O TERCEIRO HÓSPEDE XIX
(MARIA FELIX, atriz mexicana)
“É o Reginito,” disse ela, em desespero.
“Está doente, acho que vai morrer!...”
Chegando à esteira, pode logo perceber.
El Magro estava perante os pés parado!
Por um instante, ficou atarantado
e o outro o contemplou, de olhar severo...
Pediu uma cuia d’água e lha trouxeram
e dentro dela um pouco da água derramou;
deu-a à criança, que logo após sarou...
Contudo, o olhar de El Magro lhe fez ver
que água demais ali fora verter
e bem depressa ambos se entenderam.
Foi Macário cortar outra taquara,
que encheu inteira, tirando água do poço;
guardou a outra em seu telhado grosso.
Que era feito de bambu e de sapé.
Na água mágica, agora tinha fé:
“Não mexam nela!” falou, com voz bem clara.
O TERCEIRO HÓSPEDE XX
Mas os vizinhos que em sua casa estavam,
para a pobre Rosicleia consolar,
viram o menino depressa se curar.
E entre si ficaram cochichando...
Já no outro dia, o estavam procurando:
em sua rua outros doentes se encontravam.
Macário, no começo, recusava,
mas sua mulher se pôs a insistir tanto,
que teve pena de escutar-lhe o pranto.
Foi visitar as outras casas em sua rua.
Parado aos pés de cada esteira nua
El Magro sorridente se encontrava.
Macário então pedia um recipiente,
caneca ou xícara ─ e nelas derramava
uma pequena gota e a misturava
com qualquer água que por ali tivessem,
porque depois que os doentes a bebessem,
sempre sua cura chegava, de repente.
O TERCEIRO HÓSPEDE XXI
Todos ficavam muito agradecidos
e lhe traziam os presentes que podiam,
pois a cura quase todos conseguiam.
Porém se via El Magro à cabeceira,
ele dizia que a morte era certeira
e recusava todos os pedidos...
Passou-se o tempo, seus filhos estudaram,
Macário comprou nova moradia,
a cortar lenha nem sequer mais ia...
Pois a promessa de El Magro se cumprira!
E o pagamento que ele jamais pedira,
esses presentes amplamente compensaram.
Sua fama se espalhou pela cidade,
pela província e no país inteiro.
Diziam os médicos que era um feiticeiro.
Mas ele ia à missa com frequência
e os padres lhe mostravam deferência,
pois contribuía com regularidade...
O TERCEIRO HÓSPEDE XXII
Chegou-lhe a fama até o governador,
que tinha o título, então, de vice-rei
e governava o país com dura lei!...
Os cirurgiões se queixavam de Macário,
porque lhes reduzia o numerário
e o vice-rei os escutava, sem rancor.
Mas quando viu sua filha se enfermar
e os médicos não podiam fazer nada,
sua esposa fez-lhe súplica, alarmada!
“Você me pede ir chamar um curandeiro?
Que quer você com esse feiticeiro?”
“Acho que pode a menina nos salvar!”
Então, o vice-rei fez convocar
Macário, a que viesse à capital...
Este sabia não ter feito nenhum mal.
Porém tremeu de medo o lenhador:
levou consigo a taquara, com temor;
só um restinho no fundo a chocalhar...
O TERCEIRO HÓSPEDE XXIII
E lhe disse o vice-rei, severamente:
“Não acredito em sua bruxaria!
Mas minha filha se acha em agonia.”
“E minha esposa está desesperada.
Pois muito bem: se a deixar curada,
Dou-lhe grandes riquezas de presente.”
“Porém se ela morrer, como se espera,
saberei que não passa de um farsante
e o queimarei na fogueira nesse instante!”
“E seus bens eu irei todos confiscar.
A sua família prenderei para julgar!...”
Macário, só de ouvir, se desespera...
E ao ser levado ao quarto da menina,
o seu maior temor se realizou:
na cabeceira El Magro ele encontrou.
Que balançou-lhe a cabeça, em negativa.
“Esta menina não mais pode ficar viva,
está escrito que morrer será sua sina!...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XXIV
Pediu Macário para ficar sozinho,
porque El Magro era só ele que via:
a mãe saiu, em grande gritaria...
E o vice-rei outra vez o advertiu:
as ameaças o próprio El Magro ouviu,
mas abanou sua cabeça, de mansinho...
Macário várias vezes suplicou,
pois perderia tudo o que lhe dera!
Zangou-se então, igual que besta-fera.
Virou a cama, bem rapidamente,
para deixá-lo aos pés, mas velozmente,
à cabeceira, El Magro se encontrou!
Ele tentou de novo, sacudindo
a cama inteira, até deixá-la torta!
Mas a menina já se achava morta...
E cada vez que a cama ele virava,
na cabeceira El Magro já pulava
e o vice-rei o barulho estava ouvindo!
O TERCEIRO HÓSPEDE XXV
E de repente, Macário percebeu
que a taquara na disputa se quebrara!
E que todo o conteúdo se esvaziara...
Então, exausto, caiu no chão, chorando.
Ficou El Magro, com pena, o contemplando
e seu velho coração se confrangeu...
“Meu amigo, fiz mal em lhe ajudar...
Nem mesmo eu posso vencer o Fado,
por mais que eu estivesse do seu lado...”
“O Destino sempre vem a se cumprir
e foi tolice sua, ao persistir,
depois que eu disse que não iria adiantar...”
“Mas eu sei bem o que irá lhe acontecer
e não quero que esse duro vice-rei
faça cumprir a sua perversa lei...”
“Não quero vê-lo queimado na fogueira.
Mas a morte da menina é verdadeira,
só há uma coisa que posso lhe fazer...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XXVI
Então El Magro tocou-o sobre a testa
e tudo a seu redor se dissipou...
Macário na clareira se encontrou,
bem no momento em que partira seu peru.
E mesmo achando que ficara um pouco cru,
comeu-o inteiro, em verdadeira festa...
E só então El Magro apareceu...
Por um momento, Macário se lembrou;
logo depois, sua vista se apagou.
Cheio de pena, ele o tocou com a foice
e para vida melhor Macário foi-se,
mas com o estômago cheio ele morreu...
É sempre assim, quando nos chega a hora.
A maldição de El Charro se cumpriu,
de El Peregrino a bênção o nutriu...
Pois foi levado direto ao Paraíso,
nesse lugar em que há alegria e riso
e do qual nunca mais se vai embora...
EPÍLOGO
Reginito, porém, nem adoeceu
e a família inteira se criou:
cada vizinho um pouco os ajudou.
E quando acharam Macário na clareira,
comera até a migalha derradeira
o peru gordo que sua mulher lhe deu...
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