RECIFES DE CORAL I (2008)
(Colleen Moore, atriz do cinema mudo)
Não me
cabe aclamar revolução na terra,
nem rebelião contra o luxo e o
privilégio,
nem condenar, em puro sacrilégio,
tantos desmandos que a religião encerra.
Não me cabe abençoar grito de guerra,
ou luta por justiça, ou fé em sortilégio,
nem me entregar da música ao arpeggio,
nem condenar tanto imposto que nos ferra.
Eu sou aedo e cinjo a faixa na minha
testa,
como a vincha de alguns tradicionalistas
(pois como os símbolos renascem e
flutuam!)
Só me permito apegar-me à própria festa:
a arte pela arte, os versos sem
conquistas,
que os veros vates proclamam e
cultuam...
RECIFES
DE CORAL II
A balbúrdia
das vozes meu coração perturba.
Ou
sou melhor que elas ou digno de pena.
Talvez
devera agora partilhar dessa condena,
de
gritar sem sentido e pertencer à turba.
Eu
saberia gritar o lema que conturba,
pois
já pisei no palco, participei da cena
e o
tempo dispendi em tal conversa amena,
que
não conduz a nada e o nada só disturba.
Mas
nunca desejei viver em tal quimera:
prefiro
a solidão, que a vida me envigora,
tenho
muitos em mim e muito em que pensar.
Nenhum
lema ou rumor aos gritos me libera,
mas
sonho multicor, que vivo, muito embora
na
torre de marfim eu não consiga amar.
RECIFES
DE CORAL III (23 mai 11)
Eu
olho para mim, em cansaço e avidez...
Já
cansei de me ver, mas tenho uma sentença
para
cumprir, insana, porém bastante extensa,
por
erro cometido na celícola altivez...
Mas
não por mim, por mal que alguem me fez,
mas
nos interligaram em fiação tão densa,
que mesmo
ao ser diversa assim a nossa crença,
desci
como escudeiro, em plena madurez.
As
falhas foram dela e apenas consternado
eu
fiquei, sem saber que um erro tão sutil
por
essa dama etérea seria cometido.
E
assim desci também, à carne destinado,
inserido
em sansara, na maya cega e vil,
até
que gire a roda, após tudo cumprido.
RECIFES DE CORAL IV (7 OUT 23)
E ao ver quando me atacam, até
sem ter motivo,
só posso imaginar em que plano ou
encarnação
nós já nos encontramos, o que lhes dá
razão
para um rancor de mim sentirem tão
ativo.
Prejudicar a outrem, bem sei, traz
lenitivo
à frustração daqueles de fraca
inspiração,
que tentam se afirmar, medíocres que
são,
ao diminuir os outros, em seu pendor
esquivo.
Porém eu só contemplo, sem grande
presciência;
os golpes eu afasto, com
longanimidade,
sempre que posso ver, exceto o ardil
escuso.
Porque, afinal, a vida é rede de
paciência,
que nas malhas nos prende, sem
equanimidade,
para testar seus nós, em inesperado
abuso.
RECIFES
DE CORAL V
Quando
versos escrevo, não o faço por vaidade
e
tampouco me esforço, sequer, para que os leiam,
senão
os meus amigos e aqueles a que incendeiam
parelhos
sentimentos e a mesma ingenuidade.
Os
versos não são meus, proclamo à sociedade,
mil
vozes há em mim que tal fulgor ateiam,
a vida
está nos olhos daquelas que os anseiam,
buscando
ouvir de amor e não salacidade.
Como é
tão comum, entre a vulgaridade
se repetir
somente os plácidos chavões,
rimar
‘ama’ com ‘cama’ e até sentir orgulho,
qual
desafio isso fosse em tal mediocridade,
mas no
fundo qual a culpa, se os mais gentis padrões
dos
poetas do passado sofreram tanto esbulho?
RECIFES
DE CORAL VI
Portanto,
quando escrevo, só cumpro meu dever
de
dar aos mortos boca, que em tempo mais gentil
viveram
nesta terra e o vasto céu de anil
louvaram
tantas vezes, em plácido prazer.
Assim,
pouco me orgulho de meu vasto quefazer,
de
nada sou o juiz, apenas o aguazil
e
cumpro meus mandados da forma mais sutil,
nunca
buscando à fama e à glória pertencer,
porém
jorram mil versos de meu quebrado dique
e
por mais que tentasse, não os poderia esconder,
pois
brotam em enchente feroz de inundação
e
se um tal volume o orgulho alheio pique,
meu
lamento é sincero e a ninguém quero ofender,
por
mais que minha existência lhes traga
humilhação.
