ESTÁTUA DE ÁGUA I (01 ago 11)
(ROCIO MARENGO, atriz argentina)
Um desafio em seu olhar selvagem,
por entre seus cabelos despenteados.
Seus lábios contemplavam, amuados,
em avaliação de minha falta de coragem.
Havia esplendor contido na visagem,
surgiam dentes apenas despontados,
convite aguado e mágoa entrelaçados,
a provocar-me inteira avassalagem...
Como era bela a jovem da piscina!
"Tu queres ou não queres?" me
pergunta,
na bruxaria que brota do passado...
Todo seu corpo molhado me fascina
e carne a carne esse fragor ajunta:
o meu futuro inteiro dominado...
ESTÁTUA DE ÁGUA II
A água turquesa ondula de seu
lado,
aquecida ao sabor de um
artifício,
para seu corpo esbelto
benefício,
porém o fundo é branco, do
amontoado
da neve, nessa noite acumulado,
contra as pedras do muro, em
malefício.
Então me entrego totalmente ao
vício:
sempre fui por mulher
atormentado.
E na amargura desse azul, o
beijo,
já põe de lado até o menor
embargo,
quando meu íntimo inteiramente
expôs-se!
Entregue totalmente a meu
desejo...
E ao invés de penar em
azul-amargo,
Dela só me lembrarei qual verde-doce...
ESTÁTUA DE ÁGUA III
Pois realmente, essa mulher é bela,
mais bela a que mulher tenha direito.
À transitória beleza me sujeito,
a fulgurar tão menos que uma
estrela...
Mas nesse ato de amor, tudo congela.
Suas roupas tira, sem maior despeito,
ponho de lado o ego contrafeito
e nesse abraço, só pertenço a ela.
A estátua é minha, em divinal momento
e que me importa que depois não seja?
E que me importa perdê-la
inteiramente?
Esse momento é meu, pois sou o vento
que na sua pele um arrepio enseja
e se derrama nela, mansamente...
ESTÁTUA DE ÁGUA IV – 29 jan 24
Por ela escorro, como as gotas
de água,
que ainda a ela se prendem da
piscina.
Minha língua sobre ela então se
inclina,
a beber gota a gota que se
enxágua...
As gotas de seus lábios, pura
frágua,
as gotas dos cabelos, teia fina,
gotas do olhar que tanto me
fascina,
gotas do peito, minha futura
mágoa.
Gotas dos ombros, levemente
duros;
dos cotovelos, as gotas de
malícia;
gotas das costas, escorrendo
leves;
gotas dos seios, dois figos
maduros,
gotas das mãos, que me enchem de
carícia,
gotas do ventre, eternidades
breves.
ESTÁTUA DE ÁGUA V
Correm-lhe as gotas pelo corpo inteiro,
em seu sabor de cloro acidulado,
em seu sabor da doçura do pecado,
gotas de sangue incolor de que me abeiro.
Correm-lhe as gotas pelas coxas e seu cheiro
é terra e maresia no ar dourado,
correm-lhe as gotas pelo joelho arredondado
e lhe descem pelas pernas derradeiro.
E cada gota eu bebo em ânsia pura,
queria até sua pele lhe beber,
todas as gotas a querer só para mim
e que ninguém jamais partilhe da doçura,
que sejam gotas de meu próprio entardecer,
que sejam gotas de um renascer assim...
ESTÁTUA DE ÁGUA VI
Ah, estátua de água voltando do passado!
Como foi claro o instante do desejo!
Como foi atribulado esse meu beijo,
quando engoli suas mil gotas de pecado!
Como as senti, em seu frescor alado,
tais gotas quentes de um feroz ensejo,
as gotas macias do mais suave adejo,
úmido o porto que tais gotas tem roubado!
Como as senti, no instante do afastado
do porta-seios e de seu biquini,
que outras gotas pudesse assim beber
de seu canal de líquido rasgado,
até se alçasse meu ventre como vime
para esse regato inteiro percorrer!
