A
JARDINEIRA I – 12 FEV 22
Ela
contempla os verdes, ondulando,
plantas
nativas de nomes estrambóticos,
de
certa forma até mesmos psicóticos:
ela
passa pelos verdes, caminhando.
Essas
plantas que vai agora ultrapassando
não
desenvolveram jamais os nervos óticos,
talvez
a vejam por sentidos fóticos,
indiferentes
porém se demonstrando.
Fico
a segui-la do ponto em que estou perto,
reparo
alegre a sua ondulação,
nada
estrambótico contemplo em seu andar
e
até queria morar em algum deserto,
sem
repartir com qualquer vegetação
tais
belos passos com que a vejo aproximar.
A
JARDINEIRA II
Ela
percorre os canteiros como flor,
somente
o vento a murmurar no ouvido,
a
ondular de leve o seu vestido,
seu
perfume a transmitir em meigo odor.
Mas
flor alguma respira o seu calor,
somente
o vento tem seus caules sacudido,
em
seus cabelos quais pétalas mexido,
ela
se move e respiro o seu odor.
E
enquanto a contemplo desde a porta,
sinto
ciúmes do vento em sua carícia,
queria
apenas eu poder tocá-la,
toda
a feminilidade que comporta
meus
olhos a invejar toda a malícia
dessa
brisa não cessa de abraçá-la...
A
JARDINEIRA III
Ela
se inclina e poda algum galhinho,
escorre
um pouco de seiva a dessangrar,
toca
seus dedos, em débil protestar
e
indiferente ela prossegue em seu caminho.
Somente
eu fico, a espiar, quietinho,
não
que deseje que venha a me podar,
mas
com a vista de seus olhos me abraçar,
em
vez de às plantas mostrar o seu carinho.
Como
o ciúme é composto de bobagem!
vive
comigo, quase sempre dadivosa,
às
vezes tendo acúleos como a rosa,
mas
eu me deixo prender nessa voragem:
que
nem o Sol encoste no seu rosto
e
que somente eu a abrace no sol posto!
OS
RANCOROSOS I – 13 FEV 22
Onde
se encontrar a paz da humanidade?
Quando
se pensa que se vá estabelecer,
o
vento sopra e a vai logo desfazer,
o
vento espalha a humana crueldade.
Vejo
no vento essa certa iniquidade,
a
ambição por sua brisa a percorrer,
pequenas
raivas aos poucos a crescer,
sempre
no vento o inverso da irmandade.
Mas
nos quarteis se irmanam os soldados,
o
regimento a se tornar seu lar,
qualquer
bandeira é sua mãe distante
e
assim marcham, bastante organizados,
nesse
absurdo de metralhas enfrentar,
sem
ver sua mãe no derradeiro instante!
OS
RANCOROSOS II
Poderia
então sobre a Terra haver amor
que
abrangesse em plenitude o nosso mundo,
num
sentimento de fato tão profundo
que
impedisse o crescimento do rancor?
É
tão difícil ser o vento o provedor;
em
ráfagas nos sopra de iracundo,
da
morte a insuflar o cheiro imundo,
e
no entretanto a conservar o seu pendor.
Mas
como se evitar que exista guerra,
se
até em família ocorre dissensão,
que
facilmente alguém mate o seu irmão
e
desse modo, uma lição se encerra,
que
contra povos estranhos vão partir
e
não somente o próprio san gue destruir!
OS
RANCOROSOS III
Pode
haver um coração em plena arte
que
só busque pelos outros amizade,
quando
é normal ter animosidade,
que
cada estranho despreze e enfim descarte?
Qualquer
uma diferença que se aparte
desse
padrão de uma local humanidade,
qualquer
aldeia a combater diversidade,
ao
invés da Paz, sempre adorando a Marte!
Que
se pudesse aceitar, tão simplesmente,
que
nunca o vento nos soprasse desconfiança,
que
as mãos dadas proclamassem aliança
e
não a faca que golpeia de repente,
dessa
outra mão nas costas escondida,
rasgando
as almas na carne malferida!
OS AUTO-ILUDIDOS I –14 FEV 2022
A maior capacidade que tem o ser humano
é a de enganar a si mesmo, especialmente
quando se encontre em negação frequente,
se morre alguém em seu rancor insano.
Amor inverso em tal viver profano,
logo manchado por motivo indiferente,
que esse ódio passageiro é tão potente
que nos assola com o vigor mais soberano!
De sobrevivência pode ser um mecanismo,
pode a saudade ser dor insuportável,
melhor então denegar a sua existência
que conformar-se com a própria impotência,
por mais que a outros revele-se inegável,
nesse lento divagar de seu egoísmo.
OS AUTO-ILUDIDOS II
Também em ti se encontra a negação
de algum evento explodido no passado
ou malefício que foi por ti causado
e que podia desgastar-te o coração.
É tão comum ocultar-se essa noção,
sempre algum outro a ser do mal culpado;
por outrem teu amor foi desprezado,
sonhas no peito por qualquer retaliação.
Ou quando veio à luz o sofrimento,
talvez recuses a aceitar o seu poder,
para ti mesma a fingir indiferença
ou quando exames revelam teu lamento,
sem que na morte vindoura possas crer,
por mais que a força dos sintomas seja
densa...
OS AUTO-ILUDIDOS III
Também eu me recordo claramente
das várias vezes em que escolhi a negação,
provocando em mim mesmo a confusão,
perante a culpa a fingir-me indiferente.
Porém pensei, em ocasião frequente,
para chegar enfim a conclusão
que de mim mesmo escondia a situação,
vendo meus erros a dançar dentro da mente!
E assim ocorre que muito mais me dói
essa consciência negada de antemão
e não consigo nunca me perdoar,
que a culpa sempre no coração me rói,
atormentado por tal vaga traição,
do que neguei ainda com ódio a me lembrar!
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