sábado, 10 de fevereiro de 2024






 

 

O ENTERRO DO LAMPIÃO I – 21 JANEIRO 2024

MAE WEST, musa do cinema mudo

 

Li num jornal que cem anos atrás,

quando instalada a iluminação elétrica,

a iluminaçõa por lampião bem mais patética

de cada rua e cada praça se desfaz.

É indubitável um progresso bem veraz,

de Tesla a invenção menos poética,

mas que se impôs de forma mais ascética,

menos carne de baleia a produzir o gás.

 

E que afinal, no impulso da ocasião,

organizaram esse enterro do lampião,

falso ataúde decorado com estrelas!

Porém nos quatro cantos não puseram

as habituais luzinhas não se acenderam,

porque inimigas dos lampiões eram as velas!

 

O ENTERRO DO LAMPIÃO II

 

Dentro das casas não mais lamparinas,

nem as antigas lâmpadas de azeite,

por toda parte a eletricidade alternada aceite,

roubando aos cantos as intimidades finas!

Cada falena que queimava ali sua sina,

Já em torno a lâmpadas dançando com deleite:

quando queimada, sobre o solo deite

essa sua morte gentil e pequenina.

 

Já mais em cima as lâmpadas, por certo,

as mariposas ali voltejam menos,

sobre teus olhoa sem agitar venenos,

uma que outra a te chegar mais perto,

igual que a gente a bailar em torno à luz,

queimando as almas no interior dos corpos nus!

 

O ENTERRO DO LAMPIÃO III

 

Não me recordo desse enterro do lampião.

O que de fato me espantava nesse então,

Era a incrível multidão dos cascudinhos,

rodeando os postes mil corpos pequeninhos,

esmagados sob os pés, sem mais cautela,

sem ataúdes, sem acender-lhes vela.

Difícl mesmo evitar sua profusão,

tantos negrinhos espalhados pelo chão.

 

Completo agora três sonetos sem amor,

sem rimas ricas e sem maior vigor,

mas que fazer, se sequer eu despertei,

fugi de um sonho e em versos me assanhei,

só lamentando o enterro de um lampião,

mil avós mortos a brincar nessa ocasião!

 

LAVADEIRAS I – 22 janeiro 2024

 

Antigamente – e não tão longe assim,

embora coisa pertinente a meu passado,

era costume seu andar bem compassado,

em suas cabeças transportando até o sem-fim,

pelas ruas da cidade em passo afim,

trouxas de roupa suja ou bem lavada,

desde a casa ou para a casa destinada,

cheirando mal ou com aroma de jasmim...

 

Em cada casa que atendiam se anotava

o rol de roupa a incluir peça por peça,

em duas vias, ficando uma com a patroa,

enquanto a outra a analfabeta transportava,

em garantia que do lavado à pressa

nada se perderia e que a conta não destoa...

 

 LAVADEIRAS II

 

Em geral, mulheres já de meia-idade,

mais gordas do que magras, não obstante

o esforço dos lavados a transportar constante,

nesse trajeto a se portar com dignidade,

apresentando seus trabalhos com vaidade,

num orgulho profissional muito elegante,

eu nunca soube exatamente se à jusante

de um riacho, em lagoa ou sem complexidade

 

de um tanque de cimento nos fundos do quintal

e seu trabalho era pago sempre à vista,

após a segura conferência de seu rol,

segredos da família a ler como em jornal,

enquanto o suor e o sangue se conquista,

nesse labor a realizar de sol a sol.

 

LAVADEIRAS III

 

É de supor que mantivessem discrição,

mas eu duvido que nunca comentassem

o sangue ou pus nas roupas que lavassem,

com companheiras da mesma profissão,

junto das águas seus joelhos dobrarão

e talvez com certas coisas se espantassem;

ouso dizer que caso algum dinheiro achassem,

esquecido em algum bolso na ocasião,

 

o devolviam com toda a honestidade,

por mais faltas que lhe poderia suprir,

suas mãos negras a brancura a descobrir,

com seu labor sempre a suprir necessidade,

até da máquina de lavar o surgimento

e então a lavagem a seco ter alento.

 

LAVADEIRAS IV

 

De José do Patrocínio, o abolucionista, 

se afirma que ao discursar em um salão,

foi ofendido sem motivo e sem razão,

salvo que seu interruptor era racista.

