SULTÃO I – 19 FEV 2024
(ELISABETH BERGNER, musa do cinema mudo)
No
Turquestão, eu tenho o meu harém:
para lá
te levarei, como rainha
e sempre
que tua carne se avizinha,
me
esquecerei das outras que lá tem.
Nem
sempre estarás só nesse porém:
é grande
o meu serralho e sempre tinha
para
minha espada uma gentil bainha,
até que
me trouxeste a tua também.
Vou
desistir da panóplia e as concubinas
ficarão
sem carinho e sem afeto,
quando
quiseres estender-me a mão.
Serão
tuas servas todas as meninas
que já
possuí, no meu sonho secreto,
que só em
quimeras se transformarão...
SULTÃO II
Tenho um serralho também na Cochinchina,
onde se encontram jovens tailandesas,
vietnamitas, khmers, birmanesas,
do Laos e Bangladesh e até da China!...
Porém meu corpo a tais olhos não se inclina,
prefiro antes as modernas japonesas,
que a dobra operam. Querem, com certezas,
parecer ocidentais, que mais se afina
ao ideal mais moderno de beleza...
Olhos puxados com cabelos louros,
olhos azuis de lentes de contato...
Eu te darei desse outro harém a realeza:
teus cabelos reinarão, sem mais desdouros
para teus olhos castanhos de recato...
SULTÃO III
Afrodite, deusa antiga, a dama dos orgasmos,
não posso me queixar dos muitos que já tive:
talvez mais eu quisera em ventres que não estive,
porque ainda consumo o vigor dos entusiasmos.
Devo plantar um mirto e esmigalhar pães asmos
em torno à sua raiz, onde a alegria vive;
com tomilho silvestre o meu ardor revive
e me leva ao final das ânsias dos espasmos...
À beira dos regatos devera eu assentar-me
e louvar minha deusa, meu par, sempre a meu lado,
ao invés de prender-me à tela fluorescente
deste mundo eletrônico, dia após dia a sugar-me,
que os prazeres da vida eu tenho abandonado
por bolsas de ouro falso em paga intermitente...
SULTÃO IV – 20 fevereiro 2024
Gotas de vinho
escorrem de teus olhos,
na lira do
passado. Tangem sinos
quando abres a
boca: bailarinos
são os teus
dentes, espiando dos refolhos.
Marinheiros
ocultos sob os molhos
da balsa de tua
língua. Pequeninos
duendes na
garganta: meus destinos
anunciando, na
galhofa dos escolhos.
É só o que
recordo desses anos
em que
estiveste perto e reluzia
esgar de amor
na sombra do sorriso.
Porque os de
agora... são penhores araganos.
A ânfora de
vinho está vazia
e o sino tange no acorde do impreciso.
SULTÃO V
Seu corpo contra o meu, avidamente,
na ânsia do desejo proibido:
muito mais ânsia pelo impermitido
do que um desejo de mim, impenitente.
Seus lábios entreabertos, língua rente
à membrana de minha língua, no inserido
guiar e combater, prazer temido,
temor gozado em luta impertinente.
E na explosão final, a carne quente,
coberta de suor e ânsia ferina,
nos tremores do ventre, a boca em ais...
Ela se torna deusa e essa inclemente
ardência de sua carne me fascina,
como uma aurora em dimensões fatais.
SULTÃO VI
Ela passou e
olhou-me. Nada belas
as suas feições
e o corpo até grosseiro,
mas algo
desprendia, esse ligeiro
feromônio que
atrai, quando as donzelas
estão em dias
férteis. Sopra delas
aquele apenas
percebido cheiro,
sem que o
olfato o interprete por inteiro,
mas que nos
escraviza, em tarantelas...
Nem foi que me
quisesse. Só queria
alguém que seu
óvulo alcançasse,
com a
chuva branca e pura do entusiasmo.
