PEREGRINAÇÃO I – 1º ABRIL 2024
(GLORIA GRAHAME, cinema mudo Hollywood)
Deus meu, empurra para mim a minha amada,
que não fique assim tão longe em sua vaidade,
que a possa ter em plena liberdade,
inteira e pura como alma consagrada!
Que não mais se retraia em opacidade,
mas capture meu reflexo na alvorada
no fundo de suas vistas em tal inermidade,
em petéquias acorrentado de verdade!
Que sangue são, hemácias atreladas
a esse veio de alabastro cristalino,
em que tive o prazer de me afogar:
que das grades de seus cílios eu pudesse,
agrilhoado inteiramente em branda prece,
mas sem querer jamais me libertar!
PEREGRINAÇÃO II
Deus meu,
conserva minha essa princesa,
por mais que a
tenha degradado o meu amor;
sempre indigno me
senti de seu ardor,
qual se a pudesse
corromper com minha vileza!
De mim afasta
esses laivos de incerteza,
que eu saiba
sempre que me aquece o seu calor
e me enobreça com
todo o seu fulgor,
nada mais santo
que sua heráldica nobreza!
E assim me prendo
nos cílios de seus olhos,
entre as íris e os
puros cristalinos,
sem o temor de
despencar-me em liberdade
e que não possa
escorregar desses refolhos,
mas ali fique em
meus ardores peregrinos,
somente dela e em
total lubricidade!
PEREGRINAÇÃO III
Pois o que seria
de mim sem este amor,
e cada vez que
alguém mais a fitasse
a minha presença
seu ardor atrapalhasse,
que o maculasse
com meu próprio fulgor
e em cada olhar
que pretenso se estampasse
ela mostrasse
qualquer grau de dissabor,
que eu assim
descolorisse seu fervor,
que tentação alguma a espicaçasse!
Pois não é tão
importante me pertença,
mas que perceba
quanto pertenço a ela,
inteiro, intacto
e irremediavelmente!
Amada minha,
deusa plena de minha crença,
peregrinação mais
fiel que a Compostela,
minha concha em
sangue a alimentar sua mente!
SIGYZIA I – 2 ABRIL 2024
Amei a mulher mais linda da cidade,
depois que havia respingado sua beleza
nos olhos de outros, sem perdê-la com certeza,
mas não a mesma de sua inicial festividade;
nunca o pude comparar, é bem verdade,
fotos só mostram uma branda singeleza,
reflexos da luz a captar em sutileza,
jamais a vida que espalhara em saciedade.
Mais tarde, é claro, se captava o movimento
com filmadoras e hoje em dia, qualquer
pode emprestar-se toda a vida de mulher
ou ao menos o gesticular de algum momento...
Não saberia até que ponto a formosura
se restringeria à juventude que perdura...
SIGYZIA II
Certo é que a
encontrei ainda bela,
facilmente a
desprezar comparação
com alheios
traços, na fonte da ilusão,
ostentados por
tanta outra donzela;
também é certo
que a beleza não congela,
passam-se os anos
em perene mutação,
até enfraquece o
troar do coração,
mais fundos
traços a impor-se sobre ela...
mas não foi sua
lindeza a chamar minha atenção:
quando eu a
conheci, sequer a cobiçava,
era corrente que
a outrem pertencia,
mas foi sua mente
a fonte da atração,
belos poemas que
aos poucos me mostrava,
foi à sua alma
que me devotaria...
SIGYZIA III
Eu me encantei e
os olhares de piedade
de suas amigas
jamais considerei,
mulher igual
nunca jamais encontrarei,
minha própria
alma devorou-me sem maldade.
Com ela vivo a
plenos olhos da cidade,
eu lhe pertenço e
jamais me afastarei;
se é minha de
fato, como o saberei?
Só sei que nunca
me tratou com falsidade.
Amei a alma que
mais a mim correspondia,
sem desvendar
seus escaninhos mais secretos,
sem merecer sua
confiança em plenitude;
porém ela me
aceitou com galhardia,
tudo o que sou,
eu devo a seus afetos,
tudo o que tenho
granjeou-me em sua virtude.
ARCONTE I – 3 ABRIL 2024
No crisol se derrete o pó de ouro
e eu também me derreti no teu crisol:
lá fui pilado do entardecer ao arrebol,
nesse teu ventre, sem encontrar desdouro.
Nesse teu ventre de que me espia o Mouro,
o Mulato, o Cigano, o Judeu e o Espanhol,
toda mulher do mundo nesse rol,
de toda a raça o mais perfeito ancoradouro,
mesmo daquelas etnias que desprezas:
és a Egipcíaca que criou o banho-maria,
és Marguerite, que a própria alma queria
sacrificar pelo Fausto de ímpias rezas,
dessa Francesca que em Rimini mataram,
quando seu Paolo encontrou e se abraçaram.
ARCONTE II
Só te encontrei
no meio da existência
e nos teus
braços, enfim, foi que nasci,
bênção divina
maior que já pedi,
que compensou-me
a inermidade da impotência;
talvez pecado se
abençoasse em tal vivência,
a confessionário
jamais me dirigi,
sem contrição a
ti apenas me atribuí
e fui remido por
teu calor de pura ardência.
Pinguei em ti
minhas gotas mais impuras
e as recebeste
com arcana gratidão,
sabem os deuses
que castigo nos darão...
Mas para minhas
angústias foste as curas,
para as tuas fui
só imperfeito galardão,
meu fraco amor
que em teu perfeito ainda perduras.
ARCONTE III
Eu vejo em ti
toda a paixão secreta,
olhos argutos de
tantas catacumbas,
as vistas transparentes
dessas tumbas,
cada heroína e
cada mãe dileta;
eu vejo em ti a
alquimia mais completa,
o chumbo me
tomaste em tantas rumbas
e o transformaste
no ouro em que me alumbras,
cumprida em mim
tua profecia de exegeta.
Vejo em tuas
células a lembrança do que fui,
essa ascendência
sobre quanto eu sou agora,
o equinócio de
mil futuras gerações.
É junto ao teu
que o sangue me reflui,
senhora minha do
porvir, de todo o outrora,
em que me perco à
luz dos turbilhões.
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