FOTOSSÍNTESE I -- 28/3/2004
(Joan Crawford e Barbara Santwyck,
da época de ouro de Hollywood)
dos alimentos a alma Aprisionada
se evola em flatulências do meu Ser
e a energia por outros Dissipada
transformo em verso e música e Poder.
da luz do sol um gosto de Memória,
de minhas raízes, lingotes Minerais,
caleidoscópio branco em Som-história,
solvido em clorofila e em
Madrigais...
derramo assim meu sêmen sem Malícia
sobre as páginas brancas, Versejando,
nos pentagramas os textos Fecundando,
em canções redolentes de Letícia,
demarcando os limites, sem Tristeza,
na melodia sutil que em mim Viceja...
FOTOSSÍNTESE II -- 26 SET 17
sou como a folha, mas minha Clorofila
ao invés de ser verde, se Avermelha;
pertenço a raça não assim tão Velha
e por hemácias minha seiva só Destila.
no meu olhar a luz do céu se Anila,
mas melanina nele cresce Desparelha
e por minha pele desfila-se em Corbelha
e broto em flor de abrolho e Camomila.
mas a semente que também Espalho
não é vermelha e sim Esbranquiçada,
azuis os brotos a me brotar da Pena.
em mil corpúsculos sobre versos Malho,
por maravilhas nunca Apaziguada
a dor da alma jamais feita Pequena.
FOTOSSÍNTESE III
cada flor sua própria carne Sintetiza,
algumas brandas, pintalgadas Pétalas,
outras mais duras, resilientes Sépalas,
em variedade que nunca se Agoniza...
cada mente de igual modo se Organiza:
buscam ideias e até podem Completá-las
buscam polir suas vidas e Aceitá-las,
buscam fervente Ambição que a Paraliza.
buscam no corpo de outrem seu Espanto,
buscam nos filhos o espantar da Nostalgia,
buscam no corpo social a Aceitação
e eu busco apenas meu derradeiro Canto
que se protela e sempre mais se Adia
quando outra luz me alumbra a Solidão.
FOTOSSÍNTESE IV
a luz do Sol anima os Vegetais
que recobriram a Terra a pouco e a
Pouco
e sob o trigo fausto o ouvido Mouco
da multidão dos corpos Minerais.
a luz do Sol aduba os Animais,
seu ruminar constante canto Rouco,
seus ossos tombam em partir-se Louco,
aves e vermes a roer restos Mortais.
a luz do Sol recobre o meu Papel
que um dia pertenceu a tronco Arbóreo
e ali procuro perfilhar destino Nobre
e como a Abelha meu verso se faz Mel,
significado a destilar Peremptório
na rede oculta que a todos nós
Recobre.
ENCAIXE I -- 1981
Depois de um ano e mais de lenta
espera
em que minha própria incúria me
afastava
e a quanto mais queria, me negava,
toquei de leve a sombra da quimera...
Depois de um ano e mais de desajuste,
de circunstâncias mudas contra nós,
sorriu-se o fado ao desatar dos nós,
completando a ilusão, sem mais
embuste.
No aquecimento lento dos abraços,
teus olhos sobre os meus, teus olhos
baços,
quase apagados, mornos de lixívia...
Na singular magia dos teus traços,
antes comuns e agora, nos meus
braços,
transfiguradas jóias de lascívia!...
ENCAIXE II -- 27 set 2017
Quantas coisas descobri no teu olhar!
Alguns anjos busquei neles em vão,
alguns demônios ali ocultos são,
nem uns nem outros vieram-me abraçar.
Pois não me via refletir no teu sonhar;
não nos teus olhos, que só imagem são
dos desencontros de teu coração
e que, de fato, mal e mal pude sondar.
Nas superfícies, a lágrima luzia,
por mais que raro fosse o teu sonhar;
rostos estranhos dali me contemplaram,
mas percebi que outra película existia,
que meu amor nunca pôde perfurar
e outros olhos que de dentro me avaliaram.
