terça-feira, 9 de maio de 2023


 

 

CONSEQUÊNCIA I    (29 AGO 79)

(Joanne Woodward)

 

Espero tenhas tido mil prazeres...

eu realmente os tive, por te veres

tão incensada no meu corpo e beijos,

voltados para ti nesses quereres

 

que toda a alma me infundiram de carinho,

nessa centelha negra de azevinho,

ao ver maduro o fruto dos desejos,

que fora dantes rubro feito vinho

 

e agora é rosa negra, como a flor

que acende assim teus olhos de calor,

enquanto gozo eu dou sem ter fruído,

 

tão infundido desse teu ardor

que quatro e cinco vezes faça amor

na carne de outro amor desiludido... 

CONSEQUÊNCIA II  (26 NOV 10)

 

Amor escuso, amor de vivandeira,

que tanto me assombrou em meu caminho,

amor de estrela, de pássaro sem ninho,

amor pela paixão que vi primeira;

 

amor agora feito em trepadeira,

abraços coagulados, brando arminho,

amor que se imiscuiu devagarinho

e depois foi ficando em nossa esteira...

 

Amor que foi a luz, garboso manto,

aos pouco tracejado do costume,

amor de espuma solta no arrebol,

 

que brilha mansamente, em vago encanto,

e se arrebenta ao encontrar o lume,

enquanto à noite me aquece como o sol.

 

CONSEQUÊNCIA III  -- 2 maio 2023

 

Curiosa estavas, disseste, se poesia

poderia continuar canção de amor

depois que fora apagado todo o ardor

dessa torrente de fogo que fluía...

 

Talvez percebas, em tua fantasia,

que amor fruído produz maior calor

e amor negado retrate em esplendor

a gama inteira da dor em harmonia.

 

A saga diz assim: os trovadores

somente os alaúdes percutiam

enquanto não gozavam estertores

 

do orgasmo da donzela que fulgia.

E então, buscavam outra e mais sorriam

enquanto a seus abraços lhes fugia...

 

CONSEQUÊNCIA IV 

 

Mas eu não sou assim.  De amor ditoso

muitas vezes cantei, amor de sexo,

que poesia existe mais em tal amplexo,

na descrição de um ventre dadivoso.

 

De amor negado se escreve numeroso:

tantos exemplos há, quase sem nexo,

que em busca nova às vezes eu me vexo,

pois não quero plagiar, nem ser viscoso

 

na cópia de mim mesmo.  Quero vida

e a escolha de temática mais rara,

que amor carnal descreva em elegia,

 

sem que à pornografia dê guarida:

mas que essa carne da amada contemplara,

qual num milagre de necromancia. 

 

CONSEQUÊNCIA V 

 

Teu corpo aqueço quando a alma fria

a minha vai gelando em pleno abril,

amor de conferência, amor de atril,

leitura apenas da jóia que luzia,

 

amor já descorado, amor de anil,

amor cuja esperança enlanguescia,

enquanto a solidão em mim descia

e me envolvia em armadura vil,

 

amor de carne apenas, sem aurora,

amor que se reduz somente a orgasmo,

sempre a chegar-me por consolação

 

desse amor meigo vazado num outrora,

amolecido em gosto de marasmo,

tapando as válvulas de meu coração...

 

CONSEQUÊNCIA VI – 3 maio 2032

 

Como Tirésias, o adivinho cego,

o que percebo agora é esmagamento,

encerrado no meu sepultamento,

cansado deste corpo a que me apego...

 

Como Tirésias, à vida nada nego

do que lhe posso dar em pagamento:

fui mulher nos meus versos de lamento,

como sou homem em versos que hoje emprego.

 

Em alguns desses versos, sou criança,

em outros, já sou velho e sem indulto:

na maioria sem real maturidade,

 

tão só de adolescente, sem tardança,

a se lançar à condição de adulto,

no enfrentamento leal da adversidade.

 

CONSEQUÊNCIA VII

 

Amor perfeito e inteiro ressecado,

amor sexual praticado com frequência,

amor gentil, sem ter mais consequência

que bolha de sabão no céu dourado,

 

amor acarinhado e sem ardência,

amor de rosicler, amor domado,

amor de pleno freio, amor cansado,

mas amor em vastidão de permanência.

 

Que amor é esse que permanece puro,

depois de tanta vez acrisolado,

amor brunido na chama do lampião,

 

contudo amor constante, amor seguro

do beijo repetido e resguardado

dessa maior emboscada da paixão?...

 

CONSEQUÊNCIA VIII

 

Que amor é esse, amor de culinária,

amor bem temperado em refeição,

três vezes cada dia e sem paixão,

sem qualquer gula ou marcha funerária?

 

Que amor é esse, amor de compreensão

e que suporta a maldição diária

da vida desgastada e temporária,

mas conservado sem grande exaltação?

 

Que amor é esse que enfim nos acompanha,

que morre tanta vez e ressuscita,

amor de bastidor,  amor de fita,

 

amor que chicoteia, mas não lanha,

amor que escorre morno de chuveiro,

na expectativa de um beijo derradeiro?

 

CONSEQUÊNCIA IX – 4 maio 2023

 

E então que amor é esse, amor costume,

lavado já mil vezes, amor coarado,

amor de sonho velho já esgarçado,

amor que não se nega e nem se assume?

 

E então que amor é esse, amor guardado,

que ainda nos amorna com seu lume,

amor que bem se sabe adonde rume,

entre naftalinas ali engavetado?

 

Amor sem mais delírio, mas inteiro,

amor que se demonstra sem sentir,

maior do que sentir sem o demonstrar?

 

Amor garboso de velho cavaleiro,

que se demora seus arreios a brunir,

mas na andadura mal consegue já montar?

 

CONSEQUÊNCIA X

 

Acredito já perdi o fio da vida,

não sei onde o deixei, porém o leme

de meu barco no tombadilho geme,

enquanto as ondas o levam de vencida.

 

Já procurei em minhas gavetas a jazida

deste meu fio; por mais qeu reme

não achei o meu cordão e o peito teme

que essa meada de fato foi perdida. 

 

Eu costumava guiar fime o timão,

a enfrentar escolhos e recifes,

usava o meu olhar como farol,

 

porém agora suspeito encantação,

lançada contra mim entre os beliches

deste barco que ainda singra no arrebol.

 

CONSEQUÊNCIA XI

 

Contudo espero que tenhas mil prazeres,

em teu novo sentir, em teu desabrochar,

espinho emurchecido em pétala a cantar,

na lenta exaltação da soma dos deveres.

 

Assim espero que cresçam teus poderes,

posto de lado em ti o antigo despertar,

em ti maturidade total a realizar,

na nova segurança com que tua vida geres.

 

Eu nem sei o que quero depois do que já tive,

não enfoco sequer meu pensamento alhures,

não busco alternativa ao som de minha canção,

 

mas bem que gostaria que minhalma reative,

sem se elançar para quaisquer nenhures

esse olhar de soslaio que me brotou do coração.

 

CONSEQUÊNCIA XII

 

Só espero teus prazeres companheiros

tenham sido gentis dentro em teu peito;

sei muito bem o quanto tens sujeito

a alma e o coração, teus parelheiros,

 

que a mente ensilha, quando desordeiros,

revestida desse cérebro imperfeito

e mais ainda, do corpo no despeito

que sofre o espírito em dias mais ligeiros. 

 

Quisera até que fosses pura mente

e ao lado de meu espírito presente

purificasses do meu imperfeições ,

 

mas sem dúvida são crisol e são cadinho,

que a pouco e pouco, muito de mansinho,

vão dissolvendo minhas frágeis ambições.

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