O
ENTERRO DO LAMPIÃO I – 21 JANEIRO 2024
MAE WEST, musa do cinema mudo
Li
num jornal que cem anos atrás,
quando
instalada a iluminação elétrica,
a
iluminaçõa por lampião bem mais patética
de
cada rua e cada praça se desfaz.
É
indubitável um progresso bem veraz,
de
Tesla a invenção menos poética,
mas
que se impôs de forma mais ascética,
menos
carne de baleia a produzir o gás.
E
que afinal, no impulso da ocasião,
organizaram
esse enterro do lampião,
falso
ataúde decorado com estrelas!
Porém
nos quatro cantos não puseram
as
habituais luzinhas não se acenderam,
porque
inimigas dos lampiões eram as velas!
O ENTERRO DO LAMPIÃO II
Dentro das casas não mais lamparinas,
nem as antigas lâmpadas de azeite,
por toda parte a eletricidade alternada aceite,
roubando aos cantos as intimidades finas!
Cada falena que queimava ali sua sina,
Já em torno a lâmpadas dançando com deleite:
quando queimada, sobre o solo deite
essa sua morte gentil e pequenina.
Já mais em cima as lâmpadas, por certo,
as mariposas ali voltejam menos,
sobre teus olhoa sem agitar venenos,
uma que outra a te chegar mais perto,
igual que a gente a bailar em torno à luz,
queimando as almas no interior dos corpos nus!
O ENTERRO DO LAMPIÃO III
Não me recordo desse enterro do lampião.
O que de fato me espantava nesse então,
Era a incrível multidão dos cascudinhos,
rodeando os postes mil corpos pequeninhos,
esmagados sob os pés, sem mais cautela,
sem ataúdes, sem acender-lhes vela.
Difícl mesmo evitar sua profusão,
tantos negrinhos espalhados pelo chão.
Completo agora três sonetos sem amor,
sem rimas ricas e sem maior vigor,
mas que fazer, se sequer eu despertei,
fugi de um sonho e em versos me assanhei,
só lamentando o enterro de um lampião,
mil avós mortos a brincar nessa ocasião!
LAVADEIRAS
I – 22 janeiro 2024
Antigamente
– e não tão longe assim,
embora
coisa pertinente a meu passado,
era
costume seu andar bem compassado,
em
suas cabeças transportando até o sem-fim,
pelas
ruas da cidade em passo afim,
trouxas
de roupa suja ou bem lavada,
desde
a casa ou para a casa destinada,
cheirando
mal ou com aroma de jasmim...
Em
cada casa que atendiam se anotava
o
rol de roupa a incluir peça por peça,
em
duas vias, ficando uma com a patroa,
enquanto
a outra a analfabeta transportava,
em
garantia que do lavado à pressa
nada
se perderia e que a conta não destoa...
LAVADEIRAS II
Em geral, mulheres já de meia-idade,
mais gordas do que magras, não obstante
o esforço dos lavados a transportar constante,
nesse trajeto a se portar com dignidade,
apresentando seus trabalhos com vaidade,
num orgulho profissional muito elegante,
eu nunca soube exatamente se à jusante
de um riacho, em lagoa ou sem complexidade
de um tanque de cimento nos fundos do quintal
e seu trabalho era pago sempre à vista,
após a segura conferência de seu rol,
segredos da família a ler como em jornal,
enquanto o suor e o sangue se conquista,
nesse labor a realizar de sol a sol.
LAVADEIRAS III
É de supor que mantivessem discrição,
mas eu duvido que nunca comentassem
o sangue ou pus nas roupas que lavassem,
com companheiras da mesma profissão,
junto das águas seus joelhos dobrarão
e talvez com certas coisas se espantassem;
ouso dizer que caso algum dinheiro achassem,
esquecido em algum bolso na ocasião,
o devolviam com toda a honestidade,
por mais faltas que lhe poderia suprir,
suas mãos negras a brancura a descobrir,
com seu labor sempre a suprir necessidade,
até da máquina de lavar o surgimento
e então a lavagem a seco ter alento.
LAVADEIRAS IV
De José do Patrocínio, o abolucionista,
se afirma que ao discursar em um salão,
foi ofendido sem motivo e sem razão,
salvo que seu interruptor era racista.
Gritando: “Cala a Boca,
Negro!” nessa pista,
mas o orador guardou a calma na ocasião,
enfrentando assim um tal parlapatão,
com toda a dignidade, é preciso que se insista.