ENCAIXE III
Porém não divisava só um par!
Havia multidão, calma e irrequieta,
algo de incólume, algo que se afeta,
uma que outra às outras dominar.
E desde modo foi preciso conquistar
a sobranceira que um dia se projeta,
antes que pudesse penetrar com minha seta
no coração em que via tantas habitar.
Contudo, no alvorecer do dia seguinte,
estranhos olhos fitava nas pupilas,
corais às vezes, destoutras longas filas.
Cantoras mudas no esplendor do acinte
e dançarinas paralíticas saltando
para meus olhos, cada qual me dominando...
ENCAIXE IV
Nunca pensara que numa só mulher
revivessem mil páramos de idade,
sílfides murchas de grande
antiguidade,
mulheres doces quanto mais se quer.
Pelos séculos aninhando-se qualquer,
todas as crenças, toda a caridade,
toda a descrença, toda a iniquidade
que não se pode decifrar sequer!...
De certo modo, bricolei o encaixe,
quebrada aresta, preenchido fundo,
cada um dos côncavos escusos de sua
alma.
Tendo certeza de estar preso nesse
enfaixe,
mas sem jamais sentir o dom jocundo
de percebê-la minha em plena calma.
LUZ ARGENTINA I -- 29 set 2017
(Agradecimentos
a Benjamin E. King)
"Quando
a noite chega e tudo escurece,
na
prata apenas é que se encontra a vida."
Ao
plenilúnio o argênteo dá guarida
e
ali de estrelas todo o brilho permanece.
Toda
estrela que cai na prata desce
e
ali reluz, no adiar da despedida;
de
um meteoro a mais gentil ferida,
de
anjo caído a merencória prece.
Dizem
alguns, até mesmo, que a cadente
estrela
nessa prata se transforma,
a
rocha e a areia a converter nesse metal
e
fica ali esse esplendor jacente,
a
fosca imagem, o espelho que deforma
a
quem contempla em esplendor casual.
LUZ
ARGENTINA II
Também
o Sol, que lava a Terra inteira
e
chove sobre nós em dom total
é
equiparado ao esplêndido metal,
o
ouro raro, que em cor dele se abeira.
Mas
a canícula, em sua feroz esteira,
perpassa
a Terra em fúlgido fanal
queimando
o quanto traz de material,
é
mais a praia que se faz hospitaleira.
Que
até durante a noite ainda conserva,
na
multidão de seus minúsculos cristais
o
quanto resta de tal solar calor,
porém
a prata se faz da Lua a serva,
flautas
silvando melodias siderais,
num
arremedo pálido do amor.
LUZ
ARGENTINA III
Durante
o dia pouco brilha a prata;
faz-se
mais baça que ágata ou esmeralda,
quando
arrancada da montanha à falda
desce
dos Andes e na planura se desata.
Durante
o dia é o Sol que mais contata
dos
homens a ambição, terrível balda!
Preenche
os corações, dourada calda.
inocente
em si mesma: é a ambição que mata!
Há
muito tempo já deixou de ser moeda;
dobrões
que existem nos museus se encontram,
guinéus
e rands em cofres bem guardados
e
o próprio padrão-ouro sofreu queda,
que
em lingotes e barras hoje se amontam
e
em fac-símiles só poderão ser contemplados.
LUZ ARGENTINA IV
Hoje é o alumínio que nos bolsos faz ruído.
o cobre e o níquel ali mais raramente,
como moeda de troca ainda vigente,
o seu valor facial já esmaecido.
É o ouro ainda por muitos perseguido,
mas é a pirita que se encontra mais frequente,
metais dourados ainda enganam muita gente,
talha dourada em santuário já esquecido.
Pelos turistas contemplado com desdém,
o horror ao vácuo ali onipresente;
porém a Prata traz a Lua para quem
ainda a possui. E o Ouro que se
tem
só uma camada sobre a argenta ali dormente,
estrela fosca, que nos seduz também!
William
Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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