PULSOS DO MUNDO
I -- 10 NOV 17
(Merle oberon, hollywood)
O
que é a inspiração? Momento breve
Em
que Dionysos nos beija em plena testa,
A
nos dar disposição para a sua festa,
Um
beijo em potencial, um toque leve.
O
preço da obediência então se deve,
Sinal
de vassalagem, não de besta
Que
se disponha ao jugo, nem molesta
Subserviência
que a um tirano ceve.
O
que é a inspiração desse momento
Senão
o bafejar claro do encanto
Que
o mundo inteiro chamaria de ilusão,
A
plena mutação do julgamento
Que
o belo enxerga no menor recanto
A
transformar o monótono em emoção.
Pulsos
do Mundo 2
E
depois disso, o que é o amor? Um quente
Sopro
nas têmporas em brisa transitória,
Amor
a cópula entre a coroa e a glória
Que
nos reveste dessa ilusão nascente.
O
que é o amor, senão essa aparente
Mastigação
de luz que torna a escória
Em
vaso de cristal e cria a história
A
partir do mais minúsculo incidente.
O
que é o amor, então? Um tal bafejo
Dos
lábios da Aphrodite caprichosa
Que
nos transporta além da cor do beijo.
Uma
guirlanda leve, um tom de rosa
A
nos cingir a testa em leve ensejo,
Ousado
aceno, devassidão formosa.
Pulsos
do Mundo 3
E
depois disso, o que é a vida? A pluma
Que
oscila apenas sob o zéfiro encantado,
Esse
sopro vazio de um deus alado,
Acasalando
a semente com a espuma.
A
geração que um breve instante esfuma
Em
líquido prazer enclausurado
Em
reçagar membranoso e calculado
Para
iniciar a senda a que consuma.
Na
própria dádiva da vida estando o termo
Da
mitose das células, complexa
Vivissecção
da mórula num feto,
No
fim das contas, nada mais que o espermo- (*)
Grama
que se expande na perplexa
Mortalidade
que reveste todo o afeto.
(*)
Aqui foi empregada a Sinafia.
Pulsos
do Mundo 4
E
o que é a morte, então? O fim do verso
Que
se expôs nestas rimas do soneto,
Quatorze
linhas a mascarar o afeto,
Para
depois se extinguir em som reverso,
A
inspiração, a vida e o amor converso
Nesse
eclodir em busca do completo
Nada
mais sendo que do poema um objeto,
Nada
mais sendo que seu próprio inverso.
Porque
um soneto busca apenas completar-se,
Chega
ao final a buscar chave de ouro:
Esse
o motivo da sua confecção,
Enquanto
a vida só transcorre a aproximar-se
Do
derradeiro dia, em que o tesouro
Se
extinguirá de um partido coração.
CRONÓTOPO -- 11
NOV 17
As mortes dos
famosos, geralmente,
chamam mais
atenção que as dos milhares
que partem
deste mundo diariamente
deixando para
trás bens e azares.
Foi a de um
negro que queria, realmente,
tornar-se
branco e a tantos operares
submeteu-se,
alcançando-o finalmente,
sacrificada sua
saúde em tais ousares.
Foi a de uma
branca que queria se bronzear
(Queria
tornar-se negra, isso é aparente!),
para um câncer
obter por resultado.
Até que ponto
consegue assim pecar
o ser humano (e
o faz constantemente),
contra seu
próprio corpo rebelado!
CRONÓTOPO II
Minha memória tenho
sempre estimulado
e a conservo sem
descanso até agora;
se uma pergunta na
minha mente estoura,
rapidamente seu
responso é alcançado.
Um vasto acervo eu
tenho acumulado
em minhas redes
neurais, hora após hora
que até hoje não
percebi ter ido embora,
por mais que o
tempo me tenha acicatado.
Será que peco
nesses mil instantes
em que insisto em
repetir mil vezes
quanto gravado era
antes em relances?
Mas logo esqueço
meus velhos descantes
e quando leio um
rascunho após uns meses,
fogo-fátuo da morte me paira em tais alcances.
CRONÓTOPO III
Acossado
por miríades de cantos,
nem sei mais
onde ponha a indiferença,
minha vida se
tornou demais intensa,
sorrisos mortos
por meus secos prantos.
É no trabalho
que meus dias torno santos,
já repetida mil
vezes tal valença,
chega o tempo
de mostrar diversa crença,
abandonados
meus antigos mantos.
Não mais quero
mencionar os meus trabalhos
nem o labor
árduo dos versos em minha sorte,
a multidão de
acotovelados pensamentos,
mas sim as
forjas dos estranhos malhos,
as mil chispas
de versos desta morte,
na lava ígnea
dos diários sangramentos.
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