quarta-feira, 3 de maio de 2023


 

 

PIEROMA (Plenitude) I – 29 abril 2023

(Josephine Baker, bailarina franco-americana)

 

Ouço dizer que amor desarma a alma,

também que amor refaz eras de paz,

que todo amor é causado pelo karma.

Até é agradável pensar que assim se faz,

embora amor se envolva mais em dharma

e tenha mesmo provocado guerras más.

 

De fato, pelo amor de uma mulher

(ou pelo menos qual relata Homero),

que em sua épica Ilíada assim nos quer

fazer crer que fosse o amor motivo mero

de um juramento em que se faz mister

cumprir promessa feita em desespero,

 

surgindo a guerra que nos foi documentada,

através dos milênios desta história,

pelo mundo ocidental já consagrada,

consoante sua poesia em pura glória,

por mais que outra razão fosse ocultada,

por sua ambição e por sua honra transitória...

 

PIEROMA II

 

O fato é, que através da história,

a despeito de seu véu do romantismo,

bem mais que ouro, amor foi causa inglória,

envolvido em ciúme ou puro egoísmo,

disfarçado de paixão, luta e vitória,

provocado muito mais por narcisismo.

 

Amor, mais do que tudo, é amor de si,

uma ânsia de se ter, por se possuir,

que amor nos traga paz eu nunca cri,

que amor desarme a arma me faz rir,

amor é a forte arma que provém de ti,

mulher que agora lês o meu sentir.

 

Enquanto fores bela e atraente,

dessas formas secretas, que ninguém,

sequer o amante percebe totalmente,

esse amor que suscitas em alguém

será motivo para luta permanente

e como dominá-lo, sabes bem!...

 

PIEROMA III

 

Pois de fato, somente amor desarma

ao homem que o experimenta, enquanto tem

entre seus braços a força desse karma,

mas quando o perde, se arma muito bem,

por falsa honra ou por despeito se rearma,

por não querer que o substituam por nínguém.

 

E enquanto amor só acena em sedução,

mas permanece em um corpo insatisfeito,

o que pode armar mais que uma paixão?

Amor nunca nos traz a paz ao peito,

bem ao contrário, só nos traz exaltação,

o próprio orgasmo só traz a paz no leito.

 

Mas é somente pot instantes, nunca mais,

que sensações conflitantes nos provoca,

mesmo o amor satisfeito até demais,

que para a paz certamente não se toca

e desarmar-nos é uma coisa que jamais

pode fazer quanto a paixão invoca.

 

PIEROMA IV – 30 abril 2023

 

Enquanto busca conquistar seus fins,

amor é um sentimento “despiadoso”,

como nos diria Camões, em versos afins,

que pacifico não é, nem generoso:

amor paixão provém bem mais dos rins

do que de um coração dito amoroso.

 

Contudo, é necessário compreender

qual é a espécie de amor que se entendeu,

quando pacífico se o queria pretender,

que é metamorfo amor, bem mais do que eu,

amor sacrificial que nos leva até a morrer,

amor de altruísmo, por que tudo se perdeu?

 

Existe amor da matéria e da riqueza,

amor da pátria, amor que surpreendeu

por sacrifício, em toda a sua nobreza

e existe amor que mais amor te deu,

que em nada foi egoísta, com certeza,

que ao amor próprio em nada enalteceu.

 

PIEROMA V

 

Mas tampouco esse amor de nostalgia

nos poderá trazer a paz, só a aquiescência,

igual que o amor descrito em elegia

sobre uma sepultura em decadência,

esse amor triste que o romantismo descrevia,

ao impossível prometer plena obediência.

 

Mil facetas tem amor, qual metamorfo,

amor à glória, à arte, à religião,

amor do que se houve com esforço,

amor do que nos veio em dotação,

amor do fardo que se transporta ao dorso,

amor independente, amor de escravidão,

 

amor paterno por sua descendência,

em que se enxerga, às vezes, o retrato

ou a parcial garantia da sobrevivência,

sem encontrar-se a plenitude em pleno ato,

pelo menos em uma certa equivalência,

dessa imortalidade genética em recato.

