácida tormenta,
agitada
por paixões em turbilhão,
em
mim contida pelo freio de minha mão,
que
sua destruição seja mais lenta,
mas
com o que tem, ele nunca se contenta,
sempre
quer mais, fremente de ambição,
na
fantasia encontra plena escravidão,
nela
se lança e em ingratidão esquenta.
E
é mais por isso que somos infiéis,
tanto
no corpo como na ilusão,
sempre
queremos o relâmpago distante
e
assim marchamos para fora dos quartéis,
em
busca do domínio do trovão
em
qualquer nuvem que mostre seu semblante!
CARDIOGRAMA
II
Quando
eu era criança, umas senhoras
diziam
que eu era tão bonito,
que
em vez de homem, devia ser menina,
foi
só por sorte não mudassem minha sina!
Devido
a tal atenção fora de horas,
não
me tornasse em homossexual aflito,
pelas
contradições de meu ambiente;
poderia
ter morrido ou estar doente!
Mas
depois que cresci, foi diferente,
faz
tempo que o elogio não mais é dito,
talvez
meu rosto até cause receio...
A
gente se transforma tão frequente!
E
como quero que me achem bonito,
quando
eu mesmo me olho e me acho feio?
CARDIOGRAMA
III
Júpiter
nunca quis ter alianças,
embora
Urano as tenha mais discretas
que
as de Saturno, pois foram secretas
por
milênios de obscuras semelhanças.
Não
por acaso no imaginar alcanças
Júpiter
como o pai, nessas completas
cosmologias,
dos antigos tão diletas,
quando
era grego o retinir das esperanças.
Apenas
Vênus a ser tida feminina,
mas
que reinasse em total poligamia,
toda
senhora do vasto âmbito solar,
ou
fosse ela tão somente a concubina,
perante
os múltiplos planetas da magia
e
apenas Júpiter quisesse desposar!...
CARDIOGRAMA
IV
No
coração se misturam os sentimentos,
a
digladiar-se em violência masculina
ou
quem sabe, numa ânsia fescenina,
uns
dos outros a destroçar tantos intentos.
Não
se arraigaram em mim os movimentos
do
orgulho do rosto ou vaidade feminina,
mas
uma feroz sensibilidade peregrina,
nesses
cantos que dominam meus acentos.
Não
quis ser Vênus, mas Júpíter não sou,
e
nem meus dedos anelados quis,
uma
aliança que já tive, foi cortada,
porque
uma abelha impertinente me picou,
meu
anular já a tornar-se gris,
qual
um prenúncio de promessa a ser quebrada.
INQUIETAÇÃO
ESTRANHA I – 8 JUL 22
A
estranheza abre em mim largos espaços:
com
frequência me persegue uma suspeita
que
o largo mundo que trilho desta feita
não
é o mesmo que me prendia nos braços;
passada
a noite, tudo é igual, mas traços
que
percebia minha mente quando deita
não
são idênticos aos que agora aceita,
vejo
pontos luminosos bem mais baços...
Enquanto
os foscos agora são brilhantes
ou
mesmo as dimensões vagas se tornam,
as
coisas próximas afiguradas mais distantes,
tal
e como se houvesse atravessado
algum
portal nas imagens que se formam
e
ainda bailam irrequietas a meu lado.
INQUIETAÇÃO
ESTRANHA II
Já
muitas vezes deixei claro para mim
que
o mundo é uma constante mutação,
a
cada instante, novas escolhas são,
caleidoscópicas
a girar num vasto Alfim,
em
que preciso escolher meu próprio fim,
se
não escolho, por mim escolherão
as
incontáveis escolhas que já estão
entranhadas
de minha mente no outrossim.
Fico
a nadar entre as mil coisas do possível,
encruzilhadas
abertas sempre à frente,
os
mil quânticos que me giram ao derredor;
pois
escolher constantemente é um bem terrível,
mas
só assim não se aceita o que outra gente
me
imporia, por afirmar ser o melhor.
INQUIETAÇÃO
ESTRANHA III
Mas
simplesmente isso às vezes acontece,
quando
percebo já diverso o panorama,
quando
uma peça se tornei do diorama
que
qualquer mão alheia me entretece,
sem
que resulte afinal de qualquer prece,
simplesmente
me revolvo sobre a cama,
olhos
fechados para o plano que me chama
ou
para a nuvem que sobre mim instante desce.
Porém
ao menos mantenho essa consciência,
sei
que algo para mim mutou-se assim,
mas
sem saber como volver ao antigo...
Mas
te pergunto, em plena confidência:
será
um segredo revelado só pra mim,
se
a mesma coisa nunca ocorreu contigo?
MÃOS
INQUIETAS I – 9 JUL 2022
Minha
palma direita é muito estranha,
pois
mostra a letra A e não um M;
quando
faltam as linhas, alguém teme
que
nos prepare o destino qualquer manha!
Mas
no centro da palma, há uma estrela
de
cinco pontas claras, perceptíveis,
e
os livros de quiromancia inexauríveis
chamam
“profética” essa marca tão singela.
Só
que até hoje não consigo o meu futuro
desvendar
com precisão e nem o teu
e muito menos que destino a Terra vença,
mas
do que não ocorreu estou seguro,
pois
de todo o desmentido faço meu
e
encaro os astros na maior descrença!
MÃOS
INQUIETAS II
Nunca
fiz manicure, minhas cutículas
não
sofrem crescimento em demasia;
somente
a pele, às vezes, se arrepia
junto
à base, a formar quaisquer espículas,
erguidas
junto aos cantos, em geral
pelos
fins de semana, quando a louça
a
mim cabe lavar. Só então se esboça
da
pele o maltratar, mas não fatal...
Ela
dispõe de muita resiliência
e
depressa recupera a solidez,
só
tive fungos em duas unhas uma vez,
que
recusavam se curar com renitência;
porém
um gato mordeu-me e assim, talvez,
cicatriz guarde para o resto da existência...
MÃOS
INQUIETAS III
Contudo
estas minhas mãos nada proféticas,
já
me prestaram muito e bom serviço,
manipularam
quanto fiz em puro viço,
habitualmente
voltadas para estéticas;
na
profecia e na poesia existem éticas
bem
semelhantes e bem posso disso
me
gabar em redigir vasto e prolixo,
mesmo
que as visões da estrela sejam céticas.
Minhas
mãos são fortes, não são grandes demais,
tempo
houve que ostentavam grossos calos
e
certa vez sofreram mesmo distensão,
mas
logo se curaram de formas naturais,
a
recobrarem suas agruras e regalos
para
o trabalho em qualquer destinação.
MÃOS
INQUIETAS IV
Durante
décadas digitaram meu teclado,
a
par e par a tocar meu violino,
saxofone,
violoncelo em grave sino,
piano
e órgão tendo igual executado,
alguma
coisa eventualmente desenhado,
mas
tomava muito tempo o traço fino,
mais
fácil versos escrever em desatino,
mesmo
que o nume tem-me sempre atuado.
E
ao mesmo tempo, com pá e picareta,
com
enxada, com foice e com machado,
exercício corporal executaram nessa outrora,
estas
duas mãos e como a arma mais secreta,
já
me serviram por todo o meu passado
e
ainda me prestam um bom serviço agora!
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