A IDEIA DESPOJADA I – 23 JUL 21
De que serve uma ideia sem acento?
É sempre o assento que confirma a idéia,
Sem tal assentamento de sua estréia
Toda ideia se desfaz no firmamento.
Para que serve uma ideia sem assento,
Já que é o acento que caracteriza a déia;
como uma série de ideias sem cadeia
irá levar à formação do pensamento?
Pois decidiram matar o pobre acento,
assim tornando mais átonas as ideias,
suas grafias sem ideais serão mais feias
e perderão toda a força de um assento,
despojadas assim do céu da glória,
sem que se assentem firmemente na memória!
A IDEIA DESPOJADA II
De que serve uma epopeia sem acento?
Falta um remo para o augusto marinheiro,
falta a travessa firmando o bote inteiro,
falta o chifre do unicórnio no portento!
E de que serve uma epopeia sem assento?
É transmitida de boca em boca no primeiro
relato, distorcido já sendo no terceiro,
misturado com mil outros tal evento!
Certo é que o acento é a coroa da epopéia,
é o elmo que protege heróico olhar,
é o próprio herói que cede o nome ao drama;
sem ter acento como a saga se derreia,
fica o épico sem força a despencar,
perdida a graça que minha infância iria
lembrar!
A IDEIA DESPOJADA III
De que serve Dulcineia sem acento?
Será que assim Don Quixote a reconhece?
Será o objeto de sua solitária prece,
enquanto dorme gélido ao relento?
E de que serve Dulcinéia sem assento?
A garupa do cavaleiro nunca aquece,
sobe de um lado e pelo outro desce,
nem Cervantes controlará seu movimento!
Sem acento em Dulcineia del Toboso,
havendo assento até de sobra no escudeiro,
Sancho Panza o antitético guerreiro,
fica o nome destituído do formoso,
sem acento em germinal cavalaria,
sequer moinhos de vento alcançaria!...
DÁDIVAS FELINAS I – 24 JUL 2021
Não quero escrever mais nada sobre gatos,
por mais que os veja sempre a meu redor;
mais que presença, eu sinto o seu odor,
pela casa penetrando quais boatos,
sempre maléficos, muito mais que fatos,
mesmo vestigios reais ficando a expor,
pelos cantos da casa, sem pudor,
talvez avisos em prevenção de ratos.
Afirmam que são bichos muito asseados.
Isso eu não sei. Recusam as
bandejas,
defecam e urinam ao derredor da casa;
talvez não tenham sido bem treinados,
mas a cada vez que no meu lar estejas,
pelas janelas notarás que o cheiro vaza!
DÁDIVAS FELINAS II
Presentemente, temos apenas um cãozinho,
a urinar acostumado sob a escada;
ficam jornais a servir-lhe de almofada:
também não deixa de ter o seu cheirinho!...
Mas muito menos ofensivo que o daninho
odor de gatos em sua missão safada
de demonstrar quem manda na empreitada:
por onde andam, demarcam seu caminho!
De nada adianta não termos mais um gato,
sempre existem esses gatos dos vizinhos,
ou quem sabe, gato vadio, gato de rua,
que as janelas invade em desacato,
sobre os tapetes deixando presentinhos,
e em seu triunfo, sai miando à luz da Lua!...
DÁDIVAS FELINAS III
Não resta dúvida que a ausência de um bichano
deixa recado para os bravos roedores:
“Podeis entrar aqui todos, sem temores,
não há um gato atrapalhando vossos planos!”
Sempre há ratoeiras disponíveis no lugar
e algum veneno para os temidos invasores,
mas é o cheiro de gatos que os pendores
realmente impede no decorrer dos anos!...
Para azar meu, os gatos do vizinho
não contribuem aqui com cheiro suficiente:
resta um cachorro como o único agente,
mas na Patrulha Canina está sozinho
e o que impressiona é sua disposição
para agir como um felino em ocasião!...
