BEIJOS DO TEMPO I – 16 JUL 21
O tempo tem maus beijos para mim:
Beijos de mãe tornaram-se impossíveis,
Beijos de mulher, ainda que possíveis,
Sempre mais raros vão tornar-se assim.
Beijos de palco zombaria de arlequim,
Beijos de orquestra já inadmissíveis,
Beijos de filhas serão mais exequíveis,
Beijos de netos lamparinas de Aladdim.
Mas os beijos do tempo são falazes,
Não te transmitem um dote carmesim
Quando te beijam assim, diariamente;
São muito menos gentis do que vorazes,
São beijos falhos, quais selos de perfim,
Por onde o dia escorre no inconsciente.
BEIJOS DO TEMPO II
Beijos do tempo são como meretriz,
A quem se paga e após se vai embora,
Pelo prazer que se vende nesse outrora,
Fica o dinheiro, na boca um tom de giz.
O beijo temporal risca de tris,
Que o vidro quebra em rápida desora,
Parece acrescentar, mas rouba a hora,
Pálido beijo, tal qual sobrepeliz.
O tempo para beijar se paramenta,
Põe solidéu, o cíngulo, uma estola,
Manto de asperges para o cerimonial,
Mas por baixo há um negror feito lamento,
Que a batina do tempo ao luto enrola
E essa hóstia que te beija é um dom
final.
BEIJOS DO TEMPO III
Contudo, quando os beijos terminarem,
Já na campa, quem beijará meus ossos?
Beijos do tempo interminável são
insossos,
Só os beijos de transição a me agradarem.
A cada dia em que os beijos cintilarem,
Quando meus membros permanecem moços,
Vem de fato transformá-los em destroços,
Meus dias roubam, em beijos a tragarem.
Nada me dá o tempo, só o contrário,
A cada dia sou eu que o alimento
E a cada dia do tempo eu sou detento,
Tal como o vento, o vão celibatário,
Que dá-me beijos gélidos sem dó,
Vem-me abraçando por sentir-se só.
Na ilustração a bailaria Tamara Toumanova.
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