quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024


 

CALEIDOSCÓPIO I  (2008)

(Dale Arden, a eterna namorada de Flash Gordon)

 

É pela madrugada que a escuridão medita,

quando vigia os sonhos e a solidão agita,

quando colore a mágoa em torno à mente aflita,

e cede aos pesadelos a chave do portão.

 

É pela madrugada, então, que a mente choca

essas negruras verdes, a vastidão que toca

os turbilhões neurais e, pouco a pouco, soca

tais fantasmagorias no sangue e coração.

 

A escuridão suspira e, às vezes, entra em cio,

buscando um novo sêmen, querendo ser semente,

ovula e se menstrua e gera um novo dia.

 

E eu olho a escuridão que chama e então adio

a cópula esperada por mim em tom plangente,

a imaginar que a aurora só para mim sorria.

 

CALEIDOSCÓPIO II (02 JUN 11)

 

Porque encarnada é que sangra diariamente

a deusa Aurora, porém não só vermelha

é sua rubra luz, mas que, de fato, espelha

de seu irmão, o Sol, o andar menos urgente.

 

A noite chora assim menstruação plangente,

nesse ritual, contudo, apenas quando é velha.

Enquanto a noite é nova, recobre cada telha

em lanígero preteor, em velo inconsequente.

 

O mundo ela domina durante a adolescência

e se conserva assim em plena virgindade:

é fêmea a Lua também, com todo o seu farol.

 

De forma igual se vê que tal luminescência

projeta cada estrela que em timidez invade

o seu hímen de breu que apenas rompe o Sol.

 

CALEIDOSCÓPIO III

 

Assim a noite se guarda para Febo,

o jovem louro em fúlgido esplendor.

Aos poucos, vai perdendo seu frior,

para aquecer-se na expiração do efebo.

 

Já derretido esse amarelo sebo

que a Lua conservava em seu palor,

queimadas as estrelas sem vigor,

seu cheiro de mulher então eu bebo.

 

A noite não deseja mais ser pura:

fica aguardando, em sua ovulação,

para grávida gerar um novo dia.

 

E se desfaz em menstruação escura,

ao receber do Sol fecundação,

enquanto a Lua, enciumada, espia.

 

CALEIDOSCÓPIO IV – 1º fevereiro 2024

 

São os ventos da aurora sua carícia

e seu sangue expectante se derrama.

Não é o Sol que a alba assim conclama:

é a noite virgem ansiando por delícia.

 

Sentindo ter perdido, em estultícia,

as doze horas em que negror proclama.

Mas é o auriga do Sol que agora chama

e se entreabre em pelúcia de malícia.

 

E vem a luz do Sol a deflorá-la,

sem que Febo se disponha a desposá-la.

E só percebe, na alvorada clara,

 

que expulsa ela se encontra e não amada

e aos prantos, no horizonte refugiada,

só às lágrimas do orvalho se compara.

                        

CALEIDOSCÓPIO V

 

Então as lágrimas da noite num nevoeiro

são reformadas pelo brilho escuro

e novamente o seu ventre se faz puro

e mil estrelas lhe dá por travesseiro.

 

Incerto dessa noite então me abeiro,

ante os olhos do crepúsculo inseguro,

uso sua geada como poncho e muro

e me entrego a tal deusa por inteiro...

 

Mas também eu sou traidor, que a almotolia

eu já enchi de azeite e agora a chama,

por mesquinha que seja, a violenta

 

e a pobre noite, de virgem que se cria,

de novo gera o luar, múltipla escama

que a terra inteira em palidez alenta!

 

CALEIDOSCÓPIO VI

 

E meu ciclo continua, interminável,

eu que o descrevo, quem gera é minha caneta,

símbolo fálico de expressão secreta,

a cavalgar a emoção mais indomável.

 

E de tudo eu me aposso, incontrolável,

como o sol que a noite assim completa

e o vácuo noctívago, com sua seta

invade com sua espora inexorável,

 

igual que xucra é minha imaginação,

sempre reúna, nunca aquerenciada,

buscando novos rumos, de erradia,

 

gulosa dessa cuia a mostrar sofreguidão,

de tantas noites púrpura em seu nada,

no império efêmero de meu eterno dia.

