TULPAMANIA I – 11 OUT 21
Nunca tive um amigo imaginário,
nem tirado de contos de fadas,
nem effrits ou djinns nem outros nadas,
ingresso tendo em meu viver diário,
muito menos o pendor atrabiliário
de adivinhar futuro, por mais que fascinadas
sejam tantas pessoas, entidades invocadas
por qualquer razão ou desejo mais nefário.
Sempre me bastei para mim mesmo,
ainda que adore a Santíssima Trindade,
mesmo que estude qualquer outra divindade,
mas sem desperdiçar meu tempo a esmo;
tanto infeliz que de sua alma faz a sé
para algo imponderável, só por ter falta de fé!
TULPAMANIA II
Dito isto, sei que a tal tulpamania
não é exemplo da confiabilidade
de outras gentes em inatividade,
porém exemplo de quiçá esquizofrenia;
de orientalismos sempre existiu mania,
posta a falta de fé na Divindade
e algum deseja ter pessoalidade
que se alterne nesse corpo em que vivia.
Teoricamente esse sistema de diversos eus
é bem consciente, enquanto tal pluralidade
se agrega ao ser primário horas ou dias;
e assim se arriscam os solitários filisteus,
incapazes de uma real criatividade,
buscando emanações como seus guias.
TULPAMANIA III
Não tenho afinidade com nada tibetano,
nem com o Budismo de qualquer coloração;
com o Brahmanismo encontro uma atração,
sem achar contradição real com esse arcano
Cristianismo primitivo antes que o humano
Interesse o desvirtuasse em profusão;
Mas Tulpas buscam até por masturbação
ou por qualquer outro ritual bem mais profano!
Muita criança teve amigo imaginário,
sendo em geral um combate à solidão,
mas raramente havendo ali depravação;
crescem e esquecem esse ‘puka’
no fadário
de tantas coisas de cunho imaterial,
que assim confundem com entidade espiritual.
NEMOMANCIAS I – 12 OUT 21
Não acredito em presságios ou mancias.
Por que os pássaros a mim indicariam
golpes de sorte ou perigos mostrariam,
pelo seu voo ou por suas cantorias?
Por que os relâmpagos no céu estudarias
em cintilares noturnos ou que fulgurariam
no cinzor das tempestades e nos diriam
o bem ou os males das futuras vias?
E contudo são bem próximos sinais,
pouca gente os observaria iguais,
portanto, dentre um certo egocentrismo,
até podiam acreditar no seu envio
por qualquer potestade além do rio
do tempo, servindo ao antropocentrismo.
NEMOMANCIAS II
Estas mancias se tornaram descuradas,
do mesmo modo que o fígado de animais
ou outras vísceras em aras sacrificiais,
há muito tempo não são mais estudadas,
embora os Hititas até tenham demarcadas
partes diversas dos cernes viscerais
como oráculos de razões espectrais,
assim também por Etruscos consagradas.
Pois igualmente tais sangrentas tratativas
podiam ser magicamente conotadas
com quem as escolheu e executou
e que quaisquer diferenças mais esquivas
pudessem ser de fato interpretadas
por quem tais artes de magia praticou.
NEMOMANCIAS III
Contudo, a zodiacal astrologia
já é coisa radicalmente mais distante;
por que razão a mente delirante
em sua influência acreditar podia?
Que ainda as posições da astronomia
a humanidade toda em certo instante
pudessem influenciar com sua brilhante
presença que dos altos assistia...
Contudo, que astros possam realmente
determinar a cada vida individual,
é coisa que me escapa ao entendimento;
somente o mapa em minha mão presente
algum pendor em seu quiromanancial
indicaria do futuro algum assento.
NEMOMANCIAS IV
Não que eu creia sequer nessa mancia,
mas é a única realmente individual,
que não há duplicação do digital
e nem em gêmeos idênticos se acharia
e na tua mão esquerda se veria
um traçado claramente desigual
ao de tua mão direita natural:
alguma coisa talvez aqui haveria?
Um prenúncio exclusivo para ti...?
Na minha mão direita eu tenho um A,
na mão esquerda leio a letra M,
como é normal em qualquer palma que vi...
Mas mesmo nisso como eu sei que há
alheia mão que me governe o leme?
MINIATURA I – 13 OUT 21
Barco que vaga dentro de garrafa,
estranhamente maior que seu gargalo,
se o recipiente quebrar-se num estalo,
descuidada a faxineira pela estafa,
que som agudo tal queda não abafa?
Haverá marinheiros nesse abalo,
os ladrilhos do chão fazem-se em ralo
e o barco explode se da queda não se safa...
Se meu barco naufragar no duro piso,
se afogarão assim os tripulantes?
Perecerá com a nave o capitão?
E com lento trabalho, os casos viso,
a recolher os pedaços como dantes,
pelo puxar cuidadoso de um
cordão.
MINIATURA II
E sobra ainda catar meu desalento,
nessa água pelo piso estagnada,
quando vejo cada vela amortalhada
pelas asas dos carunchos num momento;
nos camarotes que ainda ali frequento,
há passageiros mortos de enfiada,
que o escorbuto reduzira a nada,
caem os dentes em quebra e fragmento.
Mas não os meus. Costurei
o meu sudário
usando a lona de meus pergaminhos;
as faixas de minha múmia trazem versos,
descrevendo meu destino multifário;
os meus vermes distribuí aos passarinhos
e pelo mundo voam sonhos meus dispersos.
MINIATURA III
Mas nem por isso me recuso à maresia:
muitos ventos libertei de meu surrão,
meus sonetos digladiam-se nesse então
e então me sopram ao porto que eu queria;
de nada vale se render, melancolia
e ociosidade só reforçam o grilhão:
para quem fez das tripas coração
o deus dos ventos nos ares acolhia.
E quando sopra alheia a tempestade,
sinos de vento estremecem e o santelmo
brilha na ponta de um arpão em halo santo;
a harpa eólia em sinfonia de irmandade,
com ossos mortos vou fundir meu elmo,
grades translúcidas na viseira de meu pranto.
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