Teria dito a seu indigno ofensor,
“Eu sou negro, porque minha mãe e meu pai
passaram a vida limpando essa sujeira
que a senhora sua mãe e o senhor
seu pai por toda a vida vai
deixar no mundo ao longo de sua esteira!”
METABORDAGEM
I – 23 janeiro 2024
O
mar flutua sobre minha cabeça
e
a pradaria nunca alcanço com meus pés,
o
sol me atinge apenas de través,
que
por entre o céu azulado transpareça,
Da
fantasia pertinaz que não me esqueça,
vou
embarcar em minha barca de aguapés,
que
em flores de lótus mudarei por minhas fés,
sem
que garça ou perereca me agradeça.
De
estranha fonte me escorre a inspiração.
Quem
foi o cômico que me assoprou rimas?
Quem
foi o louco que já não o pode ser?
Apenas
sei que o mar me recebe sem noção,
enxugo
as penas nos ossos de meus dedos,
de
suas tolices cooptei bem os segredos...
METABORDAGEM II
Quem te garante que estes versos são tolice?
Só porque escrevo o que ninguém mais te diz,
porque descrevo tanta coisa que não fiz,
porque a verdade não se encontra no que disse?
E se a loucura nefasta assim me perseguisse
e em mim brotasse feito um chafariz,
que toda a água se virasse em flor-de-lis
e em minha razão a sem-razão atice?
Isso que afirmo neste impulso desconforme,
que nem ao menos traz um riso galhofeiro,
vem de outra fonte e de outro raciocínio,
que o teu pensar em despensar transforme,
na canção muda de um morto seresteiro,
na pregação de um impuro vaticínio.
METABORDAGEM III
Escrevo agora em plena madrugada,
qualquer súcubo veio roubar a minha semente
e me deixar em horas mortas descontente,
perante as marcas de minha longa caminhada.
No coração cravei inteira a minha espada,
Sem a bainha retirar em dom clemente,
as frechas cravo em meu peito ainda fremente,
no coração mora uma lâmia desolada.
Mas fiques certo que não te vampirizarei,
bem ao contrário, minha linfa te derramo,
apeçonhada nestes versos de veneno.
Passam as horas, de manhã não dormirei
e pelo mar que me recebe marcharei,
as mil miragens respondendo a meu aceno.
ELEGIA
AO TUBÉRCULO I – 24 JAN 24
Pobre
batata que no lixo foi lançada,
sinais
mostrou de já estar apodrecendo,
seus
grelos há muito à vista aparecendo,
sua
casca a ficar preta e engruvinhada!
Mas
não havendo real fome na jogada,
não
havia motivo para ficarem conservando
a
melhor parte, o estragado se cortando,
algo
sobrando para pôr-se na salada!
Acho
de fato ser mesmo um desperdício
batata
podre a se logar no lixo,
pois
brotaria do solo, se enterrada,
mesmo
suas cascas conservando o viço,
no
chão crescendo com certo capricho
ou
até nascendo com potência desusada!
ELEGIA AO TUBÉRCULO II
Isto não é em absoluto alguma lenda,
pobre batata! Ser de fato resistente,
já vi das cascas a brotação frequente,
em num terrário de vidro a que se atenda;
da terra a brotação virá estupenda,
o alimentar fornecendo a muita gente,
tal qual feijão num algodão jacente,
com um pouco de água, abrindo fenda
em sua casquinha negra e logo brota...
já muitas vezes li sobre o desperdício
dessas folhas e xepas de uma feira,
tanto faminto pelas ruas que se esgota,
buscando apenas atender seu vício,
tanto alimento a pisotear em sua esteira!
ELEGIA AO TUBÉRCULO III
Eis o problema atual da sociedade,
que poderá atender ou desprezar
qualquer pedinte que lhe venha a suplicar,
de escassa forma a atendê-lo em saciedade,
quando a mania é distribuir esmolas,
sem dar emprego para prover seu alimento,
da mesma forma que o aprisionamento
será inútil, se não houver ali escolas.
É boa desculpa se distribuir dinheiro,
mas quanto chega ao que dele necessita?
Belo pretexto para espantosa negociata!
Pois quando o esmoler chegar interesseiro,
não se lhe atenda ao suplicar que agita:
diga ao contrário, que vá plantar batata!
Nenhum comentário:
Postar um comentário