ESTREMUNHO I – 25
JAN 24
(GISELE BÜNDCHEN)
Quando o Sol vai
ocultar-se no horizonte,
as aves se
recolhem a seus ninhos
e os animais mais
fracos, coitadinhos,
escondem-se nas
covas de algum monte;
então saem os
predadores, após a fonte
de sua
alimentação. São mais daninhos,
são diurnicids,
muito mais mesquinhos
e os dias matam,
que são apenas ponte
entre uma noite e
outra. Em velhos anos
regulavam os
humanos as suas vidas,
também pelo
arrebol, fugindo aos danos
da escuridão, em
cavernas e guaridas;
e é por isso que
a maioria dos humanos
são como os
animais, noturnicidas!
ESTREMUNHO II
Hastes de luz recobrem meu caminho
e me desvio delas, ao passar,
são tantas, densas, para se desviar,
essas lanças de luz não têm carinho!
Houve um tempo em que o Sol era mansinho,
dava um calor que parecia acariciar,
bronzeava a pele sem nos machucar,
porém tornou-se hoje em dia tão mesquinho!
E esses raios de luz a pele rasgam
e nos prendem ao chão como empalados,
plena a vingança que surge do arrebol,
em suas lâminas que a carne nos adagam,
entre barras de prisão acorrentados,
no vasto esgástulo criado pelo Sol.
ESTREMUNHO III
A luz solar projeta-se, insinuante,
em cada fresta e nesga sem piedade,
a despir-se o calor sem castidade,
em toda a intimidade penetrante;
mexeriqueira é essa luz brilhante,
penetra ilusória a tua privacidade,
expondo crus ao olhar da humanidade
todo segredo, até o mis humilhante,
que o Sol impõe a todos seu poder,
não é discreto qual da Lua a prata,
mas nos impele a todos de vencida,
talvez até querendo nos dizer,
nessas hástias de luz cortando a mata,
que ele é o amo e senhor de toda a vida!
COMPANHEIRISMO I – 26 janeiro 2024
Amor não se destina a
qualquer um,
sexo sim, com raras
exceções;
ambos os tipos de
atração compões,
no fim das contas,
isto é só lugar-comum,
mas não existe aqui
qualquer conumdrum,
podes ter ambos em
tuas divagações
ou optar por um só,
se assim propões,
também existe quem
prefira ter nenhum,
e existe amor que só
guardamos para nós,
amor perfeito, mesmo
despido de bonança,
que não se expõe à
adaga da esperança,
é como o amor de uma
rede de filós,
que não se abre a
captar as borboletas,
mas se contenta
possuir malhas secretas...
COMPANHEIRISMO II
A Biologia não dá forças a esse amor,
amor de alma é amor de fancaria,
para quem ama, é o sexo fantasia,
não se busca a reprodução em seu ardor;
mas é tão raro contentar-se com o calor
do amor companheiro oposto à Biologia;
quem junto ao par com frequência ficaria,
logo recai no outro amor tão tentador,
mas vejo os versos de poetas do passado,
a usufruir desse amor tão delicado,
que viver podiam junto a quem amavam
e até mostravam certa repugnância
por este amor carnal de plena instância,
enquanto as mãos só de leve se tocavam...
COMPANHEIRISMO III
Ai, mas por que assim nos fez a Biologia,
os homens pelo impulso dominados,
em sua semente se buscam derramados,
noite após noite e mesmo dia após dia;
enquanto às mulheres mais controle lhes daria,
um forte impulso nos momentos adequados,
o ventre e as trompas para o amor apressurados,
passado o impulso, pouco ou nada se queria.
Nos animais, isto é algo de perfeito,
o macho só procura esse direito,
quando respira da fêmea a prontidão.
Mas como é assim diversa a humanidade,
sem se entregar do macho à veleidade,
criou a mulher o amor do coração!
