NO
DELÍRIO DA LEMBRANÇA I – 28 FEV 2023
(Judith Anderson e Elizabeth Taylor)
Quando
a lembrança se encolhe pelo chão,
Sem
ter certeza de se tornar saudade,
Na
poeira e pó de sua infelicidade,
Sem
ter desejo de volver ao coração;
Quando
a lembrança desbotada da paixão,
Tal
como roupa é descartada sem piedade,
Não
recolhida depois da saciedade,
Sem
ter vontade de refazer-se em ilusão,
Quando
a lembrança encolhe-se faminta,
Só
a mastigar de si mesma fragmentos,
Sem
ter inveja de qualquer raio de luar,
Quando
a lembrança para si apenas minta,
Que
ainda coma alguns retalhos de lamentos,
E
tranquila se esvai no mais meigo desvairar.
NO
DELÍRIO DA LEMBRANÇA II
Toda
lembrança vive do seu desvanecer,
Tocaiada
pelos impulsos do presente,
Sepultada
por assaltos do inclemente,
A
cada segundo algo de si perder,
Por
mais que busque o seu permanecer,
Sob
as agulhas do perfurar silente,
Da
luz, do som, do toque impertinente,
Esfarrapada
em seu atroz sobreviver,
Pois
tanto busca enfim se recompor
Quantos
furos terá de preencher,
Mas
o que dela se olvidou, já foi embora.
E
assim preenche com farpas sem valor
Desse
presente o que pôde recolher
E
o que persiste é só lembrança de outra hora.
NO
DELÍRIO DA LEMBRANÇA III
Assim
recordo de que te foste embora,
Mas
tal memória é toda pintalgada,
Passam
os anos, faz-se um quase nada,
Só
o arcabouço quedou-se em tal demora
E
se a lembrança percebe nessa hora
Que
será em breve totalmente deformada,
Talvez
até anseie por ser volatilizada,
Ao
invés dessa figura que descora
Inteira
quase do lembrar que foi um dia,
Melhor
tornar-se em mofo ou ser roída,
Destarte
inteiramente destruída
Que
em hipocrisia de total falsificação
Daquele
instante que ainda sabe que vivia,
Porém
do qual mais nada em si persistiria.
NO
DELIRIO DA INCONSTÂNCIA I – 1º MAR 2023
Não
saberia até que ponto te recordas
Do
amor que inteira te possuiu um dia,
Cuja
lembrança a pouco e pouco desistia
De
tanger suas puídas, gastas cordas.
Não
sei até que ponto te remordas
Por
não poder recordar-lhe a melodia,
Quando
são outras as canções que te gemia
O
teu presente a assoviar sobre tuas bordas;
Para
ti existiram tipos vários desse amor,
Um
foi recíproco e até recompensado,
Mas
no abandono involuntário foi deixado,
A
pouco e pouco descorando o seu valor,
Teu
pobre amor, que não chegou a morrer,
Mas
que tampouco consegue mais viver.
NO
DELIRIO DA INCONSTÂNCIA II
Ou
então, foi um amor insatisfeito,
Sem
encontrar qualquer correspondência,
Que
de algum modo conservou a potência,
Dentro
de teu coração, sem ter defeito,
Esse
amor que parecia sem direito,
Por
outrem desprezado em impaciência,
Porém
que assumiste em impenitência,
A
preencher cada escaninho do teu peito.
Ou
quem sabe, um amor bem mais gentil,
Retribuído,
mas sem qualquer paixão,
Que
de repente se demonstrou vazio,
Mas
ao qual te apegaste em dom sutil,
Instalado
em cada alvéolo do pulmão,
Porém
desfeito a cada expiração.
NO
DELIRIO DA INCONSTÂNCIA III
Qualquer
que fosse, te recordas que existiu,
Sempre
um amor, quer eivado de emoção,
Quer
desbotado, menor do que ilusão,
Pequena
luz solitária em morto cio,
Que
não chegou a ser jamais um desvario,
Tão
só carinho invocando a devoção,
Um
par ao outro a dar satisfação,
Amor
estéril ou que filhos produziu,
Porém
ao recordar-lhe a existência,
Será
que o podes realmente reviver
Ou
é acendalha apenas na lembrança,
Só
cor de brasa, um sopro de impotência,
Meio
sorriso, certa tristeza, uma bonança,
Sinais
perdidos do que pudeste um dia ter...
NO
DELÍRIO DA DISTÂNCIA I – 2 MAR 23
É
difícil realizar que o sol ardente
Que
erguida a face consegues contemplar
Não
é o Sol que agora está a brilhar,
É
o Sol passado que ainda dança no presente,
Nessa
distância por demais interveniente,
Oito
minutos de um antanho a revelar,
Talvez
sua luz nem se possa mais fitar,
Talvez
extinta esteja agora totalmente
Ou
quem sabe se o Sol não se expandiu
Em
supernova e de nada te avisou?
Qualquer
satélite já inteiramente consumiu
E
sua mensagem até hoje não chegou,
Desse
Sol que te criou e te nutriu
E
em breve tempo teu rosto ja cremou?
NO
DELÍRIO DA DISTÂNCIA II
Se
for assim, pranteio certamente,
Não
por esse artefato temporal,
Mas
por Mercúrio, nosso gêmeo sideral
E
ainda por Vênus em sua pira ardente,
Nenhum
dos dois a te avisar, infelizmente,
De
que o Sol explodiria em seu fanal,
Algum
calor ou radiação fatal
Talvez
chegando qual arauto ineficiente,
Cuja
mensagem de nada adiantaria,
Que
nenhum bunker proteção concederia,
Nem
tempo haveria para alguém ali descer,
Que
o orbe inteiro logo se derreteria,
Sem
sequer te dar o tempo de morrer
Ou
coisa alguma lamentar do teu viver.
NO
DELÍRIO DA DISTÂNCIA III
Sempre
é melhor se pensar no Sol gentil,
Cujo
fragor só te alcança com retardo,
Cujo
calor se expande além e ao largo,
Concêntrico
o círculo de sua flama juvenil;
Que
permaneça assim forte e senhoril,
Esse
Sol de teu passado em puro dardo,
Cuja
extinção não te trará um fim amargo
Ou
qualquer tempo de protesto mais viril,
Esse
clarão que de nós não se condói
E
que indiferente pelo cosmos nos conduz,
Por
longo braço da Via Láctea incontida?
Mas
que importa, afinal, se sempre foi
Esse
retardo que sobre nós reluz
E
presidiu-nos ao eclodir da vida?
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