terça-feira, 17 de outubro de 2023


 

 

RECIFES DE CORAL I (2008)

(Colleen Moore, atriz do cinema mudo)


Não me cabe aclamar revolução na terra,

nem rebelião contra o luxo e o privilégio,

nem condenar, em puro sacrilégio,

tantos desmandos que a religião encerra. 

Não me cabe abençoar grito de guerra,

ou luta por justiça, ou fé em sortilégio,

nem me entregar da música ao arpeggio,

nem condenar tanto imposto que nos ferra.

 

Eu sou aedo e cinjo a faixa na minha testa,

como a vincha de alguns tradicionalistas

(pois como os símbolos renascem e flutuam!)

Só me permito apegar-me à própria festa:

a arte pela arte, os versos sem conquistas,

que os veros vates proclamam e cultuam...

 

RECIFES DE CORAL II

A balbúrdia das vozes meu coração perturba.

Ou sou melhor que elas ou digno de pena.

Talvez devera agora partilhar dessa condena,

de gritar sem sentido e pertencer à turba.

Eu saberia gritar o lema que conturba,

pois já pisei no palco, participei da cena

e o tempo dispendi em tal conversa amena,

que não conduz a nada e o nada só disturba.

 

Mas nunca desejei viver em tal quimera:

prefiro a solidão, que a vida me envigora,

tenho muitos em mim e muito em que pensar.

Nenhum lema ou rumor aos gritos me libera,

mas sonho multicor, que vivo, muito embora

na torre de marfim eu não consiga amar.

 

RECIFES DE CORAL III  (23 mai 11) 

Eu olho para mim, em cansaço e avidez...

Já cansei de me ver, mas tenho uma sentença

para cumprir, insana, porém bastante extensa,

por erro cometido na celícola altivez... 

Mas não por mim, por mal que alguem me fez,

mas nos interligaram em fiação tão densa,

que mesmo ao ser diversa assim a nossa crença,

desci como escudeiro, em plena madurez.

 

As falhas foram dela e apenas consternado

eu fiquei, sem saber que um erro tão sutil

por essa dama etérea seria cometido. 

E assim desci também, à carne destinado,

inserido em sansara, na maya cega e vil,

até que gire a roda, após tudo cumprido.

 

RECIFES DE CORAL IV  (7 OUT 23)

E ao ver quando me atacam, até sem ter motivo,

só posso imaginar em que plano ou encarnação

nós já nos encontramos, o que lhes dá razão

para um rancor de mim sentirem tão ativo.

Prejudicar a outrem, bem sei, traz lenitivo

à frustração daqueles de fraca inspiração,

que tentam se afirmar, medíocres que são,

ao diminuir os outros, em seu pendor esquivo.

 

Porém eu só contemplo, sem grande presciência;

os golpes eu afasto, com longanimidade,

sempre que posso ver, exceto o ardil escuso.

Porque, afinal, a vida é rede de paciência,

que nas malhas nos prende, sem equanimidade,

para testar seus nós, em inesperado abuso.

 

RECIFES DE CORAL V

Quando versos escrevo, não o faço por vaidade

e tampouco me esforço, sequer, para que os leiam,

senão os meus amigos e aqueles a que incendeiam

parelhos sentimentos e a mesma ingenuidade.

Os versos não são meus, proclamo à sociedade,

mil vozes há em mim que tal fulgor ateiam,

a vida está nos olhos daquelas que os anseiam,

buscando ouvir de amor e não salacidade.

 

Como é tão comum, entre a vulgaridade

se repetir somente os plácidos chavões,

rimar ‘ama’ com ‘cama’ e até sentir orgulho,

qual desafio isso fosse em tal mediocridade,

mas no fundo qual a culpa, se os mais gentis padrões

dos poetas do passado sofreram tanto esbulho?

RECIFES DE CORAL VI

Portanto, quando escrevo, só cumpro meu dever

de dar aos mortos boca, que em tempo mais gentil

viveram nesta terra e o vasto céu de anil

louvaram tantas vezes, em plácido prazer.

Assim, pouco me orgulho de meu vasto quefazer,

de nada sou o juiz, apenas o aguazil

e cumpro meus mandados da forma mais sutil,

nunca buscando à fama e à glória pertencer,

 

porém jorram mil versos de meu quebrado dique

e por mais que tentasse, não os poderia esconder,

pois brotam em enchente feroz de inundação

e se um tal volume o orgulho alheio pique,

meu lamento é sincero e a ninguém quero ofender,

por mais que minha existência  lhes traga humilhação.

