CANÇÕES DE GELATINA I – 28 MAR 24
Cada canção que me emerge do passado,
da gelatina do tempo esverdinhado,
faz-se canção de amor apaziguado,
não brota lágrimas das vistas dos jograis:
são arlequins de perdidos carnavais,
gélidas hóstias de cibório conservado,
mas os mais puros dos versos são sensuais,
nesse ostensório de meu peito amarfanhado
e conto as contas do rosário manejado,
contas de sebo dos suores de meu peito;
budista eu fosse, teria moinhos de orações,
porém Borobudur foi soterrado (*)
dos Holandeses tão somente avisa o leito,
olhos puxados cobriram as cinzas dos vulcões.
(Grande templo em Java)
CANÇÕES DE
GELATINA II
Volam no v ento em luz de lamparina,
pássaros cegos a
bicar-me o coração,
cada picada a
gotejar nova canção,
em comercial
afinal da própria sina
e cada hemácia de
meu sangue se destina
a despontar em
meu peito brotação;
eu as engolfo nos
fractais de meu pulmão,
em hemoptise me
percorre e me fascina.,
Se houvesse
tempo, eu prenderia o passado,,
mas tão veloz
corre essa inspiração!
Se não a acolho,
me rasga o coração
E vai passando,
sem me dar seu fado...
Ai de mim,
prestamista da ilusão,
versos alheios a
repassar atribulado!
CANÇÕES DE
GELATINA III
Não, minha amiga,
de amor hoje não esperes,
não vim solerte a
te fazer a corte,
sou só fantasma
de transparente porte,
que roubou do
passado as priscas eras,
mas em teus
cílios aceitação me geras
tuas íris
espelhas do mais antigo norte,
humor vítreo a
derramanar-se nesse aporte,
escleróticas
manto real de mortas feras,
mas por teus
olhos alcanço o teu quiasma
e subo ao gânglio
que perpetua teus sonhos,
como eu queria
trazer-te só alegria!
Mas só te posso
fecundar, pois sou fantasma,
no suicídio dos
ideares mais bisonhos,
em que canção só
de teus lábios brotaria!
NÚMERO DE HOMEM I – 29 MARÇO 2024
Quantos te amaram na esfera do desejo,
mulher bonita, a mais linda da cidade,
lábios de rosa a captar virilidade,
botões de sonho a me assoprar um beijo!
Há tantos anos já! Eu era
só um andejo,
sem pouso ou paradeiro em realidade,
louvado apenas por invulgar capacidade
deste meu cérebro citadino e sertanejo.
Não foste minha, então.
Só de curiosa,
pediste à amiga que me convidasse,
que nos deixou a sós por um pretexto,
mas em minhalma a se gravar viçosa
essa imagem que perpétua me encantasse
e em mim gravasse um final palimpsexto!
NÚMERO DE HOMEM
II
Cada glifo de meu
antigo juramento
foi destacado com
o gume de um cinzel,
canção de gesta a
grafar em tal quartel,
arcano gótico em
meu pleno pensamento,
passados anos, a
partir desse momento,
sem que tocasse
em teus seios de mel,
o palimpsexto
guardei sob o burel,
seu sacerdote até
meu último alento...
Como soubeste me
prender em tal instante!
E como foi que a
pedir prenda me atrevi
à mais bela
mulher que então já vi?
Para outrem foi
minha saga de hierofante
e a tal amor fui
eternamente condenado
só pelo olor
desse teu peito perfumado!
NÚMERO DE HOMEM
III
Que se passasse
assim, ano após ano,
tu em tuas
graças, eu em meus afanos,
as contas de meus
rosários soberanos,
presas ao cíngulo
do mais total afano!
Três meses e três
dias, ano tríplice de insano,
teu tempo igual,
sem semelhantes danos,
trezentos e
trinta e três os dias arcanos,
trezentos e
trinta e três de ideário humano!
Os teus e os meus
em só número afinal,
em tal frequência
a afrontar o imaginário,
seiscentos e
sessenta e seis, em seu total!
Apocalipse só em
duas vidas a se expandir,
nessas trombetas do perpetuíssimo sacrário,
perdido em ti sem
jamais me redimir!
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