MOSQUITOS DE ALÉM-MAR I (11 mai 11)
(YVETTE MIMIEUX, auge do cinema francês)
Dizem que a dengue nos chegou do Egito,
provavelmente transportada em caravelas
(ou de cavalos-marinhos sobre as selas
ou de uma tromba-d'água em pleno agito).
O fato é que nos chegou o mosquito
de uma forma ou de outra e a sede delas
(são as fêmeas que picam) tem sequelas
que a qualquer um podem deixar aflito.
Realmente, no Egito ela é endemia
e por isso o nome aegyptii recebeu
seu portador, que mal não quer causar,
pois mais que espalhe entre nós epidemia,
proliferando a doença que nos deu,
quando somente se quer alimentar.
MOSQUITOS DE ALÉM-MAR II
Os Aedes encontraram concorrência
bem acirrada, aqui pelo Brasil.
Os Anófeles dominavam o céu de anil,
transmitindo a malária com frequência...
A febre amarela também tinha sua potência
e a varíola apresentava o rosto vil.
O "amarelão" também grassava a mil,
além da lepra, em sutil malevolência...
Por isso, a dengue afirmou-se lentamente,
já que as outras matavam muito mais:
sua virulência não encontrou um nicho.
Até que Oswaldo Cruz, violentamente,
as combateu com eficácia até demais,
jogando as concorrentes para o lixo!...
MOSQUITOS DE ALÉM-MAR III
Porque, depois dos ratos massacrados,
praticamente se erradicou a bubônica.
Contra a varíola, a população atônita,
a vacinar-se foram todos obrigados...
A ancilostomíase também teve cuidados
e a tuberculose continuou indômita,
até vacinação menos concômita,
obrigatória nas crianças e soldados...
Com os pântanos e mangues já drenados,
os Anófeles só ficaram no interior;
a febre amarela se controlou também.
A esquistossomose guardou os seus pecados,
a cujos danos só depois se deu valor
e o raro pênfigo o interior ainda contém.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR IV – 13 OUTUBRO
2023
De qualquer modo, a concorrência
reduzida,
esses Aedes começaram a crescer,
sem que, a princípio, pudessem
perceber
qual a doença a que estava
submetida
a massa dos escravos, a gemer
em suas senzalas, que talvez
fosse trazida,
pelos negreiros, essa praga
dolorida,
sem que os mosquitos pensassem
combater.
Exceto por braseiros acendidos,
fechadas bem as portas e janelas,
deixando o ar quase
irrespirável...
Os Anófeles eram destarte
combatidos:
não mais picavam os braços e
costelas,
em tal promiscuidade
inenarrável...
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR V
Mas os mosquitos da dengue se
adaptaram
e passaram a picar durante o dia,
enquanto a gente trabalhava e não
os podia
combater nessa labuta em que
tanto se esfalfavam,
nos engenhos e plantações de que
cuidavam,
nem resistir a essa traiçoeira e
fugidia
emboscada, que tal mosquito não
zunia
e só depois da picada é que o
notavam.
Foram assim se espalhando
lentamente,
enquanto transmitiam a feroz
febre,
facilmente com as outras
confundida.
E ainda que tivesse efeito
diferente
sobre as vítimas que esse mal
enfebre,
sua causa mesmo era pouco percebida.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VI
A pouco e pouco a dengue se
espalhou
entre os pobres, depois entre os
abastados,
provocando bem depressa
resultados
devastadores sobre o povo que
afetou.
Em grande parte, a gente se
recuperou,
mas alguns casos eram bem
agravados
pela perda de sangue e imaginados
como doença diferente que os
marcou,
porém à maioria dos dengosos
pensavam ser preguiça e não
doença,
que reclamavam de um vago
mal-estar,
virou “dengoso” sinônimo de “manhoso”,
´
procurando se esquivar, segundo a
crença
das duras obras que deveriam
executar.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VII – 14 out
23
E como são os cariocas
maliciosos,
o adjetivo adquiriu outros
sentidos:
os “dengosos” queriam lucros
mal-havidos,
não passavam de um bando de
ardilosos
e as mulheres só buscavam
atenciosos
carinhos dos amantes e maridos
e mesmo médicos achavam seus
vagidos
como atos de sedução mais
fantasiosos.
“Mostrar dengue” chegou a virar
moda,
adotada facilmente por mulheres,
a se fazer de frágeis e
fraquinhas
e o termo se espalhou por toda a
roda,
eram “dengosos” das jovens os
gemeres,
para fingirem ser mais
delicadinhas.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VIII
Só com o tempo então
reconheceu-se
ser a dengue uma doença perigosa
e não demonstração de ser manhosa
essa pessoa que por ela
acometeu-se,
mas os sintomas mais brandos
ainda leu-se
como artimanhas de mulher mais
astuciosa
ou com moléstia menos perniciosa,
como uma simples gripe
confundiu-se.
Mas as campanhas de higiene
sanitária,
que combatiam os Culex mais
comuns
ou os Anófeles ainda mais
gravosos,
até erradicar toda a malária,
expulsaram muitos Aedes e só
alguns
se esconderam pelos pântanos
lodosos.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR IX
Da mesma forma, se acreditou a
malária
estar erradicada em toda parte,
mas os Plasmódios têm engenho e
arte
e apesar de tanta higiene
multifária,
se perpetraram em tal fauna vária
existente pelas matas e destarte,
aos poucos recriaram o malazarte,
em sua forma mais ou menos
ordinária.
Continuam as campanhas e as
cidades
ou áreas habitadas densamente,
permanecem ainda livres dessa
praga,
mas dos humanos os orgulhos e as
vaidades
que ainda passam afirmando
diariamente,
não são mais que as peripécias de
uma saga.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR X – 15 outubro 2023
Pela extinção de espécies responsáveis
se dizem ser, mas não o são de fato,
a não ser que bem real seja o boato
de que os Pássaros Dodôs tão agradáveis
ao paladar dos marinheiros, pouco ágeis,
a se mostrar facilmente e sem recato,
a povoar única ilha, sofreram o desbarato,
ante as caçadas assim incontroláveis.
Contudo, não existe qualquer prova
de que os humanos tenham conseguido
destruir qualquer espécie de animal
e mesmo a extinção dos Dodôs, que se louva,
poderia, afinal, ter ocorrido
por um fenômeno qualquer mais natural.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR XI
E foi assim que da malária perniciosa
um novo foco aparece aqui e ali,
sem dúvida é atacado, mas já vi
que hoje tornou-se até menos perigosa,
mas a dengue, apesar de tão viciosa
ainda é endêmica, até mesmo aqui,
vem dos vizinhos e ameaça igual a ti,
por sua vetora, essa fêmea silenciosa.
Nem creio possa ser erradicada,
para extinções somos bem ineficientes,
mas já devia estar bem mais controlada
e enquanto insistem na vacinação
contra gripes por igual malevolentes,
contra a dengue quase não temos proteção.
MOSQUITOS DO ALÉM-MAR XII
De experimental só existe uma vacina,
contudo os vírus sempre sofrem mutação,
têm os Aedes veloz multiplicação
e uma campanha a sua prevenção ensina,
mas dos tipos mais comuns a que se inclina,
para a maioria do povo a contração
já existe muito mais do que há razão,
fraco o combate de tal praga assassina.
O que nos falta é a política vontade,
poucos os lucros nessa imunização,
fraco o interesse do Ministério da Saúde,
sofrendo assim o campo e a cidade,
pagando impostos sem qualquer moderação,
sem que o governo sequer sua vida escude!
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