segunda-feira, 29 de abril de 2024


 

(Recuperação de antigos sonetos que estariam perdidos para sempre em um incêndio, se não tivessem sido guardados por ela em uma pasta de carinho, antes mesmo que me confessasse o seu amor).

 

DEGRADAÇÃO – 06 ABR 79

(Danielle Darrieux, apogeu cinema francês)

 

Amor um dia, em gesto cintilante

Eu te entreguei qual áureo recipiente,

De seiva estuante e de esplendor frequente,

Qual estrela matutina e chamejante.

 

Meses depois, pediste casuarinas,

Para expor em tua sala à luz mortiça;

E ao deixar de ser bela, quebradiça.

Acinzentou-se em ramas peregrinas...

 

Não resistindo à geada matutina,

Furtada a estrela pela ventania,

Viçoso fora o nosso amor outrora,

 

Tornou-se cinza, tal que a casuarina;

E como a casuarina, veio um dia,

Em que tiveste de lançá-lo fora...

 

BAILE – 08 abril 1979

 

Tenho da vida grão ressentimento,

Pelo bem que não tive e não terei,

Pois tanta coisa de simples não gozei

Na hora aprazada e em seu gentil momento.

 

Fiquei aqui suplicando desatinos,

A mastigar aromas e perfumes,

Mesclados de palor e de azedumes

Pelo velório de sonhos peregrinos...

 

Que meus dias à toa se escoassem,

Que meus desejos nada realizassem

É afinal, destino bem comum...

 

Mas que eu fosse tão fértil em desejos!

Que desejasse, enfim, ter tantos beijos

Quantos sonhei e não vivi nenhum!

 

ENREDO – 7 abril l979

 

Pois fazer mil sonetos é bem fácil:

É não fazer o quanto mais se deve,

É nunca responder quem nos escreve,

É não aventurar-se ao bem mais grácil;

 

É ficar sempre isento de alegria,

É privar sempre de amor o coração,

É guardar-se somente na ilusão,

É fingir não sentir quanto sentia;

 

É maanter-se no escuro em claro dia,

É faminto ficar-se de desejo,

É pretender-se surdo à malodia;

 

É fugir-se do ardor ao puro ensejo,

É furtar-se aos aromas da elegia,

Para perder-se no sonho de teu beijo...

 

 

 

 

 

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