segunda-feira, 15 de abril de 2024

 

Descrição: C:\Users\Windows7\Documents\ANGIE DICKINSON 6.jpg

 

EM TROCA DESIGUAL  I – 4 ABR 24

(ANGIE DICKINSON, coadjuvante Hollywood)

 

Escuto agora seus passos no banheiro.

Queria tanto descer por essa escada,

sua alma a contemplar toda lavada,

mais que a nudez que contemplei primeiro,

nessa nudez de um breve dia pegureiro,

seus penhascos eu galguei à luz alada,

como eu recordo  da visão maravilhada

desses seus seios de que hoje não me abeiro!

 

Duas estradas ao seu orgulho de mulher,

ante o pastor que era o pobre pretendente,

puro rubor a encadear-me em rubra fita,

que penetraram em meus olhos, sem sequer

poder jamais dela furtar-me permanente,

visão fugaz, mas que visão bendita!

 

EM TROCA DESIGUAL  II

 

Pois seus seios contemplei por vez primeira

no inicial dia desse relacionamento,

encantado a me enlear nesse portento,

pensava em breve alcançar a carne inteira!

Mas não era promíscua a vivandeira:

só por orgulho ergueu-os nesse alento,

mas sem mais nada me dar nesse momento,

por beijo suave aguardei semana inteira!

 

Mas não me repelia – apenas me avaliava:

 o que o poeta dela pretendia?

Buscava apenas um rito de passagem?

E pouco a pouco com carinho me enleava,

mas sem aviso depois me repelia,

como soube envolver-me em tal miragem!

 

EM TROCA DESIGUAL  III

 

Mas reconheço não ser nada calculado:

como era estranho esse compositor!

Pois logo em breve poetava o seu amor,

sem se atrever a algum gesto mais ousado!

Os seus poemas decerto o haviam marcado,

quem mais lhes emprestara igual valor?

Mas tanta coisa havia em desfavor!...

Seu próprio coração já perfurado

 

por outro amor imenso que entregara

a quem dela com prazer se aproveitara,

mas sem jamais amá-la tal por qual...

E agora vinha esse homem já casado,

tão ansioso por manter-se do seu lado,

amor eterno a oferecer-lhe perenal!

 

EM TROCA DESIGUAL  IV

 

Eventualmente me aceitou.  Juntos estamos

há tantas décadas!  Todos os percalços

foram postos de lado.  Os passos falsos,

tantas arestas que juntos alisamos...

Contudo soube que do amor os meus reclamos

foram aceitos tal como os aceitara

o antigo amor que dela desfrutara,

sem que jamais me votasse iguais insanos.

 

Cá estamos nós.  Do alto do escritório

ainda escuto seus passos no banheiro,

ganhei sua vida, ganhei seu corpo inteiro,

mesmo ganhei seu coração tão merencório,

mas essa alma que eu queria da rainha,

nunca me deu, qual devorou-me a minha!

 

CLÁUSULA PÉTREA I – 5 ABR 2024

 

Esteno  visitou-me com sua máscara de estanho,

os seus cabelos em ofídico alvoroço:

“Não és digno de mim, meu pobre moço,

para tornar-te em  pedra hoje me acanho!

Não mereceste este meu arcano  amanho,

não és herói nem guerreiro, pastor grosso!

Nem sequer te jogarei em fundo fosso,

não te darei de meu olhar o ganho!...”

 

Eu lhe ofendi o semidivino orgulho,

de  modo tal que não ganhei sequer o esbulho

com que esmagara a tantos pretendentes;

fora a Górgona interior que assim ferira,

não por mim mesmo, fora outrem que a atingira,

pôs-me de lado no desdém de suas serpentes!

 

CLÁUSULA PÉTREA II

 

No outro dia, recebi Euríale, sua irmã,

das três a bela, também de olhar petrificante;

por momento, senti alívio nesse instante,

talvez perdão a receber da irmã louçã!

Bem ao contrário, empenhou-se nesse afã

de dilacerar-me por dentro, triunfante:

“Nunca amei o poeta e nem interessante

achei teu verso de tessitura vã!”

 

“Se contigo falo agora, é por piedade,

sem me cobrir, sem pentear-me de serpentes,

eu mesma cobra, sei quão funda é minha picada!

