DESTINO
AO LADO I – 8 MAIO 2023
(Luise Rainer, musa do cinema mudo)
Tudo
depende do que nos domina,
se
é o respeito à vida ou a ambição,
isso
enviesa e tinge cada ação
e
para um polo ou outro nos inclina;
mas
sempre algo deve haver que nos fascina
para
sentirmos simpatia ou emoção,
na
dor ou na alegria ou na paixão,
em
faculdade que ninguém ensina,
ou
não teríamos a mínima alegria
quando
alguém por nós é dominado
ou
voluntário quer mostrar o coração,
quando
amor seria palavras sem valia
e
a própria morte de um sonho assassinado
não
causaria um só sinal de compaixão.
DESTINO
AO LADO II
Não
obstante, por maior fosse o cinismo
ou
a dependência da materialidade,
sob
o manto em farrapos da impiedade,
sempre
há à espreita um certo romantismo,
mais
do que o corpo em seu naturalismo,
emoções
há de uma certa densidade,
há
sentimentos com laivos de bondade,
seja
em amor, seja em companheirismo,
que
mais não seja por sentir necessidade
de
alguém que permaneça ao nosso lado
e
nos dedique um pouco de cuidado,
que
mesmo faça-nos descrer dessa maldade
tão
inerente ao mundo em que vivemos
e
ao futuro ante o qual tanto tememos.
DESTINO
AO LADO III
Nunca
na vida pretendera ser poeta,
meu
coração num véu de timidez,
da
zombaria em mau temor talvez,
por
qualquer debilidade que me afeta
e
no entretanto, minhalma só completa
esse
amor em que talvez não crês,
essa
beleza em que não crês talvez,
como
um carcaz a lançar potente seta,
cada
momento para minha surpresa,
amor
prevendo em olhos cintilantes
ou
no perfume projetado por cabelos
e
nesse breve laivo de incerteza,
surgem
os versos de fervor constante,
a
descrever-me invisíveis seus desvelos.
DEMOLIÇÃO
AO LADO I – 9 MAIO 2023
Ao
quebrares das paredes a argamassa,
de
antigas sombras removes proteção,
talvez
por ti não demonstrem devoção,
porém
da casa combatem a desgraça;
essas
conservam tudo quanto passa
entre
as paredes em real conservação
e
certamente não te prejudicarão,
pois
tuas sombras acrescentas à sua massa;
o
que desperta nelas mais desgosto
é
ver sua casa vazia e abandonada,
a
pouco e pouco se degradando em nada,
como
um dia abandonado por sol posto,
adormecido
de suas colinas no reboco,
desvanecido
em neblina pouco a pouco.
DEMOLIÇÃO
AO LADO II
As
paredes transformadas em caliça
são
amontoadas assim ao deus-dará,
o
que lhes ocorre mal se saberá,
quando
um monturo sobre as quais se eriça;
talvez
um maquinário ali se atiça
e
em pó de cal somente as tornará
e
então um alicerce se preencherá,
seu
destino sem prever a buena-dicha.
pobres
paredes, que um dia protegeram
do
frio e do calor seus habitantes,
pobres
paredes a confortar constantes
aqueles
que entre elas se acolheram,
acumuladas
quais ossada em caminhões
como
um aterro para novas construções!
DEMOLIÇÃO
AO LADO III
E
se acaso julgas isto fantasia,
lembra
ao menos o trabalho dos pedreiros,
com
seu fretachos a preencher ligeiros
cada
fresta em que ar penetraria,
o
suor que cada qual derramaria
nessas
casas dos mais ricos herdeiros,
em
suas casinhas e nas dos companheiros
um
tal reboco ninguém sequer colocaria,
como
um sinal bem claro da pobreza,
dando
margem às pragas e aos insetos,
entre
os tijolos a povoar seus ninhos;
e
não desperto assim a tua tristeza,
por
ao modismo te entregares infeliz
que
velhos tijolos pôr a relento quis?
VAGIDOS
AO LADO I – 10 MAIO 2023
Escuto
em vão os suspiros do passado,
mais
do que eu sofreram mil perigos,
não
são suspiros meus, mas dos antigos,
cada
ranhura de um coração atribulado,
toda
a tortura que reuniu tempo de antanho,
em
sofrimento incompreensível de tamanho,
que
mal posso calcular em meu presente,
dessas
vidas famintas e sedentas
ou
no castelo de riquezas fraudulentas,
em
que igual a morte penetrou onipotente,
tanta
rainha a morrer de parturiente,
tanto
príncipe massacrado pelas ventas
e
colmilhos de javalis, em mortes lentas,
pela
gangrena e pelo tétano inclemente...
VAGIDOS
AO LADO II
Escuto
ainda o rangido das batalhas,
dessas
espadas com que carne talhas,
lanças
potentes a perfurar as malhas,
depois
soldados a matar sobreviventes,
não
por maldade, por ações benevolentes,
que
não sofressem de suas feridas mais ardentes;
ali
escuto os mil gemidos do passado,
mais
das bocas dos jovens combatentes,
de
seus lares arrancados impotentes,
em
tais guerras cada qual sacrificado,
enquanto
os reis e marechais ao lado
ficavam
apenas a contemplar indiferentes
essas
“perdas reparáveis” condizentes
com
seu projeto de vitória consumado.
VAGIDOS
AO LADO III
Quem
recolher os suspiros das nações
e
os pendurar de suas sacolas nos bordões,
podem
soltá-los como vastos furacões;
mas
quem recolhe os gemidos dos doentes,
dos
amputados sem anestesias ingentes,
dos
sufocados por vírus inclementes,
quando
se encontram perante nova aurora
os
esqueletos acumulados aos milhares,
crânios
vazios incapazes de cantares,
para
onde suas dores seguirão embora,
sempre
impossível calcular-se nesta hora
tal
multidão destituída de avatares,
a
se extinguir em tais tristes lugares,
quem
mais recorda o aguilhão de seu outrora?
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