FALSIDADE I – 8 OUT 21
No rodapé vermelho das histórias
Linhas escritas com cânulas de ossos,
Palimpsextos raros em destroços
Nos pergaminhos mofar de antigas glórias,
Que a cada geração novas memórias
Se superpõem no aterrar dos fossos,
Sobre ruínas estão os palácios nossos,
Templos erguidos no entulho das escórias!
Assim, toda lembrança é caluniada
E se repete até a insistência acreditar;
No devaneio existe mais verdade
Que nessa efemeridade abandonada,
Pois não convém ao povo relembrar
Que a ferro e fogo se ergueu a humanidade!
FALSIDADE II
É justamente o que vejo em meu país,
Por motivos de egotismo vantajoso,
A martelar num digital ruidoso
Destruição das glórias que se quis
Um dia afirmar, por mais que sejam gris,
Há dualidade em cada ato glorioso
Mas nem por isso que se torne enojoso
E assim se enfie na cabeça dos guris!
Ideais políticos de uma certa minoria,
Que pelo povo não tem o menor cuidado,
Mas que apenas quer a graça do poder
E assim desfaz o que a história nos dizia,
Reescrevendo os fatos do passado,
Sem com a verdade se comprometer!
FALSIDADE III
Sem dúvida é verdadeiro o aforisma
De que as história vencedores escreveram;
Os Gauleses que a César se submeteram
De sua história não tinham plena cisma,
Mas apenas a transmitiam, sem sofisma,
De boca para ouvido e hoje se perderam
Até mesmo os sofrimentos se esqueceram:
Não há um De Bello Gallico em
Galicismo!
Porém nós temos nossa própria língua
E se conservam os documentos do passado;
Esse esforço de desconstrução elaborado
Deve servir-nos de aviso tal qual íngua
E que o mal seja na sua origem combatido,
Por mais frequente seja tal vírus contraído!
MARÉ SEM LUA I – 9 OUT 21
BARCO A VELA QUE ME VELA
BARCO A VAPOR QUE PÔR VÁ
VIGIAS NA MINHA JANELA
NAVE ESPACIAL QUE ABRIRÁ
MINHA ESPERANÇA DE ESTRELA
QUE O UNIVERSO ATRELARÁ
SE A IMENSIDADE CONGELA
A PEQUENEZ MATARÁ
NA VIAGEM SEM RETORNO
EM LONGA EJACULAÇÃO
AS SEMENTES DE MINHA RAÇA
EM NOVO PLANEJA MORNO
QUE EM SEU VIÇO BROTARÁ
BEBENDO DA NOVA TAÇA
MARÉ SEM LUA II
O MEU NAVIO SEGUE O FIO
DOS ANTIGOS HORIZONTES
NA BUSCA DE ANTIGAS FONTES
DA PRIMAVERA AO ESTIO
COMO LUZES DE PAVIO
ILUMINANDO ESSAS PONTES
MUITO ALÉM DOS ALTOS MONTES
REPINTALGADOS DE FRIO
EM BUSCA DA NOVA TERRA
À ESPERA DA HUMANIDADE
NA PLENITUDE DA GRAÇA
NA EXPECTATIVA QUE ENCERRA
DA GUERRA A VORACIDADE
QUE FINALMENTE DESFAÇA
MARÉ SEM LUA III
NA MULTIDÃO DESSES MUNDOS
LEVADA PELA ESPERANÇA
SE RENOVA A ANTIGA DANÇA
DOS ARQUÉTIPOS PROFUNDOS
ARRAIGADOS OS IMUNDOS
DA VELHA GUERRA A PUJANÇA
DO MASSACRE NÃO SE CANSA
ESSA RAÇA DE IRACUNDOS
SUGERIR DEMOCRACIA
NUMA TERRA DE JUSTIÇA
NO SONHO DO MAIS ALÉM
QUAL DESTINO PRENUNCIA
A CAPITAL DESSA LIÇA
QUAL NOVA JERUSALÉM
PRALAYA INATINGÍVEL I – 10 OUT 21
No diário de bordo a sua derrota
já se encontra criptografada,
computada e controlada,
sem que eu mesmo reconheça a quota,
ante o ciclone que enfim me bota
numa terra desolada,
só um esqueleto de fada,
pelas costelas somente o cardo brota.
Ainda consulto meus mofados portulanos,
a bússola inteira desregrada
meu astrolábio corrói o verdigris
e nos conveses desgastam-se meus anos
minha vela assim soprada
para um rumo que não quis.
PRALAYA INATINGÍVEL II
O vento é esteta com o estetoscópio
aplicado na nesga de meu seio,
não o toco, tomado de receio,
mas gira em torno como um giroscópio,
invisível ainda a um potente telescópio,
mil galáxias defuntas de permeio
o som pungente de um cometa feio
qual som de vírus sob um microscópio.
Quero parar o barco de minha velhice,
presas velas com cipós,
nos ossos do peito nu
ainda o vento ao redor constante ri-se
a refazer os mais puídos nós
em seus mastros de bambu.
PRALAYA INATINGÍVEL III
Mesmo sentindo cumprida a minha tarefa,
cumprida já por demais,
veloz correndo ao jamais
na alvenaria completa da sanefa,
busco Pralaya chegar ao fim da estafa,
concluídos os ofegos imortais,
sem ter amor por futuros festivais,
da alma cansada o fulgor nunca se abafa.
Um deus tectônico renova o meu vulcão,
por mais que eu mesmo o queira abandonar,
mesmo saltando dentro da cratera,
lava de versos surge em nova erupção,
novos trechos do oceano a conquistar,
em aditamento indiferente de minha espera.
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