segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024


 

 ESTÁTUA DE ÁGUA I  (01 ago 11)

(ROCIO  MARENGO, atriz argentina)

 

Um desafio em seu olhar selvagem,

por entre seus cabelos despenteados.

Seus lábios contemplavam, amuados,

em avaliação de minha falta de coragem.

 

Havia esplendor contido na visagem,

surgiam dentes apenas despontados,

convite aguado e mágoa entrelaçados,

a provocar-me inteira avassalagem...

 

Como era bela a jovem da piscina!

"Tu queres ou não queres?" me pergunta,

na bruxaria que brota do passado...

 

Todo seu corpo molhado me fascina

e carne a carne esse fragor ajunta:

o meu futuro inteiro dominado...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA II

 

A água turquesa ondula de seu lado,

aquecida ao sabor de um artifício,

para seu corpo esbelto benefício,

porém o fundo é branco, do amontoado

 

da neve, nessa noite acumulado,

contra as pedras do muro, em malefício.

Então me entrego totalmente ao vício:

sempre fui por mulher atormentado.

 

E na amargura desse azul, o beijo,

já põe de lado até o menor embargo,

quando meu íntimo inteiramente expôs-se!

 

Entregue totalmente a meu desejo...

E ao invés de penar em azul-amargo,

Dela só me lembrarei qual verde-doce...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA III

 

Pois realmente, essa mulher é bela,

mais bela a que mulher tenha direito.

À transitória beleza me sujeito,

a fulgurar tão menos que uma estrela...

 

Mas nesse ato de amor, tudo congela.

Suas roupas tira, sem maior despeito,

ponho de lado o ego contrafeito

e nesse abraço, só pertenço a ela.

 

A estátua é minha, em divinal momento

e que me importa que depois não seja?

E que me importa perdê-la inteiramente?

 

Esse momento é meu, pois sou o vento

que na sua pele um arrepio enseja

e se derrama nela, mansamente...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA IV – 29 jan 24

 

Por ela escorro, como as gotas de água,

que ainda a ela se prendem da piscina.

Minha língua sobre ela então se inclina,

a beber gota a gota que se enxágua...

 

As gotas de seus lábios, pura frágua,

as gotas dos cabelos, teia fina,

gotas do olhar que tanto me fascina,

gotas do peito, minha futura mágoa.

 

Gotas dos ombros, levemente duros;

dos cotovelos, as gotas de malícia;

gotas das costas, escorrendo leves;

 

gotas dos seios, dois figos maduros,

gotas das mãos, que me enchem de carícia,

gotas do ventre, eternidades breves.

 

ESTÁTUA DE ÁGUA V

 

Correm-lhe as gotas pelo corpo inteiro,

em seu sabor de cloro acidulado,

em seu sabor da doçura do pecado,

gotas de sangue incolor de que me abeiro.

 

Correm-lhe as gotas pelas coxas e seu cheiro

é terra e maresia no ar dourado,

correm-lhe as gotas pelo joelho arredondado

e lhe descem pelas pernas derradeiro.

 

E cada gota eu bebo em ânsia pura,

queria até sua pele lhe beber,

todas as gotas a querer só para mim

 

e que ninguém jamais partilhe da doçura,

que sejam gotas de meu próprio entardecer,

que sejam gotas de um renascer assim...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA VI

 

Ah, estátua de água voltando do passado!

Como foi claro o instante do desejo!

Como foi atribulado esse meu beijo,

quando engoli suas mil gotas de pecado!

 

Como as senti, em seu frescor alado,

tais gotas quentes de um feroz ensejo,

as gotas macias do mais suave adejo,

úmido o porto que tais gotas tem roubado!

 

Como as senti, no instante do afastado

do porta-seios e de seu biquini,

que outras gotas pudesse assim beber

 

de seu canal de líquido rasgado,

até se alçasse meu ventre como vime

para esse regato inteiro percorrer!

