EM TROCA DESIGUAL I – 4
ABR 24
(ANGIE DICKINSON, coadjuvante Hollywood)
Escuto agora seus passos no banheiro.
Queria tanto descer por essa escada,
sua alma a contemplar toda lavada,
mais que a nudez que contemplei primeiro,
nessa nudez de um breve dia pegureiro,
seus penhascos eu galguei à luz alada,
como eu recordo da visão
maravilhada
desses seus seios de que hoje não me abeiro!
Duas estradas ao seu orgulho de mulher,
ante o pastor que era o pobre pretendente,
puro rubor a encadear-me em rubra fita,
que penetraram em meus olhos, sem sequer
poder jamais dela furtar-me permanente,
visão fugaz, mas que visão bendita!
EM TROCA DESIGUAL II
Pois seus seios contemplei
por vez primeira
no inicial dia desse
relacionamento,
encantado a me enlear nesse portento,
pensava em breve alcançar a
carne inteira!
Mas não era promíscua a
vivandeira:
só por orgulho ergueu-os
nesse alento,
mas sem mais nada me dar
nesse momento,
por beijo suave aguardei
semana inteira!
Mas não me repelia – apenas
me avaliava:
o que o poeta dela pretendia?
Buscava apenas um rito de
passagem?
E pouco a pouco com carinho
me enleava,
mas sem aviso depois me
repelia,
como soube envolver-me em tal
miragem!
EM TROCA DESIGUAL III
Mas reconheço não ser nada
calculado:
como era estranho esse
compositor!
Pois logo em breve poetava o
seu amor,
sem se atrever a algum gesto
mais ousado!
Os seus poemas decerto o
haviam marcado,
quem mais lhes emprestara
igual valor?
Mas tanta coisa havia em
desfavor!...
Seu próprio coração já
perfurado
por outro amor imenso que
entregara
a quem dela com prazer se
aproveitara,
mas sem jamais amá-la tal por
qual...
E agora vinha esse homem já
casado,
tão ansioso por manter-se do
seu lado,
amor eterno a oferecer-lhe
perenal!
EM TROCA DESIGUAL IV
Eventualmente me
aceitou. Juntos estamos
há tantas décadas! Todos os percalços
foram postos de lado. Os passos falsos,
tantas arestas que juntos
alisamos...
Contudo soube que do amor os
meus reclamos
foram aceitos tal como os
aceitara
o antigo amor que dela
desfrutara,
sem que jamais me votasse
iguais insanos.
Cá estamos nós. Do alto do escritório
ainda escuto seus passos no
banheiro,
ganhei sua vida, ganhei seu
corpo inteiro,
mesmo ganhei seu coração tão
merencório,
mas essa alma que eu queria
da rainha,
nunca me deu, qual devorou-me
a minha!
CLÁUSULA PÉTREA I – 5 ABR 2024
Esteno visitou-me com sua
máscara de estanho,
os seus cabelos em ofídico alvoroço:
“Não és digno de mim, meu pobre moço,
para tornar-te em pedra hoje
me acanho!
Não mereceste este meu arcano
amanho,
não és herói nem guerreiro, pastor grosso!
Nem sequer te jogarei em fundo fosso,
não te darei de meu olhar o ganho!...”
Eu lhe ofendi o semidivino orgulho,
de modo tal que não ganhei
sequer o esbulho
com que esmagara a tantos pretendentes;
fora a Górgona interior que assim ferira,
não por mim mesmo, fora outrem que a atingira,
pôs-me de lado no desdém de suas serpentes!
CLÁUSULA PÉTREA II
No outro dia, recebi Euríale, sua
irmã,
das três a bela, também de olhar
petrificante;
por momento, senti alívio nesse
instante,
talvez perdão a receber da irmã
louçã!
Bem ao contrário, empenhou-se
nesse afã
de dilacerar-me por dentro,
triunfante:
“Nunca amei o poeta e nem
interessante
achei teu verso de tessitura vã!”
“Se contigo falo agora, é por
piedade,
sem me cobrir, sem pentear-me de
serpentes,
eu mesma cobra, sei quão funda é
minha picada!
Mas sei quão fundo tens de mim
necessidade,
como afirmaste em vezes tolas tão
frequentes,
pois não te expulso assim de
minha esplanada!”