 

CALEIDOSCÓPIO VII – 2 FEVEREIRO 2024

 

É nisso tudo que o arco-íris se revela,

caleidoscópio da aurora e do poente,

em simetria radial desde o nascente,

cada nuance a se mostrar mais bela,

 

no feroz parto umbilical de cada estrela,

a noite a perfurar em dor pungente,

sofrem os deuses reencarnação frequente,

fraldas de nuvens como em branca vela.

 

É o eterno vir-a-ser que nos penetra,

ríspida imanência de toda a natureza,

no renascer perpétuo da incerteza,

 

no atávico temor que a noite impetra,

no espasmo de calor que cada dia

em falsidade suas promessas anuncia.

 

CALEIDOSCÓPIO VIII

 

E é assim que se repete no crepúsculo

o que ocorrera no alborescer, quando a tarde

descobre em si um cio, ânsia que arde,

ferozmente a procriar novo corpúsculo

 

e então o escuro a dominar o dilúculo, (*)

lúsculo-fúsculo que o poente encarde,

como um cocheiro que sua égua albarde,

já da noite a iniciar um novo opúsculo

(*) O crepúsculo matutino.

 

e a tarde se contrai e o escuro aceita,

já menstruada em um novo pôr-do-sol

tal pretendente aceitando por marido

 

e enquanto o dia no ocidente deita,

se orgasma a tarde a retorcer-se nesse anzol,

enquanto o véu da noite é concebido.

 

CALEIDOSCÓPIO IX

 

E se prolonga essa geral levitação

quando a noite em cada aurora faz amor

e as coxas abre em busca do calor,

de um novo dia causando a geração

 

e o mesmo ocorre quando as tardes vão

a buscar da escuridão o seu sexor,

em cada noite gerando o seu frescor,

nessa mescla de ânsia e aceitação.

 

Mas as cores se cambiam, doce leque,

a abanar cada nuvem do arrebol,

a receber o escuro em seu afoite,

 

até que a fonte dessa vida seque,

gerado o dia, que a noite fuja ao sol,

parido o escuro, é o sol que foge à noite.

 

CALEIDOSCÓPIO X – 3 fev 24

 

E se tudo ao contrário se passasse?

Se fosse a noite a dominar o dia,

enquanto o dia à noite se anuncia

ou o lusco-fusco sempre dominasse?

 

E se surgisse um novo escuro no nascente,

quando a aurora em mil nuances reluzia

e se surgisse no poente que se cria

trazer a noite, um fulgor recrudescente

 

e o dia voltasse em direção ao leste,

enquanto a noite ofendida o combatesse

e enviasse ao horizonte o seu negrume?

 

E que ficassem nessa luta agreste,

quadriculando o céu, sem que nos desse

nem noite pura e nem do dia o lume?

 

CALEIDOSCÓPIO XI

 

E que partido tomaria o norte

neste embate do céu quadriculado?

Em alguns pontos o mundo resfriado

e aquecido em outros pela sorte?

 

Então o sul o que faria nesse porte,

estaria com o dia conciliado

ou nas hostes do noite perfilado,

combatendo pela vida ou pela morte?

 

Ah, musa minha, que me tornas fértil,

menos na carne que na imaginação?

Como posso conceber tal quantidade

 

de versos de teor sonoro e táctil?

Como geraste dentro em mim fecundação

de mil poemas revoltos de vaidade?

 

CALEIDOSCÓPIO XII

 

Não sei se é a musa que me inspira tanto

ou se me guia a plena escuridão?

De onde surgiu caleidoscópica visão

no furta-cor das luzes em seu pranto,

 

desse encolher-se da noite no seu canto,

que hoje descanto em rubra solidão,

desse encurvar da luz em seu clarão,

a erguer da noite a orla de seu manto?

 

Em coplas tristes tantas cópulas descrevo,

verde minha noite de futilidade,

azul do escuro o perenal suspiro

 

e qual é o caleidoscópio que me atrevo

a partilhar em total sensualidade,

qual mostra o mundo no seu eterno giro?

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