CALEIDOSCÓPIO I (2008)
(Dale Arden, a eterna namorada de Flash Gordon)
É pela madrugada que a escuridão medita,
quando vigia os sonhos e a solidão agita,
quando colore a mágoa em torno à mente aflita,
e cede aos pesadelos a chave do portão.
É pela madrugada, então, que a mente choca
essas negruras verdes, a vastidão que toca
os turbilhões neurais e, pouco a pouco, soca
tais fantasmagorias no sangue e coração.
A escuridão suspira e, às vezes, entra em cio,
buscando um novo sêmen, querendo ser semente,
ovula e se menstrua e gera um novo dia.
E eu olho a escuridão que chama e então adio
a cópula esperada por mim em tom plangente,
a imaginar que a aurora só para mim sorria.
CALEIDOSCÓPIO II (02 JUN 11)
Porque encarnada é que
sangra diariamente
a deusa Aurora, porém não só
vermelha
é sua rubra luz, mas que, de
fato, espelha
de seu irmão, o Sol,
o andar menos urgente.
A noite chora assim menstruação
plangente,
nesse ritual, contudo, apenas
quando é velha.
Enquanto a noite
é nova, recobre cada telha
em lanígero preteor, em velo
inconsequente.
O mundo ela domina durante a
adolescência
e se conserva assim em plena
virgindade:
é fêmea a Lua também, com todo o
seu farol.
De forma igual se vê que tal
luminescência
projeta cada estrela que em
timidez invade
o seu hímen de breu que
apenas rompe o Sol.
CALEIDOSCÓPIO III
Assim a noite se guarda para
Febo,
o jovem louro em fúlgido
esplendor.
Aos poucos, vai perdendo seu
frior,
para aquecer-se na expiração
do efebo.
Já derretido esse amarelo
sebo
que a Lua conservava em seu
palor,
queimadas as estrelas sem
vigor,
seu cheiro de mulher então eu
bebo.
A noite não deseja mais ser
pura:
fica aguardando, em sua
ovulação,
para grávida gerar um novo
dia.
E se desfaz em menstruação
escura,
ao receber do Sol fecundação,
enquanto a Lua, enciumada,
espia.
CALEIDOSCÓPIO IV – 1º fevereiro 2024
São os ventos da aurora sua carícia
e seu sangue expectante se derrama.
Não é o Sol que a alba assim conclama:
é a noite virgem ansiando por delícia.
Sentindo ter perdido, em estultícia,
as doze horas em que negror proclama.
Mas é o auriga do Sol que agora chama
e se entreabre em pelúcia de malícia.
E vem a luz do Sol a deflorá-la,
sem que Febo se disponha a desposá-la.
E só percebe, na alvorada clara,
que expulsa ela se encontra e não amada
e aos prantos, no horizonte refugiada,
só às lágrimas do orvalho se compara.
CALEIDOSCÓPIO V
Então as lágrimas da noite
num nevoeiro
são reformadas pelo brilho
escuro
e novamente o seu ventre se
faz puro
e mil estrelas lhe dá por
travesseiro.
Incerto dessa noite então me
abeiro,
ante os olhos do crepúsculo
inseguro,
uso sua geada como poncho e
muro
e me entrego a tal deusa por
inteiro...
Mas também eu sou traidor,
que a almotolia
eu já enchi de azeite e agora
a chama,
por mesquinha que seja, a
violenta
e a pobre noite, de virgem
que se cria,
de novo gera o luar, múltipla
escama
que a terra inteira em
palidez alenta!
CALEIDOSCÓPIO VI
E meu ciclo continua,
interminável,
eu que o descrevo, quem gera é
minha caneta,
símbolo fálico de expressão
secreta,
a cavalgar a emoção mais
indomável.
E de tudo eu me aposso,
incontrolável,
como o sol que a noite assim
completa
e o vácuo noctívago, com sua
seta
invade com sua espora
inexorável,
igual que xucra é minha
imaginação,
sempre reúna, nunca
aquerenciada,
buscando novos rumos, de
erradia,
gulosa dessa cuia a mostrar
sofreguidão,
de tantas noites púrpura em seu
nada,
no império efêmero de meu eterno
dia.