 Gritando: “Cala a Boca, Negro!” nessa pista,

mas o orador guardou a calma na ocasião,

enfrentando assim um tal parlapatão,

com toda a dignidade, é preciso que se insista.

 

Teria dito a seu indigno ofensor,

“Eu sou negro, porque minha mãe e meu pai

passaram a vida limpando essa sujeira

que a senhora sua mãe e o senhor

seu pai por toda a vida vai

deixar no mundo ao longo de sua esteira!”

 

METABORDAGEM I – 23 janeiro 2024

 

O mar flutua sobre minha cabeça

e a pradaria nunca alcanço com meus pés,

o sol me atinge apenas de través,

que por entre o céu azulado transpareça,

Da fantasia pertinaz que não me esqueça,

vou embarcar em minha barca de aguapés,

que em flores de lótus mudarei por minhas fés,

sem que garça ou perereca me agradeça.

 

De estranha fonte me escorre a inspiração.

Quem foi o cômico que me assoprou rimas?

Quem foi o louco que já não o pode ser?

Apenas sei que o mar me recebe sem noção,

enxugo as penas nos ossos de meus dedos,

de suas tolices cooptei bem os segredos...

 

METABORDAGEM II

 

Quem te garante que estes versos são tolice?

Só porque escrevo o que ninguém mais te diz,

porque descrevo tanta coisa que não fiz,

porque a verdade não se encontra no que disse?

E se a loucura nefasta assim me perseguisse

e em mim brotasse feito um chafariz,

que toda a água se virasse em flor-de-lis

e em minha razão a sem-razão atice?

 

Isso que afirmo neste impulso desconforme,

que nem ao menos traz um riso galhofeiro,

vem de outra fonte e de outro raciocínio,

que o teu pensar em despensar transforme,

na canção muda de um morto seresteiro,

na pregação de um impuro vaticínio.

 

METABORDAGEM III

 

Escrevo agora em plena madrugada,

qualquer súcubo veio roubar a minha semente

e me deixar em horas mortas descontente,

perante as marcas de minha longa caminhada.

No coração cravei inteira a minha espada,

Sem a bainha retirar em dom clemente,

as frechas cravo em meu peito ainda fremente,

no coração mora uma lâmia desolada.

 

Mas fiques certo que não te vampirizarei,

bem ao contrário, minha linfa te derramo,

apeçonhada nestes versos de veneno.

Passam as horas, de manhã não dormirei

e pelo mar que me recebe marcharei,

as mil miragens respondendo a meu aceno.

 

ELEGIA AO TUBÉRCULO I – 24 JAN 24

 

Pobre batata que no lixo foi lançada,

sinais mostrou de já estar apodrecendo,

seus grelos há muito à vista aparecendo,

sua casca a ficar preta e engruvinhada!

Mas não havendo real fome na jogada,

não havia motivo para ficarem conservando

a melhor parte, o estragado se cortando,

algo sobrando para pôr-se na salada!

 

Acho de fato ser mesmo um desperdício

batata podre a se logar no lixo,

pois brotaria do solo, se enterrada,

mesmo suas cascas conservando o viço,

no chão crescendo com certo capricho

ou até nascendo com potência desusada!

 

ELEGIA AO TUBÉRCULO II

 

Isto não é em absoluto alguma lenda,

pobre batata! Ser de fato resistente,

já vi das cascas a brotação frequente,

em num terrário de vidro a que se atenda;

da terra a brotação virá estupenda,

o alimentar fornecendo a muita gente,

tal qual feijão num algodão jacente,

com um pouco de água, abrindo fenda

 

em sua casquinha negra e logo brota...

já muitas vezes li sobre o desperdício

dessas folhas e xepas de uma feira,

tanto faminto pelas ruas que se esgota,

buscando apenas atender seu vício,

tanto alimento a pisotear em sua esteira!

 

ELEGIA AO TUBÉRCULO III

 

Eis o problema atual da sociedade,

que poderá atender ou desprezar

qualquer pedinte que lhe venha a suplicar,

de escassa forma a atendê-lo em saciedade,

quando a mania é distribuir esmolas,

sem dar emprego para prover seu alimento,

da mesma forma que o aprisionamento

será inútil, se não houver ali escolas.

 

É boa desculpa se distribuir dinheiro,

mas quanto chega ao que dele necessita?

Belo pretexto para espantosa negociata!

Pois quando o esmoler chegar interesseiro,

não se lhe atenda ao suplicar que agita:

diga ao contrário, que vá plantar batata!

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