quarta-feira, 28 de julho de 2021


 

 

GESTA DE AMOR I – 26 JUL 21

 

O nosso amor é como o mel do orvalho,

Geada singela que nunca fica fria,

Gentil garoa que assim nos conduzia,

Amor perfeito e livre de ato falho;

O nosso amor é qual chispa de algum malho,

Amor tinido que na alma reluzia,

Amor vibrante que na mente retinia,

Folha esmeralda a balouçar em cada galho.

Amor composto de frescura no verão,

Amor calor no inverno aconchegante,

Amor polivariado em cada outono,

Simples amor em que baila o coração,

Canário amor em jalde canto delirante,

Que se encolhe sobre nós durante o sono.

 

GESTA DE AMOR II

 

O nosso amor é flor de simpatia,

Amor de calma em olor de primavera,

Amor de zéfiro que só frescor nos gera,

Amor de chuva quando a mente estia.

O nosso amor é botão de nostalgia,

Pequena abelha modelando nossa cera,

Amor rainha que gentil zumbir nos dera

Nessa colmeia de elegíaca harmonia.

Amor assim a colorir a flor do prado,

Amor de estrela em perpétuo cintilar,

Amor candente de um extinto meteoro,

Amor de vórtice por cometa apaixonado,

Amor satélite que não para de girar,

Amor zodíaco do mais puro agouro.

 

GESTA DE AMOR III

 

O nosso amor é relíquia em estamenha,

Amor sobrepelis, sacro ornamento,

Amor estola e solidéu que te apresento,

Amor de cíngulo, qual espero que nos venha

A cingir sempre que do afastar surgir a senha,

Amor de incenso, turibular acento,

Amor de altar em pleno sentimento,

Amor degrau galgando imensa penha,

Em que apenas nós dois nos acharemos,

Bem lá no alto, amor de cordilheira,

Amor que a alma prende toda inteira,

Que no mais íntimo do ser os dois buscamos,

Mente na carne em amplidão ligeira,

A nos unir inda além da hora derradeira.


Na ilustração, a atriz francesa Claudette Colbert, famosa por "Cleópatra". 

GESTA DE MORTE I – 27 JUL 2021

 

tu és meu câncer, mulher, que me consome,

inexorável fonte deste pranto,

que escorre seco no poema e canto,

que nada fazem contra a imensa fome.

 

em minha anorexia, mulher, deixo que assome

o quanto existe em mim de menos santo,

o quanto existe em mim de mais espanto,

o quanto eu domar tento sem que dome.

 

assim me sinto de tísica assolado,

tuberculoso em vias de hemoptise,

tão somente pela falta de te ver,

quiçá somente por lúpus penetrado,

quando somente por toda a vida vise

o teu amor que nunca pude ter.

 

GESTA DE MORTE II

 

toda beleza que meu peito invade,

em brasa morna ou centelha de fulgor,

sempre acalenta um certo grau de amor,

um sentimento de real solenidade,

 

um tal amor que me concita a idade

a esquecer, perdido no esplendor

da decadência sublime do sexor,

límpido e claro em nebulosidade.

 

porque me arde concreto ao coração

farol luzente de beleza taciturna,

que bem sei não ser minha de verdade.

 

mas fora dela só existe a abstração,

do amor do amor, que meu amor soturna,

que me impele e me impede a liberdade.

 

GESTA DE MORTE III

 

porém eu busco, mulher, na intensidade,

todo esse amor que a vida me consome,

busco esse amor que a triste alma dome

e a mente prenda em total iniquidade.

 

porque esse amor somente impõe sua majestade,

sem jamais satisfazer-me a plena fome,

é um amor de almofariz, de pedra-pome,

que se alimenta de minha própria eternidade.

 

mas sendo impuro, é um alívio derradeiro,

quer seja denegado ou satisfeito,

porque completo me preenche o coração

 

e mesmo sem ganhar de ti um beijo inteiro,

tem sobre mim o mais pleno direito

de me magoar sem receber retaliação.

 

GESTA DE ESPANTO I – 28 JUL 21

 

Um ponto negro surgiu no céu cinzento,

toda a esperança que nutro no momento,

não um ponto de luz tangido ao vento,

mas um ponto de negror e luz vazia,

esse ponto sem cor que o céu abria,

minha própria cor de tom monotonia,

ali apenas a não-cor que reluzia

no céu grisáceo de meu pressentimento.

 

No fim da luz do túnel vejo o escuro,

remanchado de assombro deslumbrado,

escuro enfim que meus olhos desvaria,

pois não mais tenho ilusão, pois sou perjuro,

não mais que sombra ineficaz, cansado,

sob esse céu de chumbo que me guia.

 

GESTA DE ESPANTO II

 

Se me refiro ao cinzor deste meu céu,

só interrompido por pontos de luz negra,

é certamente porque, via de regra,

minha esperança é tão somente arpéu,

coisa pequena que me balouça ao léu;

meu otimismo o imediatismo integra,

e tudo dentro em mim logo se alegra,

porém tal luz logo me lança um véu.

 

São milhares de vezes em que a esperança

ri sobre mim em inocente derisão,

sem que nada prometido se cumprisse;

não me deprimo com essa contradança,

simples apenas me revolta o coração,

por não ter tido coisa alguma que pedisse.

 

GESTA DE ESPANTO III

 

não que de fato algo mais peça realmente:

já de há muito me contento em receber

somente aquilo que me intende conceder

a Providência que inteiro me sustente;

vejo em minha vida sempre estar presente

essa muralha de fogo a carne a proteger

de qualquer malefício a se esconder,

quando à beira da vereda malfazente.

 

E se percebo essa constante proteção,

sem que sequer essa atreva-me a pedir,

estou seguro de minha própria redenção

e em tudo darei graças em ocasião,

sem queixa aceito todo o mal que me afligir

e o bem recebo na mais surpresa gratidão!

 

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