CONSEQUÊNCIA
I (29 AGO 79)
(Joanne Woodward)
Espero
tenhas tido mil prazeres...
eu
realmente os tive, por te veres
tão
incensada no meu corpo e beijos,
voltados
para ti nesses quereres
que
toda a alma me infundiram de carinho,
nessa
centelha negra de azevinho,
ao
ver maduro o fruto dos desejos,
que
fora dantes rubro feito vinho
e
agora é rosa negra, como a flor
que
acende assim teus olhos de calor,
enquanto
gozo eu dou sem ter fruído,
tão
infundido desse teu ardor
que
quatro e cinco vezes faça amor
na
carne de outro amor desiludido...
CONSEQUÊNCIA
II (26 NOV 10)
Amor
escuso, amor de vivandeira,
que
tanto me assombrou em meu caminho,
amor de
estrela, de pássaro sem ninho,
amor
pela paixão que vi primeira;
amor
agora feito em trepadeira,
abraços
coagulados, brando arminho,
amor que
se imiscuiu devagarinho
e
depois foi ficando em nossa esteira...
Amor
que foi a luz, garboso manto,
aos
pouco tracejado do costume,
amor de
espuma solta no arrebol,
que
brilha mansamente, em vago encanto,
e se
arrebenta ao encontrar o lume,
enquanto
à noite me aquece como o sol.
CONSEQUÊNCIA
III -- 2 maio 2023
Curiosa
estavas, disseste, se poesia
poderia
continuar canção de amor
depois
que fora apagado todo o ardor
dessa
torrente de fogo que fluía...
Talvez
percebas, em tua fantasia,
que
amor fruído produz maior calor
e
amor negado retrate em esplendor
a
gama inteira da dor em harmonia.
A
saga diz assim: os trovadores
somente
os alaúdes percutiam
enquanto
não gozavam estertores
do
orgasmo da donzela que fulgia.
E
então, buscavam outra e mais sorriam
enquanto
a seus abraços lhes fugia...
CONSEQUÊNCIA
IV
Mas eu
não sou assim. De amor ditoso
muitas
vezes cantei, amor de sexo,
que
poesia existe mais em tal amplexo,
na
descrição de um ventre dadivoso.
De amor
negado se escreve numeroso:
tantos
exemplos há, quase sem nexo,
que em
busca nova às vezes eu me vexo,
pois
não quero plagiar, nem ser viscoso
na
cópia de mim mesmo. Quero vida
e a
escolha de temática mais rara,
que
amor carnal descreva em elegia,
sem que
à pornografia dê guarida:
mas que
essa carne da amada contemplara,
qual num
milagre de necromancia.
CONSEQUÊNCIA V
Teu corpo aqueço quando a alma fria
a minha vai gelando em pleno abril,
amor de conferência, amor de atril,
leitura apenas da jóia que luzia,
amor já descorado, amor de anil,
amor cuja esperança enlanguescia,
enquanto a solidão em mim descia
e me envolvia em armadura vil,
amor de carne apenas, sem aurora,
amor que se reduz somente a orgasmo,
sempre a chegar-me por consolação
desse amor meigo vazado num outrora,
amolecido em gosto de marasmo,
tapando as válvulas de meu coração...
CONSEQUÊNCIA
VI – 3 maio 2032
Como Tirésias, o adivinho cego,
o que percebo agora é esmagamento,
encerrado no meu sepultamento,
cansado deste corpo a que me apego...
Como Tirésias, à vida nada nego
do que lhe posso dar em pagamento:
fui mulher nos meus versos de lamento,
como sou homem em versos que hoje emprego.
Em alguns desses versos, sou criança,
em outros, já sou velho e sem indulto:
na maioria sem real maturidade,
tão só de adolescente, sem tardança,
a se lançar à condição de adulto,
no enfrentamento leal da adversidade.
CONSEQUÊNCIA VII
Amor perfeito e inteiro ressecado,
amor sexual praticado com frequência,
amor gentil, sem ter mais
consequência
que bolha de sabão no céu dourado,
amor acarinhado e sem ardência,
amor de rosicler, amor domado,
amor de pleno freio, amor cansado,
mas amor em vastidão de permanência.
Que amor é esse que permanece puro,
depois de tanta vez acrisolado,
amor brunido na chama do lampião,
contudo amor constante, amor seguro
do beijo repetido e resguardado
dessa maior emboscada da paixão?...
CONSEQUÊNCIA
VIII
Que
amor é esse, amor de culinária,
amor
bem temperado em refeição,
três
vezes cada dia e sem paixão,
sem
qualquer gula ou marcha funerária?
Que
amor é esse, amor de compreensão
e que
suporta a maldição diária
da vida
desgastada e temporária,
mas
conservado sem grande exaltação?
Que
amor é esse que enfim nos acompanha,
que
morre tanta vez e ressuscita,
amor de
bastidor, amor de fita,
amor
que chicoteia, mas não lanha,
amor
que escorre morno de chuveiro,
na
expectativa de um beijo derradeiro?
CONSEQUÊNCIA IX – 4 maio 2023
E então que amor é esse, amor
costume,
lavado já mil vezes, amor coarado,
amor de sonho velho já esgarçado,
amor que não se nega e nem se assume?
E então que amor é esse, amor
guardado,
que ainda nos amorna com seu lume,
amor que bem se sabe adonde rume,
entre naftalinas ali engavetado?
Amor sem mais delírio, mas inteiro,
amor que se demonstra sem sentir,
maior do que sentir sem o demonstrar?
Amor garboso de velho cavaleiro,
que se demora seus arreios a brunir,
mas na andadura mal consegue já
montar?
CONSEQUÊNCIA
X
Acredito
já perdi o fio da vida,
não sei
onde o deixei, porém o leme
de meu
barco no tombadilho geme,
enquanto
as ondas o levam de vencida.
Já
procurei em minhas gavetas a jazida
deste
meu fio; por mais qeu reme
não
achei o meu cordão e o peito teme
que
essa meada de fato foi perdida.
Eu
costumava guiar fime o timão,
a
enfrentar escolhos e recifes,
usava o
meu olhar como farol,
porém
agora suspeito encantação,
lançada
contra mim entre os beliches
deste
barco que ainda singra no arrebol.
CONSEQUÊNCIA
XI
Contudo
espero que tenhas mil prazeres,
em
teu novo sentir, em teu desabrochar,
espinho
emurchecido em pétala a cantar,
na
lenta exaltação da soma dos deveres.
Assim
espero que cresçam teus poderes,
posto
de lado em ti o antigo despertar,
em ti
maturidade total a realizar,
na
nova segurança com que tua vida geres.
Eu
nem sei o que quero depois do que já tive,
não
enfoco sequer meu pensamento alhures,
não
busco alternativa ao som de minha canção,
mas
bem que gostaria que minhalma reative,
sem
se elançar para quaisquer nenhures
esse
olhar de soslaio que me brotou do coração.
CONSEQUÊNCIA XII
Só espero teus prazeres companheiros
tenham sido gentis dentro em teu peito;
sei muito bem o quanto tens sujeito
a alma e o coração, teus parelheiros,
que a mente ensilha, quando desordeiros,
revestida desse cérebro imperfeito
e mais ainda, do corpo no despeito
que sofre o espírito em dias mais ligeiros.
Quisera até que fosses pura mente
e ao lado de meu espírito presente
purificasses do meu imperfeições ,
mas sem dúvida são crisol e são cadinho,
que a pouco e pouco, muito de mansinho,
vão dissolvendo minhas frágeis ambições.
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