CONTINUIDADE I – 21
SET 2023
Dizem que Anchieta
escreveu rimas na areia,
Na inspiração de
místico momento,
À Santa Virgem,
causando o impedimento
Da subida da maré, até
findar sua teia,
Mas de outro fato a
história nos permeia,
Que Anchieta presidiu
ao enforcamento
De um pastor
calvinista e o sofrimento
Do infeliz foi
concluir, quer-se que creia.
Ele o findou, ao
puxá-lo pelos pés,
Para partir-lhe o
pescoço, finalmente,
Para evitar-lhe a
lenta sufocação;
Porém se opunham de
ambos as suas fés
E esta ação impediu,
coerentemente,
Durante séculos, a sua
canonização.
CONTINUIDADE II
Tempo houve em que as escolas ensinavam
Esse milagre de Anchieta sobre a margem,
Quando seus versos com vigor se espargem
Como verdade em que então acreditavam;
Era o domínio dos padres, que afirmavam
Os mil milagres de cândida roupagem
E nos espíritos criava-se essa imagem,
Pois que dos púlpitos tais fatos se pregavam.
Talvez até algum sacerdote por real
Tivesse o fato que na igreja decantasse,
Sem se dar ao trabalho de um exame,
Para a maioria, porém, era vital
Que a congregação em tudo acreditasse,
Mais facilmente controlando o seu enxame.
CONTINUIDADE III
Passado o tempo, esvaziado o poderio
Da Santa Madre Igreja, outras ideias
Passaram a difundir em epopeias,
Com conteúdo por igual vazio;
Ideologias políticas do mais tolo brio,
A congregar imensas assembleias,
Seus comícios nas esquinas às plateias,
A defender dos políticos o cio
Pelo poder, sendo o povo só escada
E qualquer um que pudesse ser sincero
Era englutido pelo estabelecimento,
De suas promessas realizando quase nada,
Na ignorância conservado o povo vero,
Sua liberdade relegada ao esquecimento.
CONTINUIDADE IV – 22 set 2023
Sempre prossegue o jogo do poder
E as hierarquias a ele sempre adaptavam,
Umas com as outras sempre conspiravam,
Era, afinal, a sua maneira de viver;
E se mesmo futebol ao povo leva a crer
E em qualquer torcida assim se organizavam,
Seus oponentes tantas vezes massacravam,
Qual a surpresa de tal resultado se obter?
Os índios viram do alto do barranco
Enquanto as ondas da maré se acumulavam
E de Anchieta o longo poema apagar evitavam,
Porque tinham ao jesuíta como um santo
E não importa que no final fugisse às pressas,
Enquanto as estrofes eram por vagas dispersas.
CONTINUIDADE V
É muito fácil se reagir como
criança
E afirmações aceitar
passivamente,
Mesmo o contrário a ser mais
evidente,
Guarda-se a crença num assomo de
esperança,
A subserviência sendo forma de
bonança,
Sobre os versos de Anchieta veio
a enchente,
Mas sua batina secou-se no sol
quente
E a congregação conservou a sua
confiança.
Muito mais fácil obedecer que
decidir,
Nessas escolhas diárias do
momento,
Que por nós sejam prontamente
feitas
E fica o povo infantil em seu
agir,
Sem o esforço de seu próprio
pensamento,
Leis e ordenanças prontamente
aceitas.
CONTINUIDADE VI
Mas como ser criança, sem ser
velho,
O tempo deixa para trás todo o
futuro
E o passado se integra em sonho
puro,
Marcha dolente, como escaravalho;
O tempo é caco, porém, de vasto
espelho
E os tempos do presente então
conjuro,
Que os tempos do porvir somente
auguro
A pouco e pouco a enfrentar seu
feroz relho.
Por mais que tenha sido o antanho
duro,
É o meu antanho e sou sua
consequência,
Caso o mudasse, seria outra
pessoa,
Talvez fosse uma dessas de quem
juro
Seus versos receber em grã
potência
E às décadas de suas vidas faço a
loa...
