BASTIDORES ESTRANHOS I – 29 SET21
A Lua e as estrelas possuem cortinas,
com as quais se protegem a cada manhã;
suas cores variam, dependendo do afã,
o mais comumente, azuladas e finas,
ou então cor de cinza, na tristeza das sinas,
ou brancas, talvez, palpitantes de lã
ou negras do luto a revestir viúva anciã;
mesmo estas a ocultar sua visão das retinas.
Algumas vezes, azuis ou gris se esgarçam,
quadrados mostrando iguais arlequins,
mas aos poucos o Sol cortinados degradam
e aqui e ali, sem pressa, se esparsam,
até que a Lua se mostre e quais brancos jasmins
essas falhas da trama logo estrelas invadam.
(Na ilustração, Luz del Fuego, a famosa nudista
dos anos Trinta, com biquíni de Estrelas do Mar)
BASTIDORES ESTRANHOS II
Decerto o motivo das cortinas usarem
para taparem teus olhos, é terem temor
da influência do Sol, com imenso calor,
expostas a ele, já menores se tornarem,
assim derretidas, a se vaporizarem
e o manto completo perder seu palor,
as mais fracas despidas não só do albor,
mas os seus alfinetes assim se quebrarem...
Por isso que ocorrem, talvez mais no verão
ou mesmo no inverno, suas súbitas quedas:
quebradas presilhas, as estrelas desabam,
e orifícios no manto assim deixarão,
fios soltos cometas em constantes enredas,
vazio o firmamento, já que tantas se acabam!
BASTIDORES ESTRANHOS III
Por sorte que a Lua, ao notar o perigo
de cair ela mesma, rasgado seu manto,
da Terra esmagando assim qualquer canto,
busca lançar de si, para cada jazigo,
um sulco de prata, cobrindo o umbigo
que a estrela deixou em seu tombo de pranto,
as feridas cerzindo com tal hálito santo,
dos rasgões da cortina remendos de abrigo.
Por isso Selene tem tão fosco clarão,
pois ao longo dos éons tantas vezes já fez,
que o seu lado oculto se recusa a mostrar;
não são só crateras que esconde à visão,
mas côncava fica nesse ardor que refaz
as mortas estrelas novamente a brilhar.
RAMALHETE ESTRANHO I – 30 SET 21
Eu te darei buquê de luzes amanhã,
que irei buscar por escada de seda:
num chifre da Lua sua ponta se enreda,
degrau por degrau galgarei nesse afã;
na Áustria europeia, certa flor muito chã,
chamada Edelweiss, da brancura mais leda,
vão buscar os rapazes, esperando não ceda
qualquer plataforma na descida ardegã.
E vão entregá-la, sua roupa em farrapos,
qual um brinde de amor às donzelas queridas,
como prova do esforço, os seus arranhões;
contudo eu espero, por meus atos guapos,
mostrar as estrelas nas palmas contidas,
seu brilho encantado em ardentes brandões.
RAMALHETE ESTRANHO II
Houve casos em que algum, menos valente,
fingisse apenas escalar essa montanha,
pagando a outrem o executar dessa façanha,
embora não fosse, de fato, algo frequente;
o espertalhão escalava só a vertente,
até encontrar a quem menos se acanha
que já o aguardava a executar sua artimanha,
trocando os dois de lugar, naturalmente.
Subia o outro então, até achar a Edelweiss,
colhia a flor e descia até reencontrar
quem o haviam contratado para o ato;
então descia este, arranhado e com demais
rasgões na roupa, para a farsa completar,
só ao escurecer descendo o herói de fato!...
RAMALHETE ESTRANHO III
Porém duvido que haja alguém que se disponha
a subir por essa escada em meu lugar;
o perigo bem maior de despencar
ou na Lua se enganchar, como um pamonha!
Então eu subo, até que a mão eu ponha
em alguma estrela mais fácil de arrancar,
meu ramalhete aos poucos a formar
e não espero até que a Lua ali a reponha;
poderia estar à espera até que o Sol requeime
minha escada de seda e então desabe:
com meu buquê tombaria na alvorada!
Com a coragem temerária que então dei-me,
vou te chamar até que o sono acabe
e minha proeza te deixe apaixonada!
LUZES ESTRANHAS I – 1º OUT 21
Quando o abismo se põe, as cataratas
não têm para onde ir, em sua orfandade;
redemoinham ao turbilhão da afinidade
e então refluem, inundando as matas;
e pouco importa o quanto que me batas,
destino mau, restolho de impiedade,
minha vida inteira bordejando de maldade,
sem que haja um deus a conferir dias e datas.
Culpar a divindade é coisa de homem
que se deseja sentir irresponsável
por tudo quanto a vida lhe permita;
mas não se dá à deidade que lhe tomem
as rédeas deste mundo admirável,
cuja beleza a luz do mal evita.
LUZES ESTRANHAS II
Muito poucos se apercebem, certamente,
que antes da Luz as Trevas existiram;
sob a Palavra de Deus luzes surgiram,
oriundas das trevas, claraescuramente;
trazia a treva já em si luz permanente,
quando a face do abismo elas cobriram;
branco é composto das cores que se uniram,
enquanto o negro não tem cor subjacente;
ou pelo menos é o que afirma-nos a ciência,
mas a “matéria negra” do Universo
preenche espaços entre as nebulosas
e de onde surge a luz, sem a potência
dessa substância abstrata em Multiverso,
leque assombroso de flores tenebrosas?
LUZES ESTRANHAS III
Certamente o Ser, sendo infinito,
preenche todo o espaço do possível
e se encontra além mais do impossível,
tudo está Nele e se acha assim bendito.
Mas não te deixe o coração aflito
essa noção, caso a julgues incompreensível
de que as Trevas existiram no inexaurível
e então delas surgiu a Luz, ao breve agito
da Palavra de Deus no “Haja Luz!” –
que percebeu como essa Luz era boa
e assim doravante a conservou;
porém nas trevas é que se introduz:
a imensidão do espaço ainda ecoa
com o “Haja Luz!” – porém não se iluminou!
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