Assim,
passou. E outro mais iludiria,
cuja semente o
seu ventre fecundasse,
na euforia
inútil de outro orgasmo...
SULTÃO
VII – 21 fevereiro 2024
Quando me
amou, na pradaria florida,
seus
braços em meus ombros, a puxar-me,
para mais
perto de si, para abraçar-me
e
garantir-me que me era pertencida,
quando me
amou, na grama umedecida,
seus
braços sob as axilas, a agarrar-me
pela
cintura, cada vez mais a apertar-me,
até tirar
de mim gotas de vida...
quando
prendeu-me as pernas junto a si
e a boca
se encaixou, como lingueta,
entre
meus lábios, em ambição secreta,
foi a
doçura mais sublime que senti,
naquela
tarde de agosto, em que o calor
o zéfiro
abrandava, em esplendor...
SULTÃO VIII
Teus lábios junto aos meus, teu corpo aceso
por tépida verdade de narciso,
que não recobre em reposteiro ou riso
o mesmo elan vital em que reteso
o armígero projétil para o embate:
testosterona, saliva e adrenalina,
na língua teu sabor de ptialina,
teu estertor no ouvido se rebate...
E dentre o assomar do meu desvelo,
a me arrepiar bem fundo ao cerebelo,
de todo esse teu beijo que respiro,
resta somente o gozo multifário,
que é meu direito consuetudinário,
e me provoca o orgasmo num suspiro.
SULTÃO IX
As coxas puras,
de perfume agreste,
na garupa do
potro reluzentes,
do suor doce do
animal frequentes,
na vastidão do
sonho que me deste.
Coxas abertas
para o vento leste,
no verde da
campina, assim frementes,
na espera
pronta de amplidão potentes,
por fútil seiva
que o corpo me reveste.
De certo modo,
é como essa semente
derramasse na
terra, que seu ventre
é o mesmo seio
da plaga que nos gera.
A corticeira
cresce e cresce o ente,
vermelha a flor
e o filho que se adentre,
vermelha a
aurora, enfim, vermelha a fera.
SULTÃO X – 22 FEV 24
São pétalas de rosa que devoro
ao lembrar o teu colo, nívea pele,
gotas de névoa que sobre mim revele
essa doçura de sal em que demoro,
nessa armadilha antiga em que defloro
a minha própria alma, em que desvele
gotas de brisa, que sobre a carne zele
e me penetre poro e depois poro.
O que minha língua toca, toca em mim:
eu provo o gosto que é meu próprio travo,
lábios e beijos na mesma formação
desses mamilos rosa em flor, enfim,
a maciez mais dura e sou escravo
dessa ternura que fende o coração.
SULTÃO XI
São tâmaras de
néctar que toco
com o refluir
dos dedos escorreitos,
são tâmaras de
pele sem defeitos,
são tâmaras de
antanho que hoje invoco,
são gotas de
rubi que assim coloco
sob minhas
unhas e nos lençóis dos leitos,
são gotas de
rubi que planto em eitos
e em cada cova
-- nova semente soco.
De novo essa armadilha,
esse mundéu
que reconheço
qual arapuca inteiramente,
mas como busco
enredar-me nesse laço!
Grade de beijos
que cede luz ao céu,
divino amor do
temporariamente,
no eterno
temporário desse abraço!
SULTÃO XII
Há um diadema
de luz sobre tua testa,
sei que fui eu
que te dei essa tiara,
sultana do
sultão, serva preclara,
luz de meus
olhos para eterna festa,
em mil reflexos
que a vida me contesta,
que rasgam boca
e costas em escara,
rígido anel a
circundar-me a vara,
sultana do
sultão em arcana giesta
e então ainda
que a vida assim me obrigue,
por motívos de
política ou paixões,
a manter mil
odaliscas nesse harém,
sei meu retorno
a ti sempre prossegue,
sultana do
sultão dos corações,
a quem confesso
pertencer também!
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