AREIAS
SEM RIMAS IV – 18 SET 23
como é
fácil deixar-se conduzir
por um
líder qualquer sem resistência,
abrir-se
mão da vida e da ciência,
sem se
dispor por um instante a resistir!
algum
antídoto poderá existir
para
esta lealdade à impotência,
buscando
a morte sem medo ou penitência,
sem na
própria sobrevida persistir?
quão
natural em nossa espécie humana,
que se
pretende de algum modo racional,
a
exposição ao perigo mais mortal,
porque
um guia qualquer ordem proclama,
para a
disputa, o enfrentamento ou o combate
e a
liberdade sem qualquer razão se abate!
AREIAS
SEM RIMAS V
basta
surgir um ideal de mesmerismo
que a
mão abrem da individualidade.
de
lado põem noção de sua mortalidade,
seguindo
empós qualquer que seja esse modismo.
na
ampulheta da vida está o abismo:
cedo
ou mais tarde, com naturalidade,
o grão
de areia escorre sem vontade
para o
infalível final do cataclismo,
qual
os humanos aceitam a um ideal,
sem de
forma alguma o compreender
e como
grãos de areia se transformam,
seja
política, esporte ou a habitual
desculpa
por um falso patriotismo
ou
pela religião qualquer que adotam.
AREIAS SEM RIMAS VI
“não há ateus no campo de batalha”
é um aforismo também do romantismo,
mas o que ocorre é um errôneo
misticismo:
da morte a foice tão só aos demais
talha,
que a mão de um deus qualquer então
lhes valha,
seu grão de areia não escorrerá ao
abismo;
existe mesmo desde o antigo Judaísmo
uma promessa que a alma mais retalha:
“podem cair mil à tua direita
e por igual dez mil à tua esquerda,
porém a morte não chegará a ti.”
e a mente então se convence dessa
feita,
que a promessa do salmo assim se herda,
“somente eu a sobreviver aqui!”
AREIAS SEM RIMAS VII – 19 SET 2023
se a morte é uma só, igual lagedo,
descendo sobre nós desde o universo,
o peso das galáxias converso,
nem Atlas suportará tal peso alado;
porém se diariamente algo é pesado
e se vai acumulando em dom disperso,
são grãos de areia que se dedilha em
terço,
até que o mágico solo é assim
formado,
os grãos se acumulando lado a lado,
como um estrato em seu sedimentar,
qual manto negro da morte
polvilhado,
em iscas de calcário derramado,
pelos restos do dia a se agregar
no reino rubro de um coração
magoado.
AREIAS SEM RIMAS VIII
se para ti uma noite eu costurar,
com chispas de meteórico fragmento,
com centelhas de galático momento,
num cinturão de asteróides a
amarrar;
mas se a fundir e de novo a
reforjar,
de mil cometas o entretenimento,
de espirais de gás padecimento,
protuberâncias solares a dançar;
se para ti o hidrogênio rescaldar,
numa forja de chumbo derretido,
de platina derretida o seu manjar,
de mercúrio oxidado o seu sentido,
no lanterídeo fervor de meu cantar,
serás um ente em transurânico
vertido.
AREIAS SEM RIMAS IX
dizem que houve modelistas nordestinos
que figurinhas modelaram em argila,
cem Padres Cíceros em prestimosa fila,
jegues, campônios, igrejinhas com seus sinos,
até presépios inteiros para os mimos
de quem têm peitoris eali perfila
sua arte primitiva e assim compila,
longe mantida do alcance dos meninos;
ou em prateleiras de maior altura,
alguma onça, um soldado, um violeiro
e até a figura que seu coração
deleita,
de Virgulino Lampião e a belezura
de Maria Bonita, como aves num viveiro
ou até mesmo representação de Anchieta!
AREIAS
SEM RIMAS X – 20 Setembro 2023
também
se veem poeiras de areia num cordel,
esses
livrinhos enfileirados de poesia,
que
qualquer semi-analfabeto redigia
ou que
letrado imitava em carrossel,
xilogravuras
primitivas em cruel
reprodução
das figuras que se via,
nessas
pequenas obras de magia,
lascas
de areia aferradas num papel,
que
ondulavam ao vento nas banquinhas,
em que
vendiam também cestas e refrescos,
com
pouca higiene em algumas canequinhas,
areia
em brisa sobre a literatura,
gotas de areia a marcar contos dantescos
ou ingênuos
poemas do amor de virgem pura...
AREIAS
SEM RIMAS XI
porém
minhas rimas não são feitas sobre a areia,
nem
provocam quaisquer milagres nas marés,
nunca
sequer repuxaram pelos pés
quem
adotou ideologia alheia,
nem
são de argila compostas pela veia
exotérica
de quem se nutre de outras fés
e que
as vende nas pracinhas através
desse
nordeste sob o sol que as incendeia,
nem
são criadas pela ingenuidade,
por
mais que ingênuas ainda possam parecer,
apesar
de emular ancianeidade,
minhas
pobres rimas são compostas grão por grão
e em
garantia de tal sinceridade,
são
modeladas em meu rubro coração.
AREIAS SEM RIMAS XII
eu bem queria que cada perda fosse um
grão
que eu modelasse em areia de
harmonia,
contudo, outra razão tem a poesia,
são
grãos de areia só da imaginação;
do que não houve recolho em meu
pulmão
suas volutas de fumaça em nostalgia
e até ao colesterol que envelhecia
roubei partículas a renascer no
coração,
pois foi assim que mil metáforas
criei,
em sinédoques de metonímica ilusão,
ao descrever o escoar de minha
ampulheta
e a incandescência das partículas
esfriei,
que amor lástima não foi , mas
compaixão
por anseios meros de aspiração
secreta.
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