ESTÁTUA DE ÁGUA VII – 30 janeiro 2024
Ai,que doçura em tal momento exangue!
Gotas de amor em vagas derramadas!
Gotas da espera pela vida provocadas,
gotas vertidas de meu branco sangue!
Gotas perdidas, enquanto a carne enlangue
e se conservam nas carnes abrigadas,
bainha e espada das ânsias acalmadas,
nessa coma sutil de um verde mangue,
no qual enfim me enterrei profundamente,
na raiva pura desse amor nascente,
que já sabia que tão pouco duraria!
Mas me apertou nos braços, redolente,
após o amor que em luz a derretia,
no mais fugaz instante permanente...
ESTÁTUA DE ÁGUA VIII
Gotas de sono a percorrer-lhe os olhos,
gotas de espanto nos meus, inteiramente,
gotas incrédulas do coração dolente,
mil gotas cegas na venda dos antolhos!
Bebi suas gotas no mais pleno dos refolhos,
gotas de sangue, em seu pulsar frequente,
gotas de alma ao derredor equipolentes,
gotas de sonho no brotar dos santos óleos!
Pois contemplei cada gota desse dia,
enquanto ela junto a mim adormecia,
a me alentar o braço com seus dedos
e aquele anel que minha carne assim premia,
bem mais prendendo que o outro que possuía,
quando me dera e mostrara seus segredos!
ESTÁTUA DE ÁGUA IX
Depois... chegou o frio, vindo de fora,
também de dentro crescendo lentamente,
enquanto a acariciava suavemente,
desejando repetir a meiga e doce hora,
mais devagar essa ternura agora
mas a impaciência brotou-lhe claramente,
após essa explosão de corpo e mente:
“Está na hora, querido, vou-me embora.”
E se lançou de novo na piscina.
Por um momento, pensei se desmanchasse,
que fosse de água essa poesia pura...
mas simplesmente lavou-se nessa tina
e das gotas que ao sair espadanasse,
nõo me deixou beber qualquer doçura...
ESTÁTUA DE ÁGUA X – 31 JAN 24
E então correu, fugindo de meus braços,
carregando o biquini, toda nua.
Passara o dia, viera o clarão da lua,
fugidio qual o luar de meus abraços
Depois voltou, com recompostos traços,
toda inteiriça,mas frialdade estua.
Só me beijou de leve e, para a rua,
saiu, sem retornar sobre seus passos.
“Foi bom, querido, foi bom, mas acabou.”
Só na lembrança o momento perdurou,
não que saísse totalmente de minha vida.
Pousou-me o olhar azul e me sorriu.
Com outros homens achava-se envolvida,
só para eles mais tarde se despiu...
ESTÁTUA DE ÁGUA XI
Suas coxas longas ajudaram-me a sonhar
por esse enquanto que pensei ser meu destino.
A perseguir mulher eu não me afino,
por mais que a nuvem permaneça a desejar.
Sei que anda por aí, num adejar,
gotas de água clorada em desatino,
a distribuir, à luz do sol a pino,
ou preferindo à noite se entregar.
Contudo, esse momento que tivemos
e que ela tão fácil descartou,
pertence apenas a meu ideal secreto
e aqui destilo todos meus venenos,
que no meu peito, indiferente, ela gerou,
ao escrever-lhe estes últimos sonetos...
ESTÁTUA DE ÁGUA XII
E muitas vezes, recaio em meu cismar:
se realmente esteve entre meus braços
ou se apenas mirifiquei os seus abraços,
estátua condensada à luz solar!...
Mas seu sabor continuo a recordar,
das gotas a escorrer pelos seus traços
e por estranhos que sigam os seus passos,
talvez ainda me possa relembrar.
Pois no fundo dos olhos, quando a imagem,
fotografada para sempre a sua miragem,
que nesse dia me fora tão concreta,
quiçá ainda guarde recordação secreta...
Mas nestes versos, registrarei a mágoa
de nunca mais ter possuído a estátua d’água!
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