quinta-feira, 14 de julho de 2022


 

 

ANIL DO SONHO I – 10 JUL 2022

 

No silêncio azulado deste mundo,

eu me acorrento a atividades azuladas,

consciente de mim mesmo em isoladas

missões que me atribuí só de iracundo;

tudo o que faço é com ardor profundo,

mais do que fazem as pessoas recordadas:

horas sem fim à filatelia destinadas,

ou quando sonetos em teu olhar inundo.

 

Houve tempos em que trabalhava sem parar

em labores braçais o dia inteiro,

que nem ao menos executar eu precisava

ou quando imaginei um museu escolar

e correspondência enviei, só de altaneiro

a todos os governantes que lembrava!

 

ANIL DO SONHO II

 

No silêncio azulado desta vida,

me entrego inteiro à névoa de meus sonhos;

durante o dia talvez sejam mais bisonhos,

porém de noite me tomam de vencida,

mais importantes para mim do que a comida,

de pesadelos ausentes, são risonhos;

alguns talvez se demonstrem mais tristonhos,

todos se expandem qual vaga incontida.

 

Durante um tempo a compor me dediquei,

sem exagero, talvez mil e quinhentas obras,

na maior parte consumidas por incêndio,

ou instrumentos dias sem fim eu estudei,

sem professor aprendendo suas manobras,

sem qualquer lucro obter desse dispêndio...

 

ANIL DO SONHO III

 

No silêncio azulado de minha mente,

escuto música praticamente o dia inteiro:

de mais de três mil discos eu me abeiro,

mesmo que um possa escutar somente

de cada vez.  Às melodias sou paciente

e apesar de tanto acervo, é costumeiro

que ponha um disco a repetir primeiro,

talvez semana, aos demais indiferente.

 

De modo igual, talvez tenha uns cinco mil

livros em casa, embora antigamente

o dobro desse número então tivesse;

mas de que serve tal coleção nada sutil,

se só um livro posso ler integralmente,

tal qual exalto de cada vez uma só prece?

 

PURPURINA CORRUPÇÃO I – 11 JUL 22

 

Encontro muitos tipos de devassidão:

um homem bêbado é conhecido por devasso,

mas na mulher menciona-se outro traço,

devassa é aquela que faz sexo em ocasião,

com qualquer um que despertar a sua paixão

momentânea, sem temor nem embaraço,

mas quem no jogo gasta inteiro o seu espaço,

de igual merece receber conotação.

 

Hoje em dia, é mais devasso quem se droga

ou mesmo aqueles que comem demais,

ou alguém promíscuo com seu próprio sexo,

talvez devesse chamar-se assim quem roga,

não só em igrejas, mas a guias mais casuais,

de qualquer santo em busca de um amplexo!

 

PURPURINA CORRUPÇÃO II

 

Talvez devasso seja esse que passa

a noite inteira no vício da leitura!

Ou esse que num game faz procura,

o dia inteiro a digitar a vida escassa;

mas hoje existe até coisa mais devassa:

quem tecla em celular sua alma impura

e se afasta dos demais quase em loucura,

ou quem busca em exercícios toda a graça.

 

Todo e qualquer excesso poderia ser assim

classificado na armadilha desse nexo,

quem sabe mesmo um colecionador de selos?

Desde que esse se agrilhoe a um só fim,

e não apenas quem se exceda em sexo

ou deposite na bebida os seus desvelos!

 

PURPURINA CORRUPÇÃO III

 

Quiçá esteja exagerando essa amplitude,

mas que dizer de um pintor desatinado,

que começa um quadro após ter outro terminado?

Ou quem se enlaça sem razão à vida rude

de um anacoreta dos homens isolado,

ou quem se prende à vaidade do penteado,

da manicure ou em maquiagem grude?

 

Qualquer vício pode assim ser rotulado,

mesmo o que julguem ser o mais inocente,

ou qualquer busca pelo lucro demasiado.

E o que dizer de um poeta tresloucado,

preso nos versos, a se esquecer da gente,

seu descanso a desgastar de aposentado?

 

VERDE É A PALAVRA I – 12 JUL 22

 

Certa parábola lembramos do Senhor,

sobre esse esforço durante a semeadura,

de sol a sol, nesse trabalho que perdura:

nada vem fácil para o semeador!...

mas o tempo vai passando e o ceifador

também se apresta para a segadura;

o eito é longo e sua tarefa e dura,

mas recolhe sua colheita com ardor!

 

E para cada grão que foi ali semeado

o seu trabalho vê recompensado,

a quarenta, cinquenta e cem por um

e com o Reino desse modo é comparado,

que as boas ações que fizemos no passado,

jamais se esquecem por motivo algum.

 

VERDE É A PALAVRA II

 

Porém isto se refere ao Reino Eterno,

em cujo seio aguardamos recompensa

e entre os prêmios e castigos que se pensa

existe o quente verão e o frio do inverno;

o Salvador nos narra, em canto terno,

quanto se deve fazer para que vença

os percalços da vida em plena crença

e assim se possa superar o mundo externo.

 

Contudo em tal estoicismo filosófico,

para a Terra conquistar não há receita,

semear o Bem é um vão procedimento!

A religião tem o seu cunho teosófico,

a mente humana sendo muito mais estreita,

busca somente o sucesso de um momento!

 

VERDE É A PALAVRA III

 

Nas nuvens gris os pássaros se enredam,

tentam pousar em vão no cataclismo;

ninhos de vento em meu solipsismo

eu construo para mim em véus que cedam

palavras simples ou idéias que concedam

mundos inteiros dentre os quais eu cismo,

não vejo ali verismo ou romantismo,

somente impulsos que na mente medram.

 

Não costumo falar assim tanto de mim,

que te interessa o que eu sinta ou pense?

Prefiro muito mais falar de amor...

Mas nem sempre minha mão prefere assim,

deixa na folha algo mais que ali se adense,

do coração a escorrer sem estridor...

 

VERDE É A PALAVRA IV

 

E como os pássaros constroem seus ninhos,

eu fico a recolher paina e algodão,

que me perseguem sem pausa ou noção:

são minhas nuvens que constroem passarinhos!

E os passarinhos debicam meus carinhos,

para levá-los à casuarina em que já estão,

mas casuarinas não me trazem proteção:

são cobertos de galhos meus caminhos!

 

Os meus caminhos a vida me percorrem

e não procuro a vida em tais veredas,

elas que passam velozmente por meus pés!

Só os algodões do sonho me socorrem,

construo o céu com as ilusões mais ledas

e só em palavras intangíveis ponho fés!...

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