domingo, 26 de março de 2023



 

 

O DEUS DA CLEPSIDRA I – 15 MAR 23

(Angela Bassett, atriz de séries)

 

“Fica comigo só mais cinco minutos”,

quem te revela o que o amanhã trará

ou sequer que um tal dia chegará

a contemplar-te com seus olhos astutos?

Quem te revela quais sejam os condutos

por onde o tempo te dirigirá

e assim sua serva obediente te fará,

através de teus sucessos e teus lutos?

 

Pois hoje estás aqui entre meus braços,

mas onde os dois estaremos amanhã?

Se nem sequer se sabe viveremos...

Se o deus do tempo enigmático em seus traços,

Olhos safira e comissuras de romã

Nos guardará ou ao invés pereceremos?

 

O DEUS DA CLEPSIDRA 2

 

Cinco minutos serão igual à eternidade

ou ao contrário passarão num só segundo?

Existe o tempo em palpitar fecundo

ou se resume a um átimo em verdade?

Que em todo tempo está a relatividade,

meus cinco minutos um sussurrar jocundo,

os teus minutos de conflito mais profundo,

será que duram com igual intensidade?

 

Bem preferia que desta hora fugitiva

pudéssemos em plenitude desfrutar,

em hora mística poder-nos abraçar,

sem que se torne ainda mais furtiva

e apenas nos pretenda controlar

em cada ponto de sua vista esquiva

 

O DEUS DA CLEPSIDRA 3

 

Mas quem te diz não seja fantasia

este conceito com que te busco conservar?

Afinal já é de crença milenar

que existe o tempo no gnômon que se via,

O Sol apenas a manter-nos em harmonia,

sem de fato conosco se importar:

do mesmo modo que nos leva a despertar,

para o desgaste final transportaria.

 

Destarte, qual diziam os antigos,

aproveita cada momento singular

e nos meus braços permanece a descansar,

tão inconcebíveis os seus dotes ambíguos,

no Carpe Diem com que vem-nos requeimar,

qual sacrifício sobre seu próprio altar.

 

O RELÓGIO DE SOL 1 – 16 MAR 2023

 

De ti mesma nunca podes escapar,

sempre contida na massa corporal,

que certamente te protege o cerebral,

mas que tua mente quer nele aprisionar.

Má solução é pretender se suicidar,

a carne apenas sofrendo o seu final,

porém tua alma encontrará o fanal,

ou simplesmente fica presa em tal lugar?

 

É até possível que o Sol seja divino,

mas não um deus de bem-fazer e amor,

talvez só exija de ti sobrevivência,

em seu domínio quando se acha a pino,

tua umidade absorvendo em seu calor,

pleno senhor de tua subserviência.

 

O RELÓGIO DE SOL 2

 

Quem sabe o deus divino, o tal Amon,

criou-te apenas para teu próprio benefício

e de algum modo aproveita o teu bulício,

pela tua vida a cobrar seu próprio dom

e o faraó que adorou somente Aton,

aos demais deuses atribuindo malefício,

a divindade afrontou em pleno vício,

sem reconhecer em seus raios nada bom?

 

Verdade é que o sol do antigo Egito

era mais forte que o de hoje é exigente,

mas as pessoas ainda buscam se bronzear,

em cada praia, por mais seja maldito

esse câncer de pele e o mais premente

câncer de mama que à morte irá levar.

 

O RELÓGIO DE SOL 3

 

Mas se fores do Sol serva obediente

irás viver cada instante que te dá,

até a velhice em que te massacrará,

se doença não te sobrevier ou acidente.

E neste caso tal deus seria complacente

ou de algum modo te castigará,

por recusares a extensão que te dará

e te furtares a obedecer subserviente?

 

Um certo dia, esperamos no futuro,

virá o Sol ampliar-se em explosão,

cada um dos que gerou a consumir;

será só então o teu final mais puro,

só de ti mesma terás assim libertação,

nessa fornalha de seu máximo sorrir.

 

ESCOLHA SIMPLES 1 – 17 MARÇO 23

 

Jamais no antanho me passou pela cabeça

que meu destino tal seria como hoje é,

que meus planos se quebrassem e que até

os seus efeitos inteiramente desconheça.

Hoje só posso esperar que me aconteça

o estranho e o inesperado.  Tenho fé

de que toda fé é inútil.  Apenas tenho sé

no coração de que todo o plano cessa.

 

Pois tanta vez, ao longo de minha vida

meus planos fiz tão cuidadosamente,

quando previ toda alternativa que podia,

mas foram todos levados de vencida,

por qualquer emergência mais premente,

sem dar o mínimo para a mágoa que sentia.

 

ESCOLHA SIMPLES 2

Mas não descreio de livre-arbítrio ter,

o problema foram minhas tolas decisões

e as consequências de tantas paixões

que a cada plano vieram desfazer,

pois meu destino eu mesmo fui fazer,

a cada escolha com suas conotações,

novos caminhos em diversas direções

do que teriam caso outro fosse o escolher.

 

Não me cabe protestar contra o destino,

visto que foi inteiramente de minha escolha,

seria bem outro se escolhera diferente,

das probabilidades o total refino:

as mil eclusas que entupi com rolha,

não mais se abriram de forma permanente.

 

ESCOLHA SIMPLES 3

 

Somente eu mesmo fui por tudo responsável

e a mais ninguém jamais posso culpar,

mesmo que viessem a me prejudicar,

fui eu mesmo a tornar-me vulnerável.

Que não se diga que a genética é indomável

e nossas escolhas venha assim determinar,

nem que o ambiente nos possa dominar,

sempre é possível enfrentar o imponderável.

 

Que há muitos anos afirmei ser impossível

que hoje pudesse minha vida dedicar

e à poesia tantas horas dar guarida:

“Não fui poeta, não sou e é inconcebível

que em poeta jamais possa me tonar!”

Porém Dionyso enfim tomou-me de vencida!

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