OS MONGES DO RIBEIRO I
-- 12 NOV 17
"A água dá, a água
leva" -- já foi dito
Não se deve esperar
caiam ao colo
bens que alguém mais
plantou no próprio solo,
mas a plantar teu
próprio pão te incito.
De nada adianta aos
céus lançar um grito,
que o maná só caiu como
um consolo
na península do Sinai,
conforme o rolo
do Pentateuco (de
Moisés vetusto escrito).
Ainda hoje é possível
recolher
essas sementes pequenas
por ali,
mas não em tal
quantidade adocicada
como no Êxodo
facilmente podes ler,
mas que, por certo, no
Brasil não vi,
só no Sinai a chover
tal revoada...
OS MONGES DO RIBEIRO II
Existe a lenda de um
velho anacoreta
que encontrava em sua
macieira, diariamente,
uma só fruta madura o
suficiente
para a vida
conservar-lhe ao bem sujeita.
Esse eremita não planta
-- e ainda projeta
num ribeiro as cascas,
inconsciente,
agradecendo contudo a
Deus clemente
pelo alimento que lhe
nutre a vida quieta.
Mas começou dessas
maçãs a enjoar-se,
pedindo a Deus que lhe
desse outro maná;
saindo um dia a
passear, sem apressar-se,
até encontrar ajoelhado
outro ermitão,
que lhe explicou:
"Todo dias cascas há,
que Deus envia para a
minha refeição."
OS MONGES DO RIBEIRO
III
Não sei, de fato, qual
lição comporta
esta lenda
piedosa. As cascas a comer
como único alimento a
receber
o segundo anacoreta...
Mas por que corta
essas cascas o primeiro
e não se importa
de diminuir a nutrição
que pode ter?
Depois, quem sabe,
iriam os dois reconhecer
que deveriam plantar
pequena horta?
É bem mais fácil a água
nos levar
o bem que se juntou por
longo tempo
que nos trazer de maçãs
um engradado!
E ao invés de acender
velas, vai plantar
tuas batatas, meu
amigo, em contratempo
e não deixar um pobre
santo incomodado!
A CALÚNIA I ---
13/11/2017
"Calúnia é igual
carvão", mas sem função
que te ajude a aquecer
o alimento,
nem seu carbono escreve
um testamento:
"quando não
queima, vai te sujar a mão.
Porém calúnias formam
vasta poluição,
rápido voam nas asas do
vento,
no pavilhão da orelha
seu assento,
para do ouvido iniciar
penetração.
Especialmente quando
provêm da inveja
que medra um pouco em
cada um de nós
e facilmente se
escuta-se a feia voz,
principalmente quando a
alguém bafeja
talento ou fama ou singular
riqueza,
sua lama a enegrecer
qualquer beleza...
A CALÚNIA II
Tornou-se moda, muito
mais em nossos dias
falar mal de alguns que
são heróis,
com merecido fulgor os
seus faróis
ou superestima por
quaisquer razões vazias;
há motivos gramscianos
nessas vias, (*)
se os escutares, tua
própria história róis,
caso mordas a isca dos
anzóis
e desses falsos aceitar
demagogias,
(*) Referência a Antonio
Gramsci, teórico comunista italiano.
só destinadas à cata do
poder,
ao pobre povo buscando
convencer
que a solução vem de
seu oportunismo,
Melhor que luta armada,
é mais sutil,
por mais que traga em
si motivo vil,
quando um partido quer
impor o seu modismo.
A CALÚNIA III
Quem já escutou "O
Barbeiro de Sevilha"
conhece a ária que Don
Basílio canta,
a descrever como a
calúnia o povo encanta,
quando a Don Bártolo
aconselha a falsa trilha;
toda a calúnia da
perversidade filha,
mas que voa pelo ar e a
mente imanta
no magnetismo que sai
de sua garganta,
cresce a calúnia sem
parar milha após milha,
como o milho plantado
faz-se espiga;
mas não se comem esses
grãos de inveja:
"a brisa mansa se
transforma em explosão".
Não que o teor de tal
ária o povo siga,
mas faz brigar os
casais quando se enseja,
"tão violenta como
um tiro de canhão!"
A HONRA I -- 14/11/2017
"A honra é como o
vidro, o qual quebrado
não solda mais",
com a melhor das colas;
restauradores recompõem
do fundo às golas
cratera e ânfora
antigas do passado.
Mas as emendas ali
estão no restaurado,
maior cuidado que se
tenha ao pô-las;
muito mais fácil
escutar críticas tolas
de um visitante que ali
passe apressado,
por mais que a obra
veneração mereça,
mais essa técnica que
lhe renova os anos,
percebe então a maioria
só os danos;
e quantos há que o
desrespeito cresça
não sua vetusta aura de
valor,
recuperada tendo sido
com lavor,
A HONRA II
A honra é mais que o
pano da vidraça;
depois de ser rachado,
do caixilho
é retirado; e trocado
como o atilho,
enferrujado pelo tempo
que se passa;
um novo vidro fácil
compra-se na praça,
que deixe a luz passar em pleno brilho;
parte do velho por
diamante ao trilho,
sirva talvez a novo uso
que se faça.
