O GOLPE DO ESTILETE 1 – 19 OUT 22
(Lisa Minelli e Judy Garland)
Amor é um estilete luminoso,
Que te penetra bem fundo no pulmão;
Os brônquios com tal luz revestirão
A pleura inteira num manto majestoso.
Não é o amor tão só prêmio formoso,
Que as fibras dome do teu coração,
Ambas as válvulas com ele vibrarão,
Tricúspide e mitral, som prestimoso.
Amor se crava igual que um estilete
E como um estilete, crava fino,
Além dos feromones, fura a mente
Que além da mente, a carne dalma afete,
Mais do que a alma a perfurar destino,
Mais que o destino, tua vida inteiramente.
O GOLPE DO ESTILETE 2
Mas quanta luz nessa
perfuração!
Cada recanto da alma
iluminado.
Cada canto da carne
consagrado,
Quando se crava sem
contemplação!
Torna-se isósceles de
perfeita formação,
Cada cateto com seu
gume afiado,
Da hipotenusa o cabo
acobertado,
Sem permitir qualquer
fuga da emoção.
Causando dor de
perfeito masoquismo,
Que se deseja que não
mais termine,
Mas permaneça em
constante percussão,
Na realidade, sem
qualquer sadismo,
Mesmo que amor o
individual termine
Na hemorragia de uma
perfeita comunhão.
O GOLPE DO ESTILETE 3
Que realmente para outrem
nos impele
E nos aquece mais
ainda o coração,
Mesmo esgotada
qualquer circulação,
Pois nos consagra na
mais perfeita doação.
Que amor só é amor
quando a ilusão
É mais perfeita que o
odor da própria pele,
Mais incisiva que o
autoamor apele,
Ferida aberta que não
se quer se sele.
Mas que desgosto
quando o estilete sai
E a carne e o sangue
tornam a ocupar
Marca vazia, em sabor
de adrenalina!
Que desaponto nesse
amor que vai
Sabe-se lá a quem mais
agraciar,
Ciúme a herança dessa
ausência fina!
O GOLPE DA INVEJA 1 – 20 OUT 22
Sempre fui alvo de uma certa inveja,
Nem sei porquê. Até podia
invejar
Tantos que têm mais do que eu para gozar:
Tal característica contudo não se enseja.
Nem sequer em meu caráter em formação esteja,
Não encorajaram em mim o comparar,
Só com o que eu tinha a me preocupar,
Inveja é emoção feia que te aleija!
Assim eu penso, não de primeira mão,
Mas por coisas percebidas ao redor,
Por expressão de maus olhares captar,
Nos raios magros dessa maldição,
Acúleos feitos do mais puro desamor,
Minha vida a desejar ver abreviada.
O GOLPE DA INVEJA 2
Mesmo aqueles que
tive por amigos,
Bem lá no fundo a
desejar meu mal,
Decerto
inconscientes dessa pena capital,
Sem se mostrarem
realmente os inimigos.
Não que desejassem
causar-me alguns perigos,
Mas superar sempre
é coisa natural,
Queriam vencer
qualquer torneio material,
De um prélio o
prêmio a carregar consigo.
Por isso o gosto
por jogos de azar:
Diante do dado que
se vai lançar
As mesmas chances
tinham do que eu;
Ou quando as cartas
do baralho vão virar,
Na emoção do
Sete-Belo que venceu
Ou da Canastra que
se pôde completar!
O GOLPE DA INVEJA 3
Essa tendência para
a competição,
No lusco-fusco multicor da inveja,
Esse taco de Sinuca
que se beija,
Sempre desvios da
cruel retaliação,
Que há milênios
entre nós se enseja;
Da sociedade o
alternar com boa razão
Ante o impulso
violento da emoção,
Na qual a morte do
outro se deseja.
Que assim se afaste
de nosso caminho,
Sem nos fazer a
sombra detestada,
Mesmo que em nós a
projete sem saber,
Em sentimento de
inveja tão mesquinho
Tanta imagem dos
altares derribada,
No vácuo e ausência
que nos faz crescer!
O GOLPE DA CULPA 1 – 21 OUT 2022
“Não necessita de médico o saudável,
Mas tão somente quem por mal foi afetado”,
Este é o provérbio que há milênios foi legado
Por voz profética de cunho venerável.
Pois vá o culpado a solicitar o afável
Recebimento da confissão em seu legado,
Na esperança de um castigo simulado,
Em penitência por qualquer erro ponderável.
E nas cabinas que conduzem ao sacrário,
Vão os fiéis quaisquer, arrependidos,
Para lavar seus corações atribulados,
E onde se sentam de suas culpas aliviados,
Nada é mais lúbrico que um confessionário,
Com seu assoalho atapetado de pecados!
O GOLPE DA CULPA 2
Mais do que um deus,
nos cobra o coração,
Por qualquer culpa a
criar seu próprio inferno,
Que nos retorna em
vaivém superno
E nos condena sem
qualquer contemplação!
Por mais que o erro não
passe de ilusão,
Nutrem temor de um
castigo sempiterno,
Mas muito mais tem a
fazer um Deus eterno
Que maquinar para nós
condenação!
Mas as pessoas têm amor
por seus pecados,
A que atribuem um valor inestimável,
Místicos houve a quem
faltaram os capitais,
Criando outros para
sentir-se atribulados,
Quais aos maiores a
considerar ser condenável,
Listas fazendo dos
pecados mais venais!
O GOLPE DA CULPA 3
Até que ponto os padres
confessores
Escutam faltas mil com
simpatia?
Não se aborrecem talvez
na longa via,
Já as penitências
calculadas por valores!
Porém São Paulo
invalidou-lhes tais pendores,
Que um confessor salvar
a si sequer podia,
Fruto do orgulho, a
pretensão o conduzia,
Somente a graça a
libertar os pecadores.
Quem se confessa
satisfaz somente à igreja,
Os seus remorsos a
aliviar do coração,
Deus não precisa de
condenar ninguém,
Porém perdão poucos
creem que assim se enseja,
Partindo em busca de
uma absolvição,
Sem grande fé no amor
que Deus lhes tem!
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