sábado, 19 de fevereiro de 2022


 JANE RUSSELL, 1943

 

DE AMOR E ÁGUAS I – 17 FEV 22

 

Quando me encontro contigo, é igual que Oceano

a recobrir-me a pele totalmente:

parte nenhuma de mim é indiferente,

cada órgão vem informar-me que amo!

 

Esse encontro contigo é igual que Arcano,

como as cartas do Tarot se faz presente;

é meu destino repetido tão frequente,

que em tua ausência me sentirei insano.

 

Porque não é tão só questão de sentimento,

nem que meu cérebro perca sua razão,

nem que adoidado me bata o coração:

algo me impele, muito além do julgamento

e é só nas ondas de teu ser que então mergulho

e é só de seres minha que me orgulho!

 

DE AMOR E ÁGUAS II

 

Não estou em busca de modelos de escrever,

mesmo me atendo às regras da poesia:

somente escrevo o que um dia sentiria,

pouco me importa se afinal me venhas ler.

 

Ou se alguém mais há de sentir algum prazer

nestas linhas de calidez e de euforia:

longe de ti só experimeno a desvalia

e apenas quero teu rosto enfim rever!

 

Porque te amo com minhas pernas e meus braços,

com minhas coxas e com meus antebraços,

com os meus pulsos e os meus tornozelos;

porque te amo com todos os meus espaços,

com os meus joelhos e com os cotovelos,

na expectativa feroz de outros compassos!

 

DE AMOR E ÁGUAS III

 

Por isso afirmo que mergulho em ti,

não apenas com o membro mais sensual,

mas com todas as facetas do carnal

e por momentos não me encontro mais aqui.

 

Porém sou teu, em teu corpo é que me vi,

ondas e vagas de amor espiritual,

maré constante a se esbater no terrenal,

bateste em mim e em ti me consumi!

 

Meu umbigo, meu ventre, o peito inteiro,

minhas costas, meu pescoço, meus cabelos

emaranhados nessas algas que me envias,

na flutuação das maresias pegureiro,

eu subo à máxima altura dos desvelos,

só por instantes, ao saber que me querias!

 

DE AMOR E METEOROS I – 18 FEV 22

 

Por algum motivo, esses primeiros descobertos

dos asteróides cruzando a órbita da Terra,

receberam nomes em que amor se encerra,

por mais que fossem opostos seus acertos.

 

Eros e Amor, perigosos seus apertos,

Apollo e Adônis, nos quais prepondera (*)

a direção do Sol, que não se altera

enquanto os olhos teus mantens abertos.

(*) Adônis era filho de Apollo, deus do Sol.

 

Na verdade, foi qualquer estranho sentimento

de romantismo, por sua aproximação

ou quiçá por algum tipo de ironia,

que influenciou o ardiloso julgamento,

a descrevê-los como amantes de ocasião,

que a Terra por sua vez escolheria...

 

DE AMOR E METEOROS II

 

Verdade fosse, provável mais odiantes,

pois sua presença constitui certa ameaça:

a cada órbita cruzada uma negaça

de alguns abraços mais que delirantes!

 

Até hoje, não se beijaram esses amantes,

mas talvez isso não seja só trapaça:

a cada vez que um dos tais ao Sol perpassa,

altera-se a sua órbita por instantes!

 

E se acaso se tornar mais perniciosa,

suspenderão a sua cobiça permanente

e realmente virão beijar a Terra,

um ou mais deles, em dança sediciosa,

sua colisão violenta realmente,

que para a humanidade o fim descerra!

 

DE AMOR E METEOROS III

 

Talvez seja bem mais do que ironia,

mas o apelo a algum feroz sarcasmo:

seria um ato de amor de ausente orgasmo,

porém um clímax como antes não se via!

 

E quanta vez através da história havia

alguma outra consumação de causar pasmo,

posto de lado qualquer prévio marasmo,

mas que a seguir à morte conduzia!

 

Quantos amantes abraçaram esse Amor,

a que por Eros se deixaram conduzir

e no calor de Apollo se queimaram?

Sem que um Adônis produzisse o seu calor,

mas simplesmente a memória a transmitir

dessa tragédia por que ambos perpassaram!

 

DE AMOR E ABRAÃO I – 19 FEV 22

 

A questão é que Abraão confabulava

com o Deus Supremo como se fosse igual:

no coração o acendia por fanal

e à sua imagem ao mesmo Deus orava!

 

Este Abraão que a Escritura nos legava

seria o protótipo de qualquer deus carnal,

transmogrifado já e em parte espiritual,

Sua carne inteira que não se desmanchava

 

e nem tampouco em sangue se afirmava,

mas direto sublimava em nuvem de vapor,

em holocausto transformado por inteiro!

Por isso o filho sacrificar pensava,

como figura desse divinal amor,

que outro Filho transformaria em Cordeiro!

 

DE AMOR E ABRAÃO II

 

A diferença está é que o nobre Abraão

com o seu Deus Yahweh se identificou:

à sua imagem e semelhança o conformou,

totalmente entronizado ao coração!

 

De que outra forma a criatura de emoção

que esse Deus Único inicialmente apresentou

O poderia conceber, como O julgou,

senão por mescla de amor e de razão?

 

Mas não se afirme que a Deus ele criou,

mas tão somente o conceito transmitido.

Akhenaton também foi monoteísta,

mas foi a Aton, o Sol, que ele adorou,

que todo o Egito lhe havia concedido

e a quem louvou com seu louvor egoísta.

 

DE AMOR E ABRAÃO III

 

É até possível que antes de Abraão

e antes do estranho Faraó do Egito,

que só um Deus houvesse fosse dito,

mas para poucos fez-se tal revelação.

 

Akhenaton tentou fazer a imposição

do sentimento de um coração aflito,

mas seu Aton foi somente deus finito,

após sua morte, sem maior aceitação.

 

Muito além do Trimurti Brahmanista, (*)

há o conceito desse Deus Universal,

mas que não foi repassado às multidões,

enquanto esse velho Abraão monoteísta

nos legou esse direito divinal

de guardar Deus em nossos corações!...

(*) Brahma, Vishnu e Shiva, a Trindade dos Hindus.

 

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