 

ESTÁTUA DE ÁGUA VII – 30 janeiro 2024

 

Ai,que doçura em tal momento exangue!

Gotas de amor em vagas derramadas!

Gotas da espera pela vida provocadas,

gotas vertidas de meu branco sangue!

 

Gotas perdidas, enquanto a carne enlangue

e se conservam nas carnes abrigadas,

bainha e espada das ânsias acalmadas,

nessa coma sutil de um verde mangue,

 

no qual enfim me enterrei profundamente,

na raiva pura desse amor nascente,

que já sabia que tão pouco duraria!

 

Mas me apertou nos braços, redolente,

após o amor que em luz a derretia,

no mais fugaz instante permanente...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA VIII

 

Gotas de sono a percorrer-lhe os olhos,

gotas de espanto nos meus, inteiramente,

gotas incrédulas do coração dolente,

mil gotas cegas na venda dos antolhos!

 

Bebi suas gotas no mais pleno dos refolhos,

gotas de sangue, em seu pulsar frequente,

gotas de alma ao derredor equipolentes,

gotas de sonho no brotar dos santos óleos!

 

Pois contemplei cada gota desse dia,

enquanto ela junto a mim adormecia,

a me alentar o braço com seus dedos

 

e aquele anel que minha carne assim premia,

bem mais prendendo que o outro que possuía,

quando me dera e mostrara seus segredos!

 

 

ESTÁTUA DE ÁGUA IX

 

Depois... chegou o frio, vindo de fora,

também de dentro crescendo lentamente,

enquanto a acariciava suavemente,

desejando repetir a meiga e doce hora,

 

mais devagar essa ternura agora

mas a impaciência brotou-lhe claramente,

após essa explosão de corpo e mente:

“Está na hora, querido, vou-me embora.”

 

E se lançou de novo na piscina.

Por um momento, pensei se desmanchasse,

que fosse de água essa poesia pura...

 

mas simplesmente lavou-se nessa tina

e das gotas que ao sair espadanasse,

nõo me deixou beber qualquer doçura...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA X – 31 JAN 24

 

E então correu, fugindo de meus braços,

carregando o biquini, toda nua.

Passara o dia, viera o clarão da lua,

fugidio qual o luar de meus abraços

 

Depois voltou, com recompostos traços,

toda inteiriça,mas frialdade estua.

Só me beijou de leve e, para a rua,

saiu, sem retornar sobre seus passos.

 

“Foi bom, querido, foi bom, mas acabou.”

Só na lembrança o momento perdurou,

não que saísse totalmente de minha vida.

 

Pousou-me o olhar azul e me sorriu.

Com outros homens achava-se envolvida,

só para eles mais tarde se despiu...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA XI

 

Suas coxas longas ajudaram-me a sonhar

por esse enquanto que pensei ser meu destino.

A perseguir mulher eu não me afino,

por mais que a nuvem permaneça a desejar.

 

Sei que anda por aí, num adejar,

gotas de água clorada em desatino,

a distribuir, à luz do sol a pino,

ou preferindo à noite se entregar.

 

Contudo, esse momento que tivemos

e que ela tão fácil descartou,

pertence apenas a meu ideal secreto

 

e aqui destilo todos meus venenos,

que no meu peito, indiferente, ela gerou,

ao escrever-lhe estes últimos sonetos...

 

ESTÁTUA DE ÁGUA XII

 

E muitas vezes, recaio em meu cismar:

se realmente esteve entre meus braços

ou se apenas mirifiquei os seus abraços,

estátua condensada à luz solar!...

 

Mas seu sabor continuo a recordar,

das gotas a escorrer pelos seus traços

e por estranhos que sigam os seus passos,

talvez ainda me possa relembrar.

 

Pois no fundo dos olhos, quando a imagem,

fotografada para sempre a sua miragem,

que nesse dia me fora tão concreta,

 

quiçá ainda guarde recordação secreta...

Mas nestes versos, registrarei a mágoa

de nunca mais ter possuído a estátua d’água!

 

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