 

PIEROMA VI

 

E qual amor nos poderia trazer paz

dentre essa gama universal de amores?

O amor materno satisfação compraz,

sentindo a mãe justificadas quantas dores,

nesse bebê que entre os braços traz,

na completude dos biológicos pendores.

 

Mas afirmar que lhe trouxe paz um filho?

Na realidade, só lhe traz preocupação,

que irá durar ao longo de seu trilho,

até a pancada terminal do coração

e desarmar-se pela força desse brilho

jamais ocorre ao longo dessa união.

 

Bem ao contrário, fará o que puder

para afastar os outros do caminho

dessa cria que ama e tanto quer

ou por ciúme, há de correr do ninho

a intromissão de qualquer outra mulher,

no atrevimento de roubar-lhe seu carinho.

 

PIEROMA VII  -- 1º maio 2023

 

E trouxe paz de fato o amor a Deus?

Traz segurança, talvez, para teus medos,

mas nunca trouxe qualquer paz para os Judeus;

que é logo transformado, sem segredos,

no amor da Igreja pelos servos seus,

que os dogmas mais incríveis aceitam quedos

 

e entra logo em jogo essa ambição

de o mundo todo converter à mesma ideia,

quando o massacre vale mais que a conversão

ou pelo lado oposto da odisseia,

o impulso de subir pela ambição

os degraus da hierarquia em epopeia. 

 

Pois quantos “santos” souberam derramar

o sangue dos hereges na discórdia,

na plenitude da adoração ao seu altar,

queimando os protestantes em concórdia

por que do inferno os pudessem libertar,

no que afirmavam ser tão só misericórdia?

 

PIEROMA VIII

 

E que diremos então do pátrio amor

que tantas guerras incitou abertamente,

qual a paz que se encontra em tal pendor,

qual o desarme de tal paixão ingente,

só traz a paz da tumba sem calor,

para os maiores patriotas tão frequente...

 

e que dizer do amor pelo idealismo

de uma nobre causa, o amor ao povo,

o amor fascista, o amor do comunismo,

amor fremente por um profeta novo,

na eclosão esplendorosa do nazismo,

que pregava destruir para um renovo

 

da humanidade, em seu sonho de ferro?

Dizia Schopenhauer que o orgulho nacional,

pregado por alguém em ardente berro

só demonstrava não possuir nada, afinal

do que a vaidade de seu próprio enterro,

entre as migalhas de seu arcano ideal.

 

PIEROMA IX

 

Pois esse amor que enfim se compartilha,

com quem se inflama por igual teor,

pouco sobra afinal na própria trilha,

que deveria recobrir com mais amor,

por mais que o patriotismo se perfilha,

deixando à pátria uma herança de valor.

 

E que dizer dessa gente que ama tanto

e até se mata em razão de futebol

e se comove na plenitude desse canto

de uma torcida inflamando qual farol

aos jogadores, tal e qual cálido manto,

antecipando o orgasmo desse gol?

 

Mas que catarse seja é incontestável,

porém desarma alguém em tal pendor?

Bem ao contrário, se torna inabalável

esse entusiasmo tão avassalador,

em resultado que possa ser irreparável,

tão somente pela força desse ardor.

 

PIEROMA X

 

Voltando assim ao amor tão misterioso,

em mil facetas metamorfoseado,

só me atenho ao de todos mais formoso,

esse amor pelas coisas do passado,

a quanto pereceu, ao amor ruinoso,

pelo espírito afinal do ultrapassado

 

ou pelo amor de um futuro inalcançado,

mas que é o destino de minha humanidade,

uma só raça de teor diversificado,

à qual me apego, sem qualquer vaidade,

na plenitude de todo o seu pecado,

a que chamamos de desumanidade.

 

O amor egoísta que o mundo conquistou,

não pela força, pelo poder da mente,

que sempre algures se estabilizou

fez rebrotar a arte, com frequente

amor pelo que foi e se findou,

na plenitude de se mostrar impermanente.

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