CLÁUSULA PÉTREA III
“Meu amor não perdeste, pobre
humano!
Mas nunca mais recobrarás minha
confiança,
sou semideusa e devoro a tua
esperança,
porém jamais te perdoarei por
esse engano!
Sequer que seja pela puerícia
desse afano,
mas por pensares, em tua mente de
criança
que me poderia enganar tua pobre
dança:
minha alma perdeste, para teu
próprio dano!”
Que poderia eu dizer, num
desespero
muito mais forte do que jamais
senti?
Sua irmã Medusa em moeda foi
cunhada
pelos Lesbiotas, da boa sorte o
apero,
mas tais moedas nunca tive e
nunca vi.
sequer a alma por mim tanto
sonhada!
CLÁUSULA PÉTREA IV
Quantas décadas de amor, um só
deslize
o suficiente para despertar-lhe a
ira!
Que uma mentira jamais me
permitira,
quanto bastara para tal premente
crise!
Já não achava por mais que o solo
pise,
que me levara a tão insólita
mentira,
que de tal condenação em torno
gira,
que a falsidade tão em breve se
agonize!
Contudo é deusa e nela achei
misericórdia,
sabe a que ponto o ser humano é falho,
como se perde no mais largo
atalho...
Recobramos assim nossa concórdia,
mas posso um dia desfraldar nova
esperança
de recobrar inteiramente a sua
confiança?
ARTÉRIAS DOANTANHO I – 6 ABRIL 24
Qual trindade ímpia abençoou meu adultério,
quando por ela supliquei ardentemente,
na mesma igreja em que sempre fora crente,
tal mandamento a relegar ao eremitério?
Não foi Deus Pai do Universo o Grão-Saltério,
nem foi Deus Filho, Verbo e Palavra mais potente,
restava a mim o deus Paráclito tão somente,
quais outros deuses a abençoar meu despautério?
Talvez o Demiurgo, gnóstico e imperfeito,
o filho adulterino que concebeu Sabedoria
ou foi o Abraxas, essa deidade indiferente?
Ou foi somente o
Consolador a dar-me direito
de alcançar tal pagã graça que eu queria,
acima e além de qualquer razão vigente?
ARTÉRIAS DOANTANHO II
Por certo tudo conspirava
contra mim:
fácil seria praticar o meu
pecado,
mas a mulher que assim queria
do meu lado
não era a carne pela carne
enfim.
Não foi duende a me comprar
assim,
que por minhalma tivesse-me
apoiado,
não foi um dote assim tão
deformado,
muito maior que ter seu
ventre carmesim.
Nem Mefistófeles, poderoso na
desgraça,
nem Asmodeus a me brindar com
sexo,
nem Azazel a espreitar-me do
deserto;
porém minhalma vendi, pura e
sem jaça,
no mais perfeito e inexorável
nexo:
vendi-me a ela de coração
aberto!
ARTÉRIAS DO ANTANHO III
Foi bem a tempo. Corri grave perigo.
Talvez se desse por pura
gratidão
a quem a buscava com grande
devoção,
mas em seu coração sem ter
abrigo.
Porém nessa manhã um deus
amigo
a impedira de entregar-se sem
paixão,
mas ainda adiando a nossa
comunhão,
até cumprir-se todo o ritual
antigo.
Que pôs de lado a quem antes
pertencia
e a quem tanto a queria nunca
pertenceu,
inquieta ainda se acolheria o
meu amor,
que a uma outra sem amor
ainda acolhia...
Qual trilha quântica aos dois
nos acolheu
no itinerário aljofrado de
esplendor?
ARTÉRIAS DOANTANHO IV
Quanto a mim, já
integralmente pertencia
à sua alma inquieta e
denodada mente,
desde a primeira visão tão
inclemente
que me acendrara para sempre
a fantasia.
Foi para Inanna, sem saber,
que rezaria,
a deusa antiga que olvidara tanta gente
e que reuniu quanto tinha
ainda imanente,
acasalando-nos na mais gentil
desarmonia.
Ou “tudo estava pronto”,
simplesmente,
para minhalma já desvendara o
seu canal
e assim nela penetrei
integralmente,
nesse esponsal do mais
virente arcano,
a nos mesclar em idêntico
caudal,
acima e além de qualquer
desejo humano.
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