quinta-feira, 11 de maio de 2023


 

 

DESTINO AO LADO I – 8 MAIO 2023

(Luise Rainer, musa do cinema mudo)


Tudo depende do que nos domina,

se é o respeito à vida ou a ambição,

isso enviesa e tinge cada ação

e para um polo ou outro nos inclina;

mas sempre algo deve haver que nos fascina

para sentirmos simpatia ou emoção,

na dor ou na alegria ou na paixão,

em faculdade que ninguém ensina,

ou não teríamos a mínima alegria

quando alguém por nós é dominado

ou voluntário quer mostrar o coração,

quando amor seria palavras sem valia

e a própria morte de um sonho assassinado

não causaria um só sinal de compaixão.

DESTINO AO LADO II

Não obstante, por maior fosse o cinismo

ou a dependência da materialidade,

sob o manto em farrapos da impiedade,

sempre há à espreita um certo romantismo,

mais do que o corpo em seu naturalismo,

emoções há de uma certa densidade,

há sentimentos com laivos de bondade,

seja em amor, seja em companheirismo,

que mais não seja por sentir necessidade

de alguém que permaneça ao nosso lado

e nos dedique um pouco de cuidado,

que mesmo faça-nos descrer dessa maldade

tão inerente ao mundo em que vivemos

e ao futuro ante o qual tanto tememos.

DESTINO AO LADO III

Nunca na vida pretendera ser poeta,

meu coração num véu de timidez,

da zombaria em mau temor talvez,

por qualquer debilidade que me afeta

e no entretanto, minhalma só completa

esse amor em que talvez não crês,

essa beleza em que não crês talvez,

como um carcaz a lançar potente seta,

cada momento para minha surpresa,

amor prevendo em olhos cintilantes

ou no perfume projetado por cabelos

e nesse breve laivo de incerteza,

surgem os versos de fervor constante,

a descrever-me invisíveis seus desvelos.

 

DEMOLIÇÃO AO LADO I – 9 MAIO 2023

Ao quebrares das paredes a argamassa,

de antigas sombras removes proteção,

talvez por ti não demonstrem devoção,

porém da casa combatem a desgraça;

essas conservam tudo quanto passa

entre as paredes em real conservação

e certamente não te prejudicarão,

pois tuas sombras acrescentas à sua massa;

o que desperta nelas mais desgosto

é ver sua casa vazia e abandonada,

a pouco e pouco se degradando em nada,

como um dia abandonado por sol posto,

adormecido de suas colinas no reboco,

desvanecido em neblina pouco a pouco.

DEMOLIÇÃO AO LADO II

As paredes transformadas em caliça

são amontoadas assim ao deus-dará,

o que lhes ocorre mal se saberá,

quando um monturo sobre as quais se eriça;

talvez um maquinário ali se atiça

e em pó de cal somente as tornará

e então um alicerce se preencherá,

seu destino sem prever a buena-dicha.

pobres paredes, que um dia protegeram

do frio e do calor seus habitantes,

pobres paredes a confortar constantes

aqueles que entre elas se acolheram,

acumuladas quais ossada em caminhões

como um aterro para novas construções!

DEMOLIÇÃO AO LADO III

E se acaso julgas isto fantasia,

lembra ao menos o trabalho dos pedreiros,

com seu fretachos a preencher ligeiros

cada fresta em que ar penetraria,

o suor que cada qual derramaria

nessas casas dos mais ricos herdeiros,

em suas casinhas e nas dos companheiros

um tal reboco ninguém sequer colocaria,

como um sinal bem claro da pobreza,

dando margem às pragas e aos insetos,

entre os tijolos a povoar seus ninhos;

e não desperto assim a tua tristeza,

por ao modismo te entregares infeliz

que velhos tijolos pôr a relento quis?

 

VAGIDOS AO LADO I – 10 MAIO 2023

Escuto em vão os suspiros do passado,

 

mais do que eu sofreram mil perigos,

não são suspiros meus, mas dos antigos,

cada ranhura de um coração atribulado,

toda a tortura que reuniu tempo de antanho,

em sofrimento incompreensível de tamanho,

 

que mal posso calcular em meu presente,

dessas vidas famintas e sedentas

ou no castelo de riquezas fraudulentas,

em que igual a morte penetrou onipotente,

tanta rainha a morrer de parturiente,

tanto príncipe massacrado pelas ventas

e colmilhos de javalis, em mortes lentas,

pela gangrena e pelo tétano inclemente...

VAGIDOS AO LADO II

Escuto ainda o rangido das batalhas,

dessas espadas com que carne talhas,

lanças potentes a perfurar as malhas,

depois soldados a matar sobreviventes,

não por maldade, por ações benevolentes,

que não sofressem de suas feridas mais ardentes;

 

ali escuto os mil gemidos do passado,

mais das bocas dos jovens combatentes,

de seus lares arrancados impotentes,

em tais guerras cada qual sacrificado,

enquanto os reis e marechais ao lado

ficavam apenas a contemplar indiferentes

essas “perdas reparáveis” condizentes

com seu projeto de vitória consumado.

VAGIDOS AO LADO III

Quem recolher os suspiros das nações

e os pendurar de suas sacolas nos bordões,

podem soltá-los como vastos furacões;

mas quem recolhe os gemidos dos doentes,

dos amputados sem anestesias ingentes,

dos sufocados por vírus inclementes,

 

quando se encontram perante nova aurora

os esqueletos acumulados aos milhares,

crânios vazios incapazes de cantares,

para onde suas dores seguirão embora,

sempre impossível calcular-se nesta hora

tal multidão destituída de avatares,

a se extinguir em tais tristes lugares,

quem mais recorda o aguilhão de seu outrora?

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