RECIFES DE CORAL VII (8 outubro 2023)
O meu grande interesse não é mostrar
novos modelos,
que tão antigos são, mas foram
descartados,
em troca de medíocres rabiscos
apressados,
que como versos livres são proclamados
belos;
eu zarpo em maré alta e lanço meus
desvelos
contra a força das ondas de oceanos
despenhados,
contra o jugo social de esquemas
destinados
a promover o feio, horríveis só de
vê-los!...
Não é que eu queira apenas adotar esta
temática
que usaram os antigos, somente as
estruturas
que os sentimentos mostravam de forma
delicada
e que tornam mais fácil a árida didática,
enquanto as frases voam, em ambições mais
puras,
deixando sua mensagem em cada alma
tocada...
RECIFES
DE CORAL VIII
Remar
contra a maré é coisa perigosa,
bem
fácil de atingir recifes de coral,
que
o casco irão rasgar de forma natural,
ante
o menor desvio da rota cuidadosa,
mas
tenho para mim ser coisa prazerosa
mostrar
os meus modelos a quem goste, afinal
e
procure retornar ao vezo original
da
língua portuguesa tanto em si esplendorosa.
E
assim me acho pronto a enfrentar trovoada
não
por meu próprio lucro, é mais um ministério,
querendo
entre os leitores buscar sua conversão,
sem
esperar retorno ou que me paguem nada,
exceto
que procurem tanger igual saltério
e
devolvam à poesia sua antiga aceitação.
RECIFES
DE CORAL IX
Antigamente
ao povo os versos encantavam
e não
refiro apenas as estrofes de Camões,
Bilac
ou Castro Alves em seus vastos turbilhões,
mas falo
das modinhas que as serestas entoavam,
falo
dos velhos sambas que as letras musicavam
de
sonetos, de cordéis, criando essas canções,
que
meigas comoviam a tantos corações
ou
aquelas simples marchas ao som das quais dançavam.
Eu
falo dos cantores de vozes melodiosas,
que não
se comprometiam com nada de vulgar,
se
ouvia em cada esquina a flauta ou os
violões,
ponteados,
estudados, cantigas carinhosas,
enquanto
o trovador à amada ia cantar,
criando
a nostalgia em vastas multidões.
RECIFES DE CORAL X (9 OUT 2023)
E nem faz tanto tempo, havia
menestréis,
com vozes moduladas rimando suas
canções
e havia belas letras de heróicas
emoções,
nos hinos entoados em todos os
quartéis,
mas hoje até parecem tirar vozes dos
féis,
amargas, sem afino, gritando
maldições,
palavras obscenas têm mesmo
aceitações,
tornaram-se medíocres os cantos dos
fiéis.
Repetem uns e outros medíocres
chavões,
cada vez mais degradando os sonhos
dos demais,
gravações sem qualidade a chamar de
popular,
que espalham por aí em mil repetições
e só vejo esperança em cantores
regionais,
que ainda criam rimas que se esforçam
por mostrar.
RECIFES
DE CORAL XI
Decerto
no passado existiram maus poetas,
no
limbo do medíocre, que já foram esquecidos,
por
mais que os bons modelos tentassem ser seguidos,
ao
menos eram outros os seus ideiais de estetas,
mas
hoje uma indulgência é total e por completas
são as
frases mais banais e vazias de sentidos
e
esses que as apresentam também são aplaudidos,
porquanto
que esqueceram haver melhores metas.
Essa a
razão, portanto, que a leitura de poesia
é feita
pelo povo assim tão raramente,
olham
por alto apenas, dizendo não entender,
sem
que haja realmente na página vazia
não
mais que frases soltas, que o espírito indolente
lançou
sem autocrítica na vaidade de escrever.
RECIFES
DE CORAL XII
Mas
eu não sou assim. Recifes de coral
eu
busco minerar em vasta e pura cor,
serão
jóias de luz, afeitas com amor,
serão
risos de som brilhantes como o sal;
se
fui jogado aqui por causa natural,
eu
devo projetar com ânsia o meu ardor
e
permitir aos mortos um grito de fervor,
para
que às bocas mudas escutem, afinal.
Mas
não para política, nem pela religião,
tampouco
em bailes chulos ou para o futebol,
embora
eventualmente em deles tomem parte,
mas
gerando a fantasia bem fundo ao coração,
eu
pinto o natural com as luzes do arrebol,
em
minha crença inabalável da arte pela arte!
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