GLAMOUR I – 27
JANEIRO 2024
Comigo sempre foi
assim -- bem no começo,
quando o amor por
cada poro se escoava,
não era a carne
então que se buscava,
mais tarde
apenas, na mudança desse apreço,
ao amor do corpo,
pouco a pouco eu desço,
sempre ocorreu-me
assim quando eu amava;
claro que pelo
ventre enfim ansiava,
mas nesse amor do
corpo achando menos preço.
Só depois de
ultrapassar essa barreira
é que o amor
físico me alcançava inteiramente,
mas só com essa
que se mostrou alvo veemente.
A Biologia arma
sua jaula interesseira,
amor romântico
sendo a fonte da poesia,
porém são filhos
que de nós exigiria!...
GLAMOUR II
Não acredito seja só assim comigo:
a maioria busca tão só consumação,
porém românticos aqui e ali se encontrarão,
em que esse amor de jóia encontra abrigo.
Contudo há casos de bem maior perigo,
qual de Abelardo e Heloísa a situação,
o padre e a aluna enfim se tornarão
amantes físicos e compreendê-los bem consigo.
Mas Abelardo é castrado pelo pai
e num convento é encerrada a sua Heloísa,
e o malferido é enviado a uma abadia
e no entretanto, sua correspondência vai
o antigo amor espalhar qual fina brisa,
que até o final de seus dias seguiria.
GLAMOUR III
Não me ocorreu afinal um tal estrago,
mantendo o corpo em sua integralidade,
ainda inteira a conservar virilidade,
mas aos amores mais sutís ainda me afago,
olhos e corpos a contemplar com o olhar vago,
só imaginando de tais gozar felicidade,
sem recair no suplicar de sua bondade
e pelo amor do corpo jamais pago,
mas me recolho na Abadia da Poética,
quem me dera que uma igual estética
fosse esposada gentil por bem-querer!
De seu convento a me espreitar sem exigência,
mas que me amasse com igual potência,
conforme embora com jamais me pertencer...
RITO DE PASSAGEM
I – 28 JANEIRO 2024
Passam-se os anos
na alegria ou na tristeza
e a vida segue, a
nos deixar espanto,
brasas sem cor no
iluminar de cada canto,
faisões sem penas
a penar por sobre a mesa;
e os dias seguem
na farsa da beleza,
noites de lua a
provocar encanto,
rosto escondendo
as lágrimas do pranto
de que tudo há de
perder-se com certeza,
como o faisão, em
toda a sua pureza,
é depenado e
servido em refeição,
perante os dentes
de gulosa aceitação,
os anos passam a
depenar-nos com vileza,
na mesa posta
para a final consumação,
quando se apaga a
derradeira vela acesa.
RITO DE PASSAGEM II
De que nos serve então contemplação,
filosofia ante as penas desta vida?
Melhor os sonhos deixar à pura brida,
que o horizonte de ouro buscarão,
enquanto é forte a ferradura da ilusão,
estrada a percorrer desconhecida,
até a encruzilhada da ilusão perdida,
na qual, quem sabe? nos capturarão,
pois cedo ou tarde ocorre a captura,
certeza incerta no fulcro da existência,
os fados a nos mirar com complacência,
seja essa vida ilibada ou toda impura,
as três Moiras a esticar sua rede fina,
que Átropos corta com seu sorriso de menina.
RITO DE PASSAGEM III
Seria melhor então se controlar
essa passagem dos dias irrequietos?
Sem penas de faisão, asas de insetos,
de qualquer modo a erguer-nos pelo ar
para que ocorra na atmosfera a nos cercar
algum conúbio sob a copa dos abetos,
do amor fecundo a sermos objetos,
não os pacientes de uma ala hospitalar,
que a jovem-velha quer tarefa
completar,
de todo sonho e ilusão cortando o fio,
toda quimera de amor a depenar.
Mas quem sabe? se for
forte o meu cantar,
eu possa às Parcas seduzir enfim
e que de amor me teçam fio mais milenar?
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