Mas sei quão fundo tens de mim necessidade,

como afirmaste em vezes tolas tão frequentes,

pois não te expulso assim de minha esplanada!”

 

CLÁUSULA PÉTREA III

 

“Meu amor não perdeste, pobre humano!

Mas nunca mais recobrarás minha confiança,

sou semideusa e devoro a tua esperança,

porém jamais te perdoarei por esse engano!

Sequer que seja pela puerícia desse afano,

mas por pensares, em tua mente de criança

que me poderia enganar tua pobre dança:

minha alma perdeste, para teu próprio dano!”

 

Que poderia eu dizer, num desespero

muito mais forte do que jamais senti?

Sua irmã Medusa em moeda foi cunhada

pelos Lesbiotas, da boa sorte o apero,

mas tais moedas nunca tive e nunca vi.

sequer a alma por mim tanto sonhada!

 

CLÁUSULA PÉTREA IV

 

Quantas décadas de amor, um só deslize

o suficiente para despertar-lhe a ira!

Que uma mentira jamais me permitira,

quanto bastara para tal premente crise!

Já não achava por mais que o solo pise,

que me levara a tão insólita mentira,

que de tal condenação em torno gira,

que a falsidade tão em breve se agonize!

 

Contudo é deusa e nela achei misericórdia,

sabe  a que ponto o ser humano é falho,

como se perde no mais largo atalho...

Recobramos assim nossa concórdia,

mas posso um dia desfraldar nova esperança

de recobrar inteiramente a sua confiança?

ARTÉRIAS DOANTANHO I – 6 ABRIL 24

 

Qual trindade ímpia abençoou meu adultério,

quando por ela supliquei ardentemente,

na mesma igreja em que sempre fora crente,

tal mandamento a relegar ao eremitério?

Não foi Deus Pai do Universo o Grão-Saltério,

nem foi Deus Filho, Verbo e Palavra mais potente,

restava a mim o deus Paráclito tão somente,

quais outros deuses a abençoar meu despautério?

 

Talvez o Demiurgo, gnóstico e imperfeito,

o filho adulterino que concebeu Sabedoria

ou foi o Abraxas, essa deidade indiferente?

Ou foi somente  o Consolador  a dar-me direito

de alcançar tal pagã graça que eu queria,

acima e além de qualquer razão vigente?

 

ARTÉRIAS DOANTANHO II

 

Por certo tudo conspirava contra mim:

fácil seria praticar o meu pecado,

mas a mulher que assim queria do meu lado

não era a carne pela carne enfim.

Não foi duende a me comprar assim,

que por minhalma tivesse-me apoiado,

não foi um dote assim tão deformado,

muito maior que ter seu ventre carmesim.

 

Nem Mefistófeles, poderoso na desgraça,

nem Asmodeus a me brindar com sexo,

nem Azazel a espreitar-me do deserto;

porém minhalma vendi, pura e sem jaça,

no mais perfeito e inexorável nexo:

vendi-me a ela de coração aberto!

 

ARTÉRIAS DO ANTANHO III

 

Foi bem a tempo.  Corri grave perigo.

Talvez se desse por pura gratidão

a quem a buscava com grande devoção,

mas em seu coração sem ter abrigo.

Porém nessa manhã um deus amigo

a impedira de entregar-se sem paixão,

mas ainda adiando a nossa comunhão,

até cumprir-se todo o ritual antigo.

 

Que pôs de lado a quem antes pertencia

e a quem tanto a queria nunca pertenceu,

inquieta ainda se acolheria o meu amor,

que a uma outra sem amor ainda acolhia...

Qual trilha quântica aos dois nos acolheu

no itinerário aljofrado de esplendor?

 

ARTÉRIAS DOANTANHO IV

 

Quanto a mim, já integralmente pertencia

à sua alma inquieta e denodada mente,

desde a primeira visão tão inclemente

que me acendrara para sempre a fantasia.

Foi para Inanna, sem saber, que rezaria,

 a deusa antiga que olvidara tanta gente

e que reuniu quanto tinha ainda imanente,

acasalando-nos na mais gentil desarmonia.

 

Ou “tudo estava pronto”, simplesmente,

para minhalma já desvendara o seu canal

e assim nela penetrei integralmente,

nesse esponsal do mais virente arcano,

a nos mesclar em idêntico caudal,

acima e além de qualquer desejo humano.

 

 

 

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