terça-feira, 9 de abril de 2024


 

 

RESMAS DE SONHOS I – 25 MAR 2024

 (GREER GARSON)

Só fico a imaginar o quanto ocorreria,

caso viesses à minha cama nesta noite,

se me acordasses com inesperado afoite,

quais os convites no sorriso que haveria

 

de despertar minhalma que até cria

jamais poder te partilhar em tal acoite,

arrancada por chibata em tal açoite:

que durante os dias tão só te encontraria.

 

Sabem os deuses o quanto assim sonhei,

prostrado em catre da mais fina solidão,

embora há poucas horas houvesse te abraçado

 

e para o vácuo de meus sonhos retornei,

nesta minha espera de total dissolução,

vazio do tempo para ti mesma só guardado.

 

RESMAS DE SONHOS II

 

O fato é que quiseste me afastar,

que mais não fosse para pensar somente em ti,

na solitude em que estas horas me iludi,

liberta assim do dever de me abraçar.

 

Qual minha importância para teu imaginar,

  Mais do que as horas em que teu amor possuí,

mais que momentos de mansidão que convivi,

após teu pálido e doce rescaldar,

 

quando de ti me deste uma ração,

mas nunca a encher inteiramente minha tigela,

sempre assim a assegurar meu apetite

 

de em ti buscar sempre mais atenção,

mesmo que a face e tua figura bela

acedessem gentilmente a meu convite.

 

RESMAS DE SONHOS III

 

E assim só mastiguei condescendência,

resmas de sonhos para dormir comigo,

celular e notebook o teu abrigo,

meu amor a aceitar com impaciência,

 

mas trago resmas de pura impertinência

e perturbo teu olhar de ardor antigo,

deste-me o tempo a merecer qualquer amigo,

para depois afastar-me sem leniência.

 

E assim espero em vão por tua visita...

Por que haverias tais escadas de subir,

se já teu beijo fora antes partilhado?

 

Contudo espero amargurado e mesmo aflito,

em mais pencas de amor a traduzir

esse amor que só aos poucos me foi dado.

 

RESPIGARES DE AMOR I – 26 MAR 2024

 

Eu quis teus beijos saborear em chama gris,

beijos gretados por amarguras vis;

queria brotassem para mim em chafariz,

num terciopelo de fitas de esmeralda.

 

Quis cada beijo que a mente me rescalda,

distribuídos nesse cio de escassa falda,

raros no ventre, numerosos em minha espalda,

beijos vertidos em gotas de rubis.

 

Eu quis teus beijos que a outrem pertenciam,

que teu amor soube apenas saborear,

sem em nada retribuir a tua paixão;

 

até o ponto, afinal, que me queriam,

outrem que fosse enfim a abandonar,

mas saboreando de mim louca ilusão.

 

RESPIGARES DE AMOR II

 

Estão comigo os beijos.  Guardo-os bem,

sabor de almíscar e de antigo cardamomo,

já muitos saboreei, gomo após gomo,

em prateleiras da mente estão também

 

os beijos em conserva que retêm

a alma inteira, sem conciliar o sono,

beijos entregues de que finjo ser o dono,

beijos de trigo, de açafrão e de azevém.

 

Guardei teus beijos com sofreguidão,

sei meu amor ser bem mais forte do que o teu,

beijos perdeste com quem não te mereceu.

 

Não sobram muitos a ser dados com paixão,

mas os conservo sem grande desaponto,

beijos dedilho a sonhar ponto por ponto.

 

RESPIGARES DE AMOR III

 

Ah, como entendo o quão amaste um dia!

O amor te abriu tão plena de paixão...

Quem te possuiu sempre buscou o seu perdão

ao confessionário que com constância ia.

 

Assim Ato de Contrição o perdoaria,

para de novo usufruir de tua emoção,

mas de alma profana, isento de noção,

de amor gozava, só a fingir correspondia.

 

Mas agora o protocolo se inverteu,

tu me concedes, sei mesmo com prazer,

mas não o amor que então desperdiçaste.

 

Devoto é o coração apenas meu,

ao qual atendes com uma certa nostalgia:

forte este amor, mas não o que então amaste!

 

LUZES DE ESPERA I  -- 27 MAR 24

 

Apago a luz e se põem a cintilar

essas dezenas de luzes pequeninas,

como um bando de imóveis bailarinas,

reflexos são de espanto a me buscar,

 

uns vêm do corredor, a se infiltrar,

outras chegam pela sacada, cristalinas;

não é escuro, afinal, brilham boninas,

nessa silente multidão do acompanhar,

 

pela janela a bordejar meu leito,

pingam as tésseras desde a rua de trás,

de vez em quando esmaecidas por faróis,

 

cruzam-me o rosto, assentam-se no peito,

de mim afastam cem lembranças más,

cantos fractais em tais pequenos sóis...

 

LUZES DE ESPERA II

 

Porque afinal, qual outra companhia

conseguiria receber no meu divã?

Apenas a esperança, essa coisa tão malsã,

que ao fundo do cofre tenaz se prenderia...

 

Muito Pandora então se esforçaria,

Epimeteu a energizar sua força vã:

somente juntos extraíram com afã

o pior dos males, que sair nem pretendia...

 

Assim as luzes que meus cilios ferem

cortam meus males com sutis trejeitos,

mas sem que novas esperanças ali gerem.

 

Melhor guardar meu despeito e minha saudade

e deglutir com bom conhaque meus defeitos,

leves fagulhas a me falsear vivacidade.

 

LUZES DE ESPERA III

 

Assim me perco na ilusão desse onanismo,

são olhos puros de amor incandescente,

são sombras puras de amor indiferente,

brilhos apenas a excitar o meu modismo.

 

Eu poderia, sei bem, e às vezes cismo

ir fechar a porta do quarto inteiramente,

correr os postigos contra a luz intermitente,

porém não o faço e aos vagalumes crismo.

 

Esta é aquela que amei no meu passado,

fulgurante de dó o seu fantasma;

essa é aquela que a mim um dia deu amor,

 

mas destelhou-se em seu amor amargurado;

enfim é esta que minhalma inteira orgasma,

brilho feliz em pobre naco de esplendor.

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