O PRÍNCIPE CEGO VII – 19 ABR
2022
(Beograd = Vista de Belgrado)
“Mas de que modo poderemos
resolver?”
“É coisa simples. Vamos perguntar
ao primeiro viajante que nos
aparecer,
se por acaso ele acredita na
Justiça...”
Milovan concordou, sem perceber
em que armadilha estava a se
enfiar.
Um camponês maltrapilho foram
ver,
que respondeu: “A melhor coisa é
a Injustiça!”
“Mas por
que afirmas uma coisa assim?
Não
podes, de fato, nisso acreditar!...”
“Pode
não ser melhor, mas é a maior,
se assim
não fosse, eu não seria tão pobre!
Trabalho
de sol a sol. Do mês ao fim,
quase
tudo que produzo tenho de entregar
no
aluguel de minha choupana e o que é pior,
em
impostos para esse rei tão dobre!...”
“Sim, meus senhores, dependo da
Injustiça,
sempre vivi assim e vou morrer,
sem nunca conseguir nada na vida
e ainda meus filhos terão igual destino.
Nunca me deixei dominar pela preguiça,
mas muitas noites nem tenho o que comer
e quando os esbirros me convocam para a
lida
em suas corvéias, quase morro em
desatino!” (*)
(*) Trabalho obrigatório só pela
alimentação.
Milovan
ficou bem desapontado,
mas
entregou as cem moedas ao irmão.
“Achou
injusto? Vamos repetir a aposta,
outro
passante deverá ser consultado!”
“Não
sei, irmão, vou ficar desamparado,
de mais
dinheiro não posso agora abrir a mão!”
“Achas
que o novo resultado te desgosta?
Vamos
lá, teu capital podes ser recuperado!”
Repetida então a aposta, logo acharam
um homem perneta, trajando resto de
uniforme.
“Qual das duas é melhor, será a
Justiça?”
“Mas onde se encontra tal coisa nesta
vida?
As batalhas do reino me depauperaram,
uma perna perdi, fiquei disforme,
nem ganho soldo! Sem dúvida a
Injustiça
é a melhor, pois não pode ser vencida!”
O PRÍNCIPE CEGO VIII – 20 ABR
2022
O infeliz se afastou,
manquitolando,
um galho torto de muleta lhe
servia
e Milovan pagou a segunda
aposta.
“Agora chega, mas não me acho
convencido.”
“Por que? Pensas ainda estar achando
alguém que a tua Justiça
preferia?”
“Não é assim. A vida é que os desgosta,
não que a real resposta tenhas
recebido!”
“Pois
faremos assim. Por cem moedas,
eu
aposto as duzentas que ganhei
e mais
as cem apostadas no começo.
Não
somente, tudo poderás recuperar,
porém
recebes bem mais do que me cedas.”
“Se
perder, destituído me acharei...”
“Aposta
mais uma vez, é só o que peço,
não
acreditas poder ainda ganhar...?”
“Mas não vamos indagar de qualquer um!
De preferência a alguém que teve sorte,
um comerciante responderá bem
diferente...”
“Se assim achas, vamos a aposta concluir...”
Feito o trato, o espantoso foi que algum
almocreve aparecesse, de bom porte,
bem vestido, de três mulas à frente,
que a opinião oposta talvez fosse
emitir...
“Este te
serve?” – Goyko perguntou.
“Senhor
almocreve, poderá nos responder
o que é melhor,
a Justiça ou a Injustiça?”
“Cavalheiros,
só sei qual é a maior,
essa
Injustiça que há pouco me assolou...”
“Como
assim? Próspero é o seu parecer...”
“Até há
pouco, eu votaria na Justiça,
fiz bons
negócios, tudo tenho de melhor...”
“Mas descobri que sofro de doença,
que irá me levar dentro de um mês!
De que me serve todo o meu dinheiro,
as minhas relações, minha boa casa
ou a esposa, que não me faz qualquer
ofensa?”
Meus filhos gastarão o que meu trabalho
fez,
jogarão fora meu centavo derradeiro:
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