Contudo a honra não se
pode reparar,
nem fragmento que dela
se recorte
para um menor espaço
que a comporte;
depois da honra de
alguém se estilhaçar,
juntam-se os cacos que
tenham maior porte,
qual de um espelho que
se quer guardar.
A HONRA III
Mas fragmentos
novamente rejuntados
as imagens só refletem
aos pedaços,
nenhuma delas a mostrar
todos os traços,
rostos refletem tristes
ou zangados,
uns aos outros tão só
mal encaixados,
ao desonrado quem ama
dando abraços,
sempre tristeza nos
seus olhos baços,
lustro ou prestígio
jamais recuperados.
Muito difícil se
encontrar um general,
que de covarde certa
vez foi acusado,
que seu comando venha a
recuperar
e nas batalhas
seguintes triunfar,
a honra recobrada de
que foi privado
e ver sua fama
novamente rebrilhar...
A VOZ DO POVO I --
15/11/2017
"A voz do povo é a
voz de Deus" -- que coisa tola!
Quando o povo qualquer
modismo seguiria,
qualquer mentira a
propalar demagogia,
sem às vozes da razão
sequer dar bola!
Como um "trenzinho
da alegria" é a cola:
com as mãos nos ombros
de outrem seguiria,
na sua cintura alguém
mais seguraria,
os pés movendo em
centopéia mola!...
Fica difícil só se
olhar de lado,
sem pela gente
conseguir ser respeitado;
quem contraria, a fama
tem de louco
e ainda afirmam que a
voz da maioria
representa, em seu
total, democracia,
do discordante abafando
o grito rouco!
A VOZ DO POVO II
Serão os membros do
rebanho facilmente
iludidos, que é mais
fácil se aceitar
que contra o erro ou o
mal se rebelar...
Como é difícil
contrariar cada parente
ou cada conhecido nesta
enchente
de em um certo político
votar,
sem o dano que provoque
calcular:
marcha o primeiro e
após ele, toda a gente,
tal como a ovelha se
dispõe a pisotear
exatamente no ponto já
escolhido
pelo primeiro, quer
santo, quer bandido,
até que alguém consiga
algo mudar,
passando todos a pisar
nesse lugar,
o ponto antigo sendo
mesmo proibido...
A VOZ DO POVO III
El Hombre Mediocre -- há muitos anos escreveu
José Ingenieros, sendo
uma de suas marcas
suas próprias opiniões
bastante parcas,
só a orientar-se pelo
que outrem escreveu,
os ditados a repetir,
igual sandeu,
sabedoria buscando
nessas barcas,
a voz de Deus navegando
nessas arcas,
sem pensamento sequer
que seja seu!...
Justificando ao afirmar
que vê fumaça,
portanto nessa frase há
de ter fogo,
muito mais fácil se
fingir ingenuidade
que um raciocínio que
pela mente passa,
tão somente a seguir
regras do jogo
que demonstrar em seus
atos liberdade...
ANTES SONHAVA... I --
16/11/2017
"Antes sonhava,
hoje não durmo" -- a ironia
pretende aqui
demonstrar uma lição:
que todo o sonho não
passa de ilusão,
vindo o futuro, nos
prejudicaria...
Quem se deixou
transportar por fantasia
não se pode garantir
sustentação;
não trabalhou para a
própria proteção,
mas limitou-se a
imaginar quanto queria.
Já transcorrido o tempo
desse sonho,
nada chegou de concreto
a construir
e já não dorme, só por
preocupação,
castigo certo de seu
agir bisonho,
tranquilidade no futuro
a lhe fugir,
perdida a chance que
tivera em ocasião.
ANTES SONHAVA... II
Mas quem pode viver sem
o sonhar?
Se assim não fôra, por
que o nosso sono
é entremeado por sonhos
em abono,
a mente solta e posta a
descansar...
É o devaneio que se
está a condenar?
Mas quanta vez da
modorra no abandono
brilhante ideia não nos
mostrou o trono
de um futuro brilhante
a se alcançar?
Talvez mencionem
sonhar-se acordado
ao invés de ativamente
trabalhar,
tudo encarando em sua
forma material.
Mas um labor
interrompido e reiniciado
após o inconsciente
posto a funcionar
nos leva ao alvo de
maneira natural.
ANTES SONHAVA... III
Os nossos sonhos são
gentis amigos,
muito embora não nos
devam controlar,
mas encarados em seu
desenrolar,
advertência a nos dar
para os perigos.
Jamais são sonhos
nossos inimigos,
mas sem qualquer
totalmente desprezar,
tampouco devem nos
desapontar:
por certo tempo nos
deram seus abrigos...
A maior parte dos meus
não realizei,
mas continuo o sonho a
acalentar:
mortos não sonham em
suas sepulturas.
O destino que tomaram
eu não sei,
mas esgotou-se seu
período de sonhar,
pois só a vida nos traz
juras e perjuras...
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