terça-feira, 12 de outubro de 2021


 

 

OLHARES AO REDOR I – 2 OUT 2021

(Pascale Petit, atriz clássica francesa)

 

Olhos furtivos a contemplar-me a vida,

Olhos ladrões a me avaliar a calma,

Olhos ciganos a me furtar a alma,

Olhos esquivos que não me dão guarida,

Olhos macios de uma visão querida,

Olhos bondosos em sua meiga palma,

Olhos oleosos com que a tristeza embalma,

Olhos presentes no chegar e à despedida...

 

Há sempre olhos que em meu lar espreitam,

Alguma vez a avaliar o que eu preciso,

De outras vezes a sugerir o que precisam,

Porém presentes a cada vez que aceitam

A minha tristeza ou meu esgar de riso,

Que tanto espero que longamente vivam...

 

OLHARES AO REDOR II

 

Meus próprios olhos me espiam, desconfiados,

Do espelho do banheiro, com buquês

De pasta e espuma salpícados desta vez,

Por abluções diárias a cada dia manchados,

Olhos perdidos a espreitar além dos fados,

Veem meu porvir nas rugas de minha tês,

Veem meu presente nos versos que me lês,

Veem dias perdidos em seu olhar guardados...

 

Sem dúvida, são olhares calculistas,

Mais que os olhos que me veem vindos de fora,

Olhos no espelho a mirar somente a mim,

A recordar-me as derrotas e conquistas,

Olhos de ábaco a calcular-me cada hora,

Quanto mais vezes me terão de olhar assim...

 

OLHARES AO REDOR III

 

Mais outros olhos a mirar-me das paredes,

Olhos de livros inscritos em lombadas,

Olhos de cantos em capas deslocadas

De milhares de discos em suas redes;

Olhos do teto a me olhar adredes,

Tábuas quais teias multifacetadas,

Talvez aranhas mesmo ali paradas:

Com oito olhos egoístas quanto medes?

 

E mais os olhos lúbricos do assoalho,

Que me contemplam assim, inversamente,,

Porém as calças a perscrutar-me tão somente

E ainda os olhos da poeira sem orvalho,

Dos longes pássaros e os insetos nas janelas,

Seu brilho opaco, sem ter fulgor de estrelas...

 

OLHARES AO REDOR IV

 

Talvez todos furtivos com razão:

Se o olhar eu lhes devolvo, quem dirá,

Se uma reação violenta se dará,

Olhos assim destituídos de emoção;

Mas não são olhos ladrões, apenas são

As testemunhas indicretas do não há,

Os transeuntes das dores que haverá,

Olhos passantes sobre cada sensação...

 

Sem ter nada de ciganos, realmente,

Das paredes eus antigos, gentilmente,

Sem que de fato minha consciência afetem;

E do forro olhares a dar-me proteção,

Cúmplices mansos os ladrilhos de meu chão,

Discos e livros que abandonos me refletem...

 

SOMBRAS AO REDOR I – 3 OUT 21

 

Como a sombra de uma folha ela dançava,

Agitada pelo vento impertinente,

Como a sombra de uma flor que despencava

Do caule à terra de odores redolente;

Até que ponto a adolescência demonstrava

Essa leveza adquirida num repente,

Até que ponto o leve passo revelava

Da juventude a graça tão somente?...

 

Passava a sombra da filha atarantada,

Passava a folha por vento controlada,

Passava a flor a cair, cor impotente,

Mas não passou-me esse momento de elegia

Na meiga dança encontro uma poesia

Que em nada me pertence integralmente.

 

SOMBRAS AO REDOR II

 

E ao mesmo tempo que vejo essa leveza,

Qual mansa flor em seu desabrochar,

Guardo em meus olhos marasmos de tristeza:

Por quanto tempo irá o fado a respeitar?

Por quanto tempo conservará a pureza,

Antes que a vida a venha amargurar

E seus passos já calculados de certeza

Julguem que o vento possam superar?

 

Não é uma folha a jovem dançarina,

Agitada pelo vento em seu bailar,

Somente a sombra da folha a se agitar

E como sombra, não tem sequer a sina

De as beiradas em estertores sacudir,

Que a folha cai, sem que a sombra vá fugir...

 

SOMBRAS AO REDOR III

 

É totalmente inerme esse fantasma:

No chão a folha ainda pode estremecer,

Porém a luz não irá mais interromper

E a sombra sequer morre, mas marasma;

O vento brinca ainda, a folha espasma,

Por um instante, algo da sombra irá viver,

Porém ainda mais depressa a se perder,

Termina sua potência e em nada orgasma...

 

Que assim ocorre em toda a natureza,

Pois sombra alguma existe sob o Sol,

São só as coisas que interpõem-se à luz;

E só no escuro, defunta essa clareza,

Se ilude a sombra como parte de um farol

Dessa luz negra na qual dorme e se reduz...

 

DEVOÇÕES AO REDOR I – 4 OUT 21

 

Se alguma coisa me parece estranha

É a veneração a Tiaraju Sepé,

Como um exemplo de independência e fé,

A combater dos invasores a artimanha;

A única coisa que este ardor nos ganha

É a negação de nossa própria sé,

O índio atacou a nossa gente, até

Ser derrotado por sua própria sanha!

 

Pois Tiaraju combateu os peninsulares,

Os nossos ancestrais mais permanentes,

A defender dos Jesuítas a ambição;

Por que razão receber nossos louvares,

Se foi contrário assim às nossas gentes,

O próprio oposto de nossa tradição?

 

DEVOÇÕES AO REDOR II

 

Dirão, talvez, ser blasfêmia impertinente,

Que isso que afirmo é prova de racismo,

Que sempre existe do deeneá um saudosismo,

Lá no fundo, a serpentear, solertemente,

Em tanta gente que se vê branca  somente,

Ou que se afirma, no presente africanismo,

Com sete oitavos até de europeísmo,

A ter-se assim alheia à bugrad gente.

 

Mas a questão é bastante diferente:

O Tiaraju combateu a quem chegava,

Sua tribo pouco ou nada maisturava;

Há de ameríndios contribuição potente,

Mas não dessa tropa dos Jeusítas,

A missionar entre nós suas negras  fitas!

 

DEVOÇÕES AO REDOR III

 

Mais tarde, em nossa honrosa Farroupilha,

Foi o combate contra Cariocas e Paulistas,

Mas em duas gerações perdem-se as pistas

De quem antes cavalgava em cada trilha.

“Esta terra tem dono!” – se planilha,

Porém se encontra  já a perder de vistas,

Não obtiveram os Guaranis essas conquistas,

Mas em sua integração causar estilhas,

 

Neste país tão grande e incompreendido:

Heróis que sejam os bravos Maragatos,

Heróis que sejam então nossos Farrapos,

Mas não quem esta união teria impedido,

Que não sejamos aos Europeus ingratos,

Por mais se pense que tais índios fossem guapos!

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