CÉLULAS ÀS PRAIAS I – 30 MAR 24
(Nesta noite, sofri um tombo e rolei escada
abaixo. De certo modo, fui lançado ao mar.)
(MARISKA HARGITAY, "OLIVIA BENSON")
Os mortos marcham pelo chão do mar,
tentando desfazer-se das mortalhas,
sacos de lona ou qualquer coisa que as valhas
de uma amurada sem incenso os derramar.
Talvez eu tenha sido um rei no ar,
contudo a morte me colheu em suas metralhas,
ossos em pó que em tombadilho espalhas,
baldes de água no convés a derramar,
para aquilo que sobrou o cerimonial,
lá rugiram os canhões que não comando,
bandeiras pandas não mais sob o meu mando,
restos de sangue em guisados, afinal,
lançados às vagas, qual ato de obediência,
peixes rasgando minha lona em impertinência.
CÉLULAS ÀS PRAIAS II
Mas em cada fragmento abandonado
tudo de mim existe em rubra glória,
não recebendo um preito, nem
memória,
salvo das bocas famintas do pescado,
a disputar entre si cada bocado,
nem James Ensor a pintar-me a
escória,
de meu crânio a destilar-se a
história
em cada peixe assim alimentado,
sem meu cadáver converter-se em pó,
eu vaguearia por planícies abissais,
julgando os Campos Elíseos
percorrer,
mas ao invés de diluir-me nessa mó
eu subiria às praias de corais,
aos grãos de areia, enfim, a
pertencer.
CÉLULAS ÀS PRAIAS III
Não te espantes no macabro de meu
sonho,
do bom combate não me apartarei,
pelos pés dos veranistas subirei
e nos seus cérebros minhalma assim
reponho;
talvez te assuste o meu ideal
medonho,
mas entre “espumas flutuantes”
bailarei,
igual ao poeta cuja voz tanto
escutei,
nesse romântico ideário que
proponho:
tantos de mim lançados para o mar,
sem lona ou lastro ou qualquer
cerimonial,
mortas escamas sem saber que o eram,
enfim libertas de sua magia
bascular,
dormem as células sem luz de
castiçal,
sob as pegadas que mil pés alheios
geram!
AMOR EM AARU I – 31 MAR 2024
(A Terra Egípcia dos
Mortos)
Sobre o tapete de amor
de teus pelos pubianos
eu voarei por entre as
praias do infinito;
em tua cornucópia eu
soprarei meu grito,
invocando as trombetas
dos sonhos mais arcanos;
no clangor ressequido
dos últimos afanos
apocalipsarei os
armageddons que habito
sobre o monte de ossos
secos mais bonito
que o imaginar me
conceberá em desenganos;
em tua carne
derramarei o meu Jordão,
minha flor deserta da
fiel Jerusalém,
entre as palmeiras que
se erguem de teus seios,
no carmesim do mais
puro sermão
e no rosário de teus
dentes eu também
me perderei, permeio à
saga dos receios.
AMOR
EM AARU II
Existe
abismo em teu púbis solitário,
doce
penhasco em que me perderei,
no
teu clitóris meu amor afogarei,
perante
a vulva de teu leito solidário;
sou
peregrino, anacoreta perdulário,
mas
todos os meus dias de tua fonte beberei,
sobre
teu hímen meu corpo verterei,
até
tuas trompas perseguir em meu ordálio,
meu
ser minúsculo ante a rósea penedia,
membranas
feitas de acendrado pensamento,
de
Bertholin sorvo o aquoso julgamento,
em
teus orvalhos meu altar alcançaria,
em
teus degraus a buscar qualquer assento,
simples
esperma congelado em tal momento.
AMOR
EM AARU III
Necromancia
encontrarei nesse fanal,
não
mais que o chefe da longa caravana,
flagelo
simples que todo o ardor inflama,
pobres
gametas a afogar-se no abissal,
tal
qual um dia, no instante mais fatal,
eu
deslizei pela carne que se afana
e
fui meu pai nessa uterina chama,
tantos
de mim a extingui-se no plural
e
nessa minha função sobrevivente,
de
novo eu sou o carrasco sem perdão,
mais
uma vez em deeneá me espanto,
contra
milhões de potência indiferente,
absorvidos
enfim ness mansão,
sem
sepultura nem gotejar de pranto!
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