A
SOBRA DO SORRISO 1 – 12 MARÇO 23
(Raquel Welch, Hollywood Anos 70/90)
Só
imagino quem a fita nos seus olhos,
Depois
que de mim para longe se afastou.
Será
que importa quem hoje ela
abraçou
Ou
quem possa ter acesso a seus refolhos?
Quais
memórias se inscrevem em seus fólios
E eventualmente será que
ainda recordou
E
amando outrem então em mim pensou,
Olhos
fechados como um par de antolhos?
Ou
será que pura e simplesmente descartou
Cada
momento que tivemos em comum
E
apenas vive o presente que a tomou?
Será
que importa o que lhe perpassou
Pela
mente entre os braços de nenhum
A
quem de fato nunca se apegou?
A SOBRA DO SORRISO 2
Só imagino se ao fitar alguém
Nessas pupilas pode se perder
Ou não achou lugar em que esconder
Sua própria alma ausente de algum bem?
Que olhos alheios eu fitarei também,
Sem a minhalma deixar neles escorrer,
Somente o corpo no vácuo do viver,
Enquanto a mente pisará no mais além.
A cada um a vivência do momento:
Se não conservo em voto a castidade,
Por que razão deveria ela a conservar?
Meu coração desvairado e desatento,
Escravizado à biológica vontade,
Por desfastio bem mais que por desejo...
A SOBRA DO SORRISO 3
Até que ponto esta presente parceria
Consegue nos meus olhos avistar
Esse anaseio de me achar noutro lugar,
Com esse antigo amor que preferia?
Até que ponto minha vista poderia
No fundo de seus olhos se afogar,
Se nem ao menos ali possa mergulhar,
Enquanto a boca somente beijaria?
Se algo existe permanente é a solidão
E a busca fútil por outra companhia
Quando de nós foi levado o coração,
Sem ser possível qualquer transmigração
Dessa alma antiga que tanto se queria,
Mas que de nós se apartou sem compaixão?
A
SOBRA DA MEMÓRIA 1 – 13 MARÇO 2023
O
tempo em que eu existo não é o teu.
Se
existe algo realmente relativo
É
a duração dos dias em que vivo
E
esse período que para ti só ocorreu.
Tudo
depende do que te sucedeu,
Se
a data te foi dura ou permissiva,
Qual
a extensão de tua expectativa,
De
um longo tédio em que o dia se perderu.
Por
isso é tão difícil combinar
O
que um lembra e o que a outra recorda,
Os
sentimentos não se chegam a mesclar,
Cada
emoção tudo a relativizar
A
hora curta ou longa que se aborda
E
mesmo o amor que se possa relembrar.
A SOBRA DA MEMÓRIA 2
Assim a hora de amor que partilhamos
Foi breve ou longa no auge do prazer?
Foi nesse instante o tempo se encolher
Ou ao contrário estendeu-se sem reclamos?
Por mais perfeito o amor que combinamos,
Qual a fatia que tomou do teu viver,
Qual o período que gozou teu bem-querer,
Qual foi teu tempo em que nos abraçamos?
Nunca é o tempo do relógio que se conta,
Mas esse tempo interior que te domina
Que até as batidas do coração reponta
E nem sequer o mede os batimentos,
Quando a carne de outrem nos fascina
E nos deixamos arrastar sem julgamentos.
A SOBRA DA MEMÓRIA 3
Assim por mais que estiveste do meu lado,
Não o partilhamos em idêntica noção,
Diverso o ritmo de cada exalação,
Cada pulmão a vibrar descompassado.
E se mesmo para teu cérebro isolado
Dias há que correm sem interrupção
E outros cortados por lapsos de ocasião
Quando teu tempo passou descontrolado.
Só de repente é que notas que passou,
Sem perceberes como transcorreu
Ou mesmo em que sentido deslizou,
Hora após hora em que o tempo se afastou,
Como pode ser teu tempo igual ao meu
Ou quanto meu amor igual ao teu durou?
A SOBRA DO ESFORÇO 1 – 14 MAR 23
A vida vem nos tocaiar aos poucos,
Nunca se espera qual seja a
emboscada,
A corda do arco quando foi estirada
E despedida com seus zunidos roucos.
Melhor fazer ao som ouvidos moucos
Do que ansiar por onde se acha
armada
A próxima armadilha preparada,
Em pensamentos que nos deixam
loucos.
A própria Bíblia nos dá a prevenção:
“Quando disserem paz e segurança,”
Pondo de lado seu carcaz e a lança,
“Lhes sobrevirá repentina
destruição.”
Melhor portanto pôr de lado o
desatino
De tolamente adivinhar nosso
destino.
A SOBRA DO ESFORÇO 2
Dizem que os homens do porvir suspeitam,
Tal qual os espreitasse qualquer mal,
Sempre possível qualquer agressão fatal,
Mas dão de ombros e sem temor se ajeitam,
Mas que as mulheres que seus filhos aleitam
Certeza guardam dessa arapuca ocasional,
A espiar-lhes da rua ou em seu quintal
E a tal certeza vil já se sujeitam,
Já preparadas para o quanto enfrentar
Com as armas que trazem no inconsciente,
Sem serem presas da tocaia na surpresa.
Mas é melhor assim se preparar
E mil vezes suportar fado inclemente
Para o qual sabem não possuir real defesa?
A SOBRA DO ESFORÇO 3
É bom saber que algum mal nos chegará,
Sempre haverá pelo menos resfriado,
Ou que na rua se tenha escorregado
Ou que a tristeza nos enfim atingirá,
Que quando a vida mais se estenderá,
Nosso organismo sendo aos poucos abalado
Quando a velhice se assentará ao nosso lado,
Com os vinte achaques que nos ofertará.
Porém por que vivermos de antemão
O que é possível que nos vá afrontar
E andar assim à espera do irreal?
Melhor é termos de nós mesmo compaixão,
Que tal temor não nos venha maltratar,
Em cada dia só o fantasma de seu mal.
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