CONTINUIDADE VII – 23 set 23
Mas por mais que vivamos no presente,
É o passado que nos prende pela gola,
Para o porvir nos lança igual que mola,
Todo o atual a nos rugir indiferente,
Que não podemos calar, por mais potente
Seja o esforçado questionamento que o degola,
As esteiras correm e seu piso nos esfola,
Chega o futuro com exigência ardente.
Só nos prende, mas sem nunca se firmar,
O que existe é o temporário e o indeciso,
Só o passado a fingir-se de imutável,
A atualidade nada mais que o deslizar,
Em sua premente velocidade do impreciso,
Sem para nós por um momento ser amável.
CONTINUIDADE VIII
Assim o ato de amor, se começado,
Também corre para trás, inverso
rio,
A mente e a alma deixando em
corrupio,
Jamais duas vezes o mesmo corpo é
abraçado!
Mesmo depois de havê-lo
penetrado,
Escorre o tempo do amor em veloz
brio;
Quando do orgasmo nos toma o
calafrio,
Já é outro o corpo junto a nós
deitado!
E nosso corpo também se
transformou,
Correu seu tempo tal qual correu
o dela
Enquanto mútuo acalentamos o
calor,
Pois o primeiro instante já
passou,
Cada movimento no antanho se
encastela,
Nesse passado que congela o nosso
amor!
CONTINUIDADE IX
Não é absurdo se pensar em coisa
assim,
Quando estes versos a ler tu
começaste,
Para teu próprio passado os
entregaste,
Todo o começo a gerar seu próprio
fim.
O clímax cega como um toque de
clarim,
Mas toda a música de tua vida já
escutaste,
Para o passado em inocência a
entregaste,
Não podem ré ou dó guardar-se
enfim.
A escala corre em sete toques de
jasmim,
Porém o dó jamais abraça o ré,
Quando um ao outro segue em
consequência,
Só um acorde irá adubar o teu
jardim,
Mas na memória o conservas só por
fé,
Que a melodia é só um sonho de
impaciência.
CONTINUIDADE X – 24 setembro 2023
E quando se recorda o meigo amplexo,
Por mais que mantenhamos nosso ardor,
Já é memória em seus laivos de estertor,
Depositada em qualquer antigo nexo;
Passado o orgasmo, embora o odor do sexo
Escorra ainda das narinas em vigor,
Já se esgotou do ato o seu fervor,
Por entre novas impressões então me vexo.
Sempre posso descrever quanto passou,
Porém não posso jamais manter nos braços
Esse momento que se foi e foi sagrado,
Mesmo quando meu sêmen fecundou
E de nova criatura formou os traços,
Enquanto cresce, já faz parte do passado.
CONTINUIDADE XI
Enquanto cresce, também vai se
transformando,
Os biólogos o classificam como
gástrula,
Em um instante posterior será a
blástula,
Depois amora como mórula se
nomeando.
Em libélula poderia ainda ir-se
mutando,
Indefinido esse ser que foi
gerado,
Para o passado tão depressa
transportado,
Célula em células feroz
multiplicando.
E quando chega o parto em vasta
glória,
Guardou o antanho o total da
gestação,
Vazio o ventre antes rotundo e
tão formoso!
Por isso a ânsia de gravarmos
nossa história,
Muito além do que a memória tem
noção,
Numa armadilha a tornar o tempo
vagaroso...
CONTINUIDADE XII
A vida inteira não mais que
consequência
Do dia morto que em noite se
tornou,
Da noite morta que o Sol
iluminou,
Das horas duras de perder-se em
impotência,
Das horas longas na ânsia da
impaciência,
De cada hora de amor que se finou,
De algum desejo que então se
renovou,
Beijos guardados tão só na inteligência.
Desses filhos que nascem no
passado
E que nos fogem diariamente no
presente,
Nessa impertérrita caçada do
futuro,
Sem importar que feliz seja ou
atribulado,
Pois nada temos nas mãos em firme
assento,
Senão esse invadir de um fado
obscuro!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário