“AÑORANZA”
I – 31 JAN 22
Quando
teu rosto denota uma tristeza
e
de tuas vistas escorre-me a saudade,
eu
te contemplo molhado de humildade,
em
tuas lágrimas vendo focos de beleza;
sempre
busco afastar a tua incerteza,
a
teu lado a inserir minha hombridade,
o
mais parelha à tua feminilidade,
quando
ante mim reflete tua fraqueza.
Quero
que fales das estrelas que se queimam
e
de uma Lua a entreluzir no céu, vermelha;
e
não da transitória humanidade;
quantos
cometas ao derredor nos teimam
e
a cada volta sua cauda se assemelha
a
uma placenta de perenidade.
“AÑORANZA”
II
E
no entretanto, essas caudas de cometas
são
partes deles arrancadas pelo Sol,
a
se queimar no ar, breve farol,
como
a lembrar nossas iras mais secretas;
dizem
que as caudas, que são assim diletas,
na
direção oposta ao arrebol
se
estendem, qual estranho girassol,
só
os astrônomos as percebem mais completas.
Porém
nós, na miopia dos humanos,
as
caudas vemos perseguindo essas estrelas,
que
nos encantam como sendo belas,
por
mais se afastem para espaços mais profanos,
algumas
delas em tão oblongas pistas,
que
por nós mesmos jamais serão revistas.
“AÑORANZA”
III
E
elas prosseguem, a se recompor,
fugindo
ao Sol, ao repuxar seu freio,
para
mais tarde retornarem sem receio,
seu
perihélio qual nuvem de vapor.
Será
que choram os cometas nesse andor,
tendo
saudades do que deixaram de permeio?
Sempre
menor o núcleo que assim veio,
mas
em retorno, recobrando o seu ardor.
Assim,
não fales mais de tua saudade,
nem
daqueles que deixaste para trás,
já
que és meu sol e prossigo do teu lado;
e
nem menciones da vida a veleidade,
pois
tendo a mim, ainda me acolherás,
em
teus abraços seguirei sendo abençoado!
YARDANGS
1 – 1º FEV 2022
Em
algum ponto desértico do Egito
são
avistadas estranhas ereções,
chamadas
Yardangs pelos multidões,
rochas
marcadas pelo ventoso agito;
são
vermelho-amareladas e algum grito,
se
o vento sopra em suas imediações,
é
ampliado por tais pétreas construções,
como
o assovio de qualquer gênio maldito.
São
as areias suas grandes escultoras,
que
o simum a seu redor dardeja,
qual
Castro Alves um dia o descreveu,
formando
listras de marcas constritoras
e
mais estreita em geral base se enseja
do
que o topo que ainda ali sobreviveu.
YARDANGS
2
É
bem verdade que há mais de dez mil anos
ao
atual deserto ocupava um vasto mar,
que
foi aos poucos levado a evaporar
pelo
calor do sol e os ventos soberanos.
Há
quem afirme, mas em cálculos insanos,
que
foi a água do mar a demarcar
essas
figuras arcanas de assombrar,
sem
evidências reais para esses planos.
E
ainda aparece algum qualquer espertalhão,
que
se autoafirma entender de geologia,
dizer
que estrias mostradas pela Esfinge
foram
também o resultado da moção
de
agua em maré que até a desbastaria,
mas
prova alguma para isto a atinge.
YARDANGS
3
São
os Yardangs a melhor prova em
contrário,
porque
suas bases é que foram desbastadas,
mantendo
as partes superiores conservadas,
enquanto
a Esfinge e mais o seu sacrário
mostram
apenas essas faixas cujo vário
demarcar
nessas plagas desoladas
se
ergue em bases que parecem intocadas
e
a cabeça erguida sob um Sol consuetudinário.
Mesmo
as marcas que enfeiam a sua face
foram
causadas por religião e intolerância,
em
vão tentando desfazer tal escultura,
sem
que marca alguma de maré estampasse,
nessa
imagem de relativa tolerância,
de
seus milênios a contemplar-nos pura.
PERSISTÊNCIA
I – 2 FEV 2022
A
vida é feita de lutas e percalços,
haja
o que houver, sempre traz contrariedades,
luta
constante contra as anfractuosidades,
os
pés sempre a apoiar-se em muros falsos;
porém
novos sapatos são meus calços,
desgastadas
as solas por iniquidades,
mas
a carne a proteger de tais maldades,
de
algum modo a superar os cadafalsos.
Assim,
após cada derrota que me abala
eu
me renovo ou calço novas botas,
alta
a montanha e de íngreme negror;
mas
a minha persistência sempre fala,
ganchos
e arnezes galgando novas cotas,
sem
me deixar dominar pelo temor.
PERSISTÊNCIA
II
Somente
ocorre que já foi muito frequente
a
minha queda a escorregar do precipício,
o
sangue a escorrer-me em seu bulício,
nas
palmas de minhas mãos ferida ardente;
pois
tantas vezes o escalar foi inclemente,
que
em certo patamar cultivo o vício
e
ali acumulo da força algum resquício,
até
que o ânimo me retorne parcialmente.
E
então me vejo da Pralaya ressurgente,
(*)
lá
estou de novo as paredes a galgar
da
cova funda que me pretende sufocar
e
pouco importa o percalço remanente,
esse
mau fado novamente a desafiar,
porque
uma estrela sempre posso contemplar. (*)
(*)
A pausa entre duas Mahakalpas; aqui, interrupção.
PERSISTÊNCIA
III
A
cada vez que chego quase à beira,
um
êmbolo me empurra novamente,
o
limo se instaurou dentro da mente,
são
lisas as paredes, inda que queira,
com
os cotos de minhas unhas nessa esteira
galgar
até o topo, esforço ingente;
a
luz percebo apenas fracamente,
mas
não perco a esperança derradeira.
Aos
líquens eu me agarro, o musgo pego,
prendo
meu sexo ao muro escorredio,
como
amante cruel a que pertenço
e
às gretas dos tijolos eu me entrego,
deixo
meu sangue e linfa e o ódio frio,
nessa
certeza inútil: que ainda venço!
PERSISTÊNCIA
IV
Eu
reconheço que com quase oitenta anos
nunca
alcancei o que mais eu desejara,
mas
por que desistir do que almejara,
só
por me achar em lustros tão profanos? (*)
Sempre
é possível alijar os desenganos
e
ir em frente pela senda que sonhara;
talvez
corrente acima ainda alcançara
e
de minha cova subiria a novos planos.
(*)
Um lustro corresponde a cinco anos.
Destarte
espero seja também contigo,
nunca
te deixes em desalento acomodar,
nem
desistir da inteireza do sonhar,
que
não irás encontrar pior castigo
que
esse sono sem sonhos tão profundo,
sem
sequer um pesadelo a ver no fundo!
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