quinta-feira, 25 de abril de 2024


 

 

A RAINHA DO MAR VII

 

Feliz de novo o almirante, pois recebera

A jovem noiva do rei, carga preciosa,

Mas cujo véu, realmente, não entendera...

 

Quando indagou, ela respondeu-lhe, ansiosa:

“Bati com o rosto quando naufraguei,

Estou inchada, cheia de manchas, horrorosa!

 

“Pior ainda, perna e braço ainda quebrei

E nesses meses, sem ter um tratamento,

Soldaram mal...  Acho até que me aleijei...”

 

Porque sua mãe lhe dera um bom ensinamento

Para explicar o horror de sua feiura,

Sem que pudesse haver contestamento...

 

Graças a tal desculpa sem lisura,

Foi a mentirosa até a real presença,

Fingindo ser inocente, boa e pura...

 

O almirante desculpou-se, com veemência:

“Majestade, aceito a culpa, inteiramente:

Não calculei uma borrasca assim tão densa...

 

“Se a pobre jovem se feriu, aceito totalmente

A culpa inteira desta infelicidade:

Dê-me o castigo que achar mais conveniente!”

 

Porém Dom João, com magnanimidade,

Que ninguém fora culpado declarou:

“Foi tudo apenas uma fatalidade...

 

“Que a pobre jovem torpemente lastimou,

Ficando assim tão feia em consequência...

Mas cumprirei o que meu pacto firmou...

 

“Portanto, casarei.  Creio que a Providência

Decidiu-se a castigar a minha vaidade

E à palavra dada não negarei valência!...

 

Foram as bodas marcadas, na realidade,

Para daí a três meses, que haveria

Tempo bastante para a grande quantidade

 

De roupas que o enxoval demandaria

E além disso, curaria alguns estragos

No rosto e ossos, com uma boa cirurgia...

 

Mas o rei não conseguia dar afagos

A essa noiva de aparência tão estranha

De rosto feio e de equilíbrios vagos...

 

Também o tempo suficiente assim se ganha

Para trazer-lhe os pais e seus irmãos:

Dinheiro envia para lhes aliviar tamanha

 

Pobreza, mais roupas e boas embarcações:

“Quero que todos da boda participem,

Confirmando minha nobreza de intenções...”

 

A RAINHA DO MAR VIII

 

A falsa Inês, antes que o enxoval equipem,

Insistia para a boda antecipar,

Afirmando não precisar de cada item;

 

A cirurgia também a recusar

E as três aias já estavam desconfiadas,

O seu temor indo ao Conselho denunciar...

 

Mas as promessas do rei estavam dadas

E ele afirmou não poder voltar atrás;

Possibilidades de herdeiro já esperadas...

 

“Tantos irmãos a condição me satisfaz;

Que seja feia é uma pena, realmente,

Mas tendo um filho, finalmente terei paz!”

 

Mas apressar o casamento não consente.

“São necessários, ao menos, os proclamas,

Ou a dispensa papal, naturalmente...

 

“Com esta mais tempo, no final, ainda conclamas;

Então espere, Inês, os cirurgiões:

Seu rosto ao menos consertar como reclamas!

 

“Virão em breve seus pais e seus irmãos

E deste modo, poderás matar saudades!”

Sem ter a intrujona as menores ilusões,

 

Exceto de sua mãe nas habilidades:

Qualquer feitiço ou malvada bruxaria

Atenderia às suas necessidades!

 

Prometeu a velha que logo chegaria

Na capital, ainda na mesma noite,

Só assim ninguém sua vinda assistiria

 

E a seus dois grifos daria algum acoite

Nas redondezas, em qualquer gruta secreta,

Depois chegando a pé, sem mais afoite!...

 

E como aos ventos a bruxa má afeta,

Nova borrasca veloz conclamaria,

Para o barco afundar em negra treta!

 

Toda a família de Inês se afogaria,

Sem que sua filha acabasse desmentida

E o casamento, afinal, se realizaria!

 

Estava a situação assim mantida,

Quando o ataúde encontraram os pescadores,

Vendo a moça achar-se viva, de saída

 

Persignaram-se, cheios de terrores,

Mas viram um crucifixo no seu peito,

Tranquilizados assim os seus temores...

 

Era a jovem cega e careca, mas defeito

Nenhum acharam em seu corpo e face:

“Foi resultado de maligno malfeito!...”

 

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