CANÇÃO DE GESTA I – 25 JUL 21
ERA UMA VEZ UM VELHO CAVALEIRO
CHAMADO POR SEU REI PARA MISSÃO;
AJOELHOU-SE A ASSINALAR SUBMISSÃO,
MAS AO ERGUER-SE, NO MOMENTO DERRADEIRO,
APOIOU-SE NA ESPADA POR INTEIRO
E ESTA SE QUEBROU SOB SUA MÃO:
O POBRE CAVALEIRO FOI AO CHÃO,
ÀS GARGALHADOS DO POVO ZOMBETEIRO.
PORÉM O REI NÃO RIU.
SINCERAMENTE,
OLHOU EM TORNO COMO A EXIGIR SILÊNCIO
E LHE DISSE QUE SUA ESPADA ENFERRUJADA
HAVIA FICADO POR SEU USO INFREQUENTE.
O CAVALEIRO ERGUEU-SE, COM BOM SENSO,
JUROU CUMPRIR A MISSÃO ENCOMENDADA.
CANÇÃO DE GESTA II
MÚLTIPLOS CONTOS ENVOLVEM CAVALEIROS,
ALGUNS DELES MENCIONADOS COMO “ANDANTES”,
EMBORA SEJAM, DE FATO, CAVALGANTES:
SÃO OS CAVALOS QUE TROTEIAM BEM LIGEIROS...
OU ENTÃO A PASSO, EM CAMINHOS PEGUREIROS,
TRILHAS ESTREITAS A REQUERER INSTANTES
EM QUE OS GINETES OS PUXAM VIAS ADIANTES,
CASO CONTRÁRIO, NÃO TERIAM PARELHEIROS
QUANDO CHEGASSEM À TORRE DA PRINCESA
E ALI TIVESSEM DE ENFRENTAR DRAGÃO
E MAIS O MAGO E AINDA ASTUTA FEITICEIRA,
BEM MAIS DIFÍCIL EXECUTAR A SUA PROEZA,
MUITO MAIS ÂNIMO A COBRAR DO CORAÇÃO
PARA SALVAR A POBRE DAMA PRISIONEIRA!
CANÇÃO DE GESTA III
POIS O VELHO CAVALEIRO, A TROÇA EMBORA,
PARTIU A CUMPRIR GESTA DE SEU REI;
SOMENTE EU SEUS FEITOS CANTAREI,
MAS O SOBERANO PROVIDENCIOU NA HORA
OUTRA ESPADA QUE GUARDAVA DESDE OUTRORA.
“POIS AO FERREIRO MINHA LÂMINA DAREI
E QUE A FERRUGEM SE DESPRENDA CONTAREI,
PARA EMPREGÁ-LA NO DEALBAR DE NOVA AURORA!”
CERTO, A ESPADA FOI DE NOVO REFORJADA,
MAS NA ARCA DO SOBERANO FOI GUARDADA,
PORQUE O VELHO CAVALEIRO NÃO VOLTOU,
QUEIMADO O BRAÇO AO OMBRO POR INTEIRO,
SÓ TROUXE A ESPADA DE VOLTA O ESCUDEIRO,
QUANDO AO REI O SEU SUCESSO RELATOU...
CANÇÃO DE GESTA IV
O CAVALEIRO, APESAR DE CHAMUSCADO,
LANÇOU A ESPADA AO PESCOÇO DO DRAGÃO,
QUE NAS VASCAS DA AGONIA, OUTRO PENDÃO
DE CHAMAS ASSOPROU MAIS ENCARNADO
E O CAVALEIRO FOI ASSIM INCINERADO.
COUBE AO ESCUDEIRO COMPLETAR ESSA MISSÃO,
A PRINCESA A RETIRAR DE SUA PRISÃO,
VOLTANDO A PÉ, O CAVALO ASSIM PUXADO.
MELHOR DESTINO A DON QUIXOTE AQUI VIM DAR
QUE AQUELE QUE CERVANTES LHE ATRIBUIU,
NESSA SUA MORTE BEM MAIS HONROSA E PURA,
EM VEZ DE SUA BIBLIOTECA EMPAREDAR,
QUE A DERRADEIRA GESTA ASSIM CUMPRIU,
AINDA QUE CINZAS NO INTERIOR DE SUA ARMADURA!
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