 

RECIFES DE CORAL VII (8 outubro 2023)

O meu grande interesse não é mostrar novos modelos,

que tão antigos são, mas foram descartados,

em troca de medíocres rabiscos apressados,

que como versos livres são proclamados belos;

eu zarpo em maré alta e lanço meus desvelos

contra a força das ondas de oceanos despenhados,

contra o jugo social de esquemas destinados

a promover o feio, horríveis só de vê-los!...

 

Não é que eu queira apenas adotar esta temática

que usaram os antigos, somente as estruturas

que os sentimentos mostravam de forma delicada

e que tornam mais fácil a árida didática,

enquanto as frases voam, em ambições mais puras,

deixando sua mensagem em cada alma tocada...

 

RECIFES DE CORAL VIII

Remar contra a maré é coisa perigosa,

bem fácil de atingir recifes de coral,

que o casco irão rasgar de forma natural,

ante o menor desvio da rota cuidadosa,

mas tenho para mim ser coisa prazerosa

mostrar os meus modelos a quem goste, afinal

e procure retornar ao vezo original

da língua portuguesa tanto em si esplendorosa.

 

E assim me acho pronto a enfrentar trovoada

não por meu próprio lucro, é mais um ministério,

querendo entre os leitores buscar sua conversão,

sem esperar retorno ou que me paguem nada,

exceto que procurem tanger igual saltério

e devolvam à poesia sua antiga aceitação.

 

RECIFES DE CORAL IX

Antigamente ao povo os versos encantavam

e não refiro apenas as estrofes de Camões,

Bilac ou Castro Alves em seus vastos turbilhões,

mas falo das modinhas que as serestas entoavam,

falo dos velhos sambas que as letras musicavam

de sonetos, de cordéis, criando essas canções,

que meigas comoviam a tantos corações

ou aquelas simples marchas ao som das quais dançavam.

 

Eu falo dos cantores de vozes melodiosas,

que não se comprometiam com nada de vulgar,

se ouvia  em cada esquina a flauta ou os violões,

ponteados, estudados, cantigas carinhosas,

enquanto o trovador à amada ia cantar,

criando a nostalgia em vastas multidões.

 

RECIFES DE CORAL X (9 OUT 2023)

E nem faz tanto tempo, havia menestréis,

com vozes moduladas rimando suas canções

e havia belas letras de heróicas emoções,

nos hinos entoados em todos os quartéis,

mas hoje até parecem tirar vozes dos féis,

amargas, sem afino, gritando maldições,

palavras obscenas têm mesmo aceitações,

tornaram-se medíocres os cantos dos fiéis.

 

Repetem uns e outros medíocres chavões,

cada vez mais degradando os sonhos dos demais,

gravações sem qualidade a chamar de popular,

que espalham por aí em mil repetições

e só vejo esperança em cantores regionais,

que ainda criam rimas que se esforçam por mostrar.

 

RECIFES DE CORAL XI

Decerto no passado existiram maus poetas,

no limbo do medíocre, que já foram esquecidos,

por mais que os bons modelos tentassem ser seguidos,

ao menos eram outros os seus ideiais de estetas,

mas hoje uma indulgência é total e por completas

são as frases mais banais e vazias de sentidos

e esses que as apresentam também são aplaudidos,

porquanto que esqueceram haver melhores metas.

 

Essa a razão, portanto, que a leitura de poesia

é feita pelo povo assim tão raramente,

olham por alto apenas, dizendo não entender,

sem que haja realmente na página vazia

não mais que frases soltas, que o espírito indolente

lançou sem autocrítica na vaidade de escrever.

 

RECIFES DE CORAL XII

Mas eu não sou assim.   Recifes de coral

eu busco minerar em vasta e pura cor,

serão jóias de luz, afeitas com amor,

serão risos de som brilhantes como o sal;

se fui jogado aqui por causa natural,

eu devo projetar com ânsia o meu ardor

e permitir aos mortos um grito de fervor,

para que às bocas mudas escutem, afinal.

 

Mas não para política, nem pela religião,

tampouco em bailes chulos ou para o futebol,

embora eventualmente em deles tomem parte,

mas gerando a fantasia bem fundo ao coração,

eu pinto o natural com as luzes  do arrebol,

em minha crença inabalável da arte pela arte!

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