CALEIDOSCÓPIO VII – 2 FEVEREIRO 2024
É nisso tudo que o arco-íris se revela,
caleidoscópio da aurora e do poente,
em simetria radial desde o nascente,
cada nuance a se mostrar mais bela,
no feroz parto umbilical de cada estrela,
a noite a perfurar em dor pungente,
sofrem os deuses reencarnação frequente,
fraldas de nuvens como em branca vela.
É o eterno vir-a-ser que nos penetra,
ríspida imanência de toda a natureza,
no renascer perpétuo da incerteza,
no atávico temor que a noite impetra,
no espasmo de calor que cada dia
em falsidade suas promessas anuncia.
CALEIDOSCÓPIO VIII
E é assim que se repete no
crepúsculo
o que ocorrera no alborescer,
quando a tarde
descobre em si um cio, ânsia que
arde,
ferozmente a procriar novo
corpúsculo
e então o escuro a dominar o
dilúculo, (*)
lúsculo-fúsculo que o poente
encarde,
como um cocheiro que sua égua
albarde,
já da noite a iniciar um novo
opúsculo
(*) O crepúsculo matutino.
e a tarde se contrai e o escuro
aceita,
já menstruada em um novo
pôr-do-sol
tal pretendente aceitando por
marido
e enquanto o dia no ocidente
deita,
se orgasma a tarde a retorcer-se
nesse anzol,
enquanto o véu da noite é
concebido.
CALEIDOSCÓPIO IX
E se prolonga essa geral
levitação
quando a noite em cada aurora
faz amor
e as coxas abre em busca do
calor,
de um novo dia causando a
geração
e o mesmo ocorre quando as
tardes vão
a buscar da escuridão o seu
sexor,
em cada noite gerando o seu
frescor,
nessa mescla de ânsia e
aceitação.
Mas as cores se cambiam, doce
leque,
a abanar cada nuvem do
arrebol,
a receber o escuro em seu
afoite,
até que a fonte dessa vida
seque,
gerado o dia, que a noite
fuja ao sol,
parido o escuro, é o sol que
foge à noite.
CALEIDOSCÓPIO X – 3 fev 24
E se tudo ao contrário se passasse?
Se fosse a noite a dominar o dia,
enquanto o dia à noite se anuncia
ou o lusco-fusco sempre dominasse?
E se surgisse um novo escuro no nascente,
quando a aurora em mil nuances reluzia
e se surgisse no poente que se cria
trazer a noite, um fulgor recrudescente
e o dia voltasse em direção ao leste,
enquanto a noite ofendida o combatesse
e enviasse ao horizonte o seu negrume?
E que ficassem nessa luta agreste,
quadriculando o céu, sem que nos desse
nem noite pura e nem do dia o lume?
CALEIDOSCÓPIO XI
E que partido tomaria o norte
neste embate do céu
quadriculado?
Em alguns pontos o mundo
resfriado
e aquecido em outros pela
sorte?
Então o sul o que faria nesse
porte,
estaria com o dia conciliado
ou nas hostes do noite
perfilado,
combatendo pela vida ou pela
morte?
Ah, musa minha, que me tornas
fértil,
menos na carne que na
imaginação?
Como posso conceber tal
quantidade
de versos de teor sonoro e
táctil?
Como geraste dentro em mim
fecundação
de mil poemas revoltos de
vaidade?
CALEIDOSCÓPIO XII
Não sei se é a musa que me
inspira tanto
ou se me guia a plena escuridão?
De onde surgiu caleidoscópica
visão
no furta-cor das luzes em seu
pranto,
desse encolher-se da noite no
seu canto,
que hoje descanto em rubra
solidão,
desse encurvar da luz em seu
clarão,
a erguer da noite a orla de seu
manto?
Em coplas tristes tantas cópulas
descrevo,
verde minha noite de futilidade,
azul do escuro o perenal suspiro
e qual é o caleidoscópio que me
atrevo
a partilhar em total
sensualidade,
qual mostra o mundo no seu
eterno giro?
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