A
SOMBRA DO SORRISO I – 9 MARÇO 2023
(Jane Wyman, época de ouro de Hollywood)
Pelo
riacho passavas diariamente
e
somente a tua sombra refletiam
as
meigas águas que ali tremeluziam,
girando
em círculos ao teu passar frequente.
Poder-se-ia
pensar, bem claramente
que
os reflexos sobre ti se intrometiam,
ou até
para aspirar-te se ergueriam,
em
sua malícia ou tão só brejeiramente.
Mas
nem isso o astro-rei lhe permitia,
tão
só uma sombra opaca é que cruzava,
sem
que nada ofendesse o teu recato.
Então
sorrias, após a travessia
e o Sol
te via, mas apenas desfrutava
de
teu sorriso refletido no regato.
A
SOMBRA DO SORRISO II
Por
mim também passavas com frequência,
se
bem que o não fizesses diariamente;
de
fato, era tua sombra tão somente
que
em mim se refletia sem consciência.
Era
o Sol que interrompia com potência
esse
teu corpo que aquecia brandamente,
mas
dele tinha a posse inteiramente
e
para mim só dava a sombra sem ardência.
Contudo
o Sol mal e mal te acariciava,
fossem
tuas costas, fosse teu sorriso,
enquanto
eu a inteira sombra entesourava.
Tantas
mulheres o Sol assim beijava,
somente
a sombra a deixar-me como aviso,
mas
ter tua sombra para mim bastava.
A
SOMBRA DO SORRISO III
Eu
não buscava olhar sombra qualquer,
salvo
tua sombra pelo Sol entretecida
que
em meu rosto queria dar guarida,
sem
procurar outra sombra de mulher.
Sobre
o riacho sem se guardar sequer
essa
tua sombra em dez círculos perdida,
quanto
mais longe, mais desvanecida,
feita
a passagem, nem teu sorriso quer.
Mas
eu a quero, por mais que raramente
me
torne o espelho de teu pálido sorriso,
não
tenho círculos concêntricos no olhar.
E
cada passada tua integralmente
guardo
no fundo das pupilas e no siso,
sem
ter mais do que tua sombra a conservar.
A SOMBRA DA MEMÓRIA I – 10 MARÇO 2023
Nesses poemas em que falo de memória
não me refiro às questões do dia a dia,
nem ponho em dúvida que nadar se aprenderia
por repetições de contínua série inglória,
repetidas em compilação peremptória,
que provocam a aquisição de uma praxia,
que adquirida já não mais se perderia
e assim ocorre sua minúscula vitória.
Mas existem fases nesse aprendizado
que coincidem com a seta da magia,
por mais que sejam tão somente naturais
e não se percam totalmente no passado,
mas que teu corpo cada qual conservaria,
nesse silêncio dos processos habituais.
A SOMBRA DA MEMÓRIA II
Inicialmente, para a aprendizagem,
deve haver clara uma diferenciação
do protocolo de uma estimulação
que específica identifique sua passagem;
assim que surge um estímulo da passagem,
que necessita conservar conotação,
com um estímulo neutro para comparação,
que se reflitam tal qual mútua mensagem.
Até que a mente possa enfim identificar
que tal estímulo não é aleatório,
mas identificado em forma de padrão;
ambos se mesclam e se pode recordar
pelo sinal de coincidência mais notório,
qual a importância de sua conservação.
A SOMBRA DA MEMÓRIA III
Mas tal estímulo repetido e conservado
vai depender da formação de um mecanismo
no espaço cerebral qual um modismo
que ao conhecimento dê por ativado
e é necesário que seja ainda preservado
seu relacionamento significado com logismo,
de tal modo que da impressão o realismo
se torne a marca desse estímulo gravado.
O resultado do processo é uma ideia
a refletir-se em uma praxia permanente,
como resposta assim condicionada;
a informação em um registro que se creia
e ao que se apele de forma consistente,
sempre que sua prática venha a ser buscada.
A SOMBRA DA MEMÓRIA IV
Só desta forma se estabelece a ordem
a partir dos mil estímulos constantes
que nos emboscam a todos os instantes,
no que parece aleatório em sua desordem;
seus resultados permanentes, que se abordem,
sempre que as ações se mostrem interessantes,
sem cobrar esforços mais significantes,
ali as habilidades estão que nos acodem.
Mas bem diversas as lembranças de uma vida,
bem mais complexas que andar de bicicleta,
constantemente a ser modificadas,
cada memória uma lembrança constrangida
enriquecidas ou ao contrário lastimadas,
pelas lembranças com que a vida se completa.
A SOMBRA DO ESFORÇO I – 11 MARÇO 2023
Já percebi que algo se acha errado
bem lá fundo, que ajo diferente
de minha contumaz paciência ambiente,
sem querer mais me curvar ao duro fado.
O fato é que hoje nada facilmente
consigo realizar e tal pecado
tão raramente atingiu-me no passado
que se rebela dentro em mim o indiferente.
Assim eu me revolto, simplesmente
contra essas coisas que me custam tanto,
apesar de meu trabalho e meu ardor
e quando chegam, já exigiram realmente
tanto mais do que o desgaste de meu pranto,
que para mim já perderam seu valor.
A SOMBRA DO ESFORÇO II
Não é bem que esteja errado.
De repente
me parece estar preso num remanso:
muito mais que anteriormente hoje me canso,
não corre a pena assaz fluentemente,
tal e qual se Dionyso indiferente
se tivesse tornado e o habitual lanço
musgo encontrasse e se perdesse em ranço,
sem que meus versos inspirasse assim frequente.
Ou são os temas que me chamam a atenção,
muito mais sérios e intelectuais,
para de Apollo pedir mais a orientação,
sem que esse verso discorra facilmente
e exija rimas bem menos naturais,
a me fazer ponderar constantemente.
A SOMBRA DO ESFORÇO III
Os resultados sempre às regras correspondem
perfeitamente, métrica, ritmo e cesura,
algumas rimas de aquisição mais dura,
que nos recônditos da mente ainda se escondem
e que minhas redes neurais destarte sondem
e a catacrese permanente ali perdura,
sem versos simples de cadência pura,
que mais filosofia que emoção transpondem.
Talvez mesmo tenha escrito já demais,
que meus poetas mortos se cansaram
e quanto tinham já comigo partilharam,
mais pensamentos a
assoprar intelectuais,
que só um talento limitado me deixaram
meus prisioneiros, após que as celas arrombaram.
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