EM PLENA PRESUNÇÃO I – 3 MARÇO 2023
(Gwendolyn Christie)
Abri o peito e arranquei meu coração,
para lançá-lo ao chão, entre as raízes,
que assim vingasse no solo que tu pises
e então crescesse, qual arbusto de ilusão;
sentia ainda bem firme a pulsação
entre meus dedos, suas cores em deslizes,
o sangue a esguichar entre suas crises,
em despedida sobre a palma de minha mão.
Meu peito se fechou sem mais paixão
e o cérebro passou a impulsionar,
por veias e artérias minha inteira vida.
Mas do solo lançou-se ele à imensidão,
sombra de amor a quantos alcançar,
já que em meu seio não encontra mais guarida.
EM PLENA PRESUNÇÃO II
Meu coração mostrou flores
encarnadas,
bem protegidas por mil folhas
vermelhas;
ao contemplá-las, em teu olhar
espelhas
essas artérias em caulas
transformadas;
do coração as raízes apressadas
foram-se ao lado a te mirar de
esguelhas
e então brotaram quais rubras
sobrancelhas,
intimoratas de serem
pisoteadas.
Pois cada vez que a ponta desse
amor
for esmagada por qualquer passo
casual,
vai recobrar-se com a linfa de
meu peito.
E irá recrescer com o máximo
vigor,
fazer-se em tronco num ato
senhorial,
mas sobre a cama sem coração me
deito.
EM PLENA PRESUNÇÃO III
Mas o que faz meu corpo
funcionar
é essa força que vem do
ocipital,
meu cérebro a descer em dom
cardial,
para no vácuo do peito me
brotar,
não mais o emocional a
governar,
mas expandido além do bem e
mal,
raiz de amor tão só
intelectual,
com veias negras dos dedos a
jorrar.
E pelas unhas mil mudas vão
brotar,
quantas as linhas de meu fervor
secreto,
a difundir-se nas fímbrias de
um soneto,
iguais a esporos porejando pelo
ar,
em busca ansiosa onde se
enraizar,
onde quer que lidos sejam com
afeto.
EM ÁGUAS SOLARES I – 4 MARÇO 2023
0 Sol me banha em seus feixes de luz,
cada centímetro do corpo me recobre,
quer eu descanse ou qualquer coisa obre,
o Sol me envolve com seus raios nus
e se projeta ao longo das janelas,
qual serpente luminosa e implacável,
pura réstia de ardor imponderável,
a se expandir em centelhas e sequelas.
Muito embora o Sol me envolva totalmente,
no instante em que nele fecho os dedos,
torna-se em sombra a que ninguém alcança.
Destarte é o amor que banha toda a gente,
por toda parte escorre sem segredos,
mas ao ser preso, transforma-se em esperança.
EM ÁGUAS SOLARES II
A luz do sol é essa amante
caprichosa,
que te envolve com promessas de
carinho,
sobre ti a se espraiar como
azevinho,
mas sem mostrar-se toda plena e
portentosa,
sem dúvida a loura amante mais
formosa,
aonde quer que eu vá se acha
pertinho,
mas a cada noite me abandona no
caminho,
quanto mais eu a desejara
dadivosa.
Sua substituta essa meiga luz
prateada,
que por igual me parece
acariciar,
mas sem sequer a pele me
aquecer.
A luz do Sol fico a buscar sem
achar nada,
só essa suspeita de que está a
me espiar,
qual se troçasse de meu tolo
padecer.
EM ÁGUAS SOLARES III
Na verdade, a amante humana
mais gentil
pode apenas ser nos braços
estreitada,
jamais nas palmas das mãos ser
condensada,
vira saudade em meigo escuro
feminil,
das linhas egoísticas da mão
foge varonil,
sequer por unhas e garras
apanhada,
aceita apenas ser por bem
acariciada,
mas sem entregar-se a um
coração viril.
E igual o próprio amor é como o
Sol,
que nos envolve a alma
integralmente,
mas sem poder ser por ela
amarfanhado.
Por entre os dedos talvez
mostre seu farol
e então se apague num sorriso
complacente,
pela sua dança perpétua controlado.
NA ESPERA DA ESPERANÇA I – 5 MAR 2023
Por ti espero desde priscas eras,
até te ver, Esperança emurchecida,
seca no pé, vergada, envelhecida,
nessa ilusão faminta das quimeras.
Por ti espero desde quando as feras
dominavam a terra mal-nascida,
toda a paisagem de sangue revestida,
das presas e das garras forças meras.
Por ti espero, sem que te reencontrasse,
tua presença pressenti em mil olhares,
quiçá escondida sob pálpebras te achasse,
mas nem nos ventres te achei nem nos lugares
em que a meus amores vagos me elançasse,
dentro da alma ainda esperando até chegares.
NA ESPERA DA ESPERANÇA II
Mas Esperança por mim nunca
esperou:
dança ao redor de mim, tão
caprichosa
quanto a donzela ou amante mais
formosa,
porém de fato só de mim zombou.
Foi a Esperança que no cofre só
restou,
enquanto cada mal ou tristeza
portentosa
saltava ao mundo na ansiedade
mais viçosa,
quando Epimeteu a Pandora
influenciou.
Ficou enroscada no ponto mais
profundo
daquela arca, sem vontade de
sair,
até o titã de novo a ninfa
seduzir...
Da enamorada em malquerença
imundo,
que enfim levou a enfiar ambas
as mãos,
para sugar a Esperança total em
seus pulmões.
NA ESPERA DA ESPERANÇA III
Dizem que a Esperança é a
última que morre
e representada deveria ser num
cemitério,
sobre lápide assentada em
despautério,
a última tumba com a enxada
ainda percorre;
sozinha está e por suas mãos
escorre
a própria vida em manuseio
sério,
sem encontrar para si um
refrigério,
ninguém sobrou que depois sua
campa forre.
Embora tanto eu aguardasse a
Esperança,
não tenho intenção de tornar-me
seu coveiro,
queria envolver-me em seus
braços por inteiro.
Nela esperava encontrar
bem-aventurança,
mas estou seguro que antes dela
morrerei
e assim nem eu o final mal
sepultarei.
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