quarta-feira, 19 de outubro de 2022


 

 

PARADIGMA DO SERRALHO I – 16 OUT 2022

(Jane  Russell e Marilyn Monroe, em

"Os Homens Preferem as Louras")

 

Essas palavras que compõem o meu harém

só se interessam por participar de orgias,

se de uma só quiser provar as vias,

das almofadas outras erguem-se também.

 

Todas insistem em me abraçar, porém

meu corpo é escasso para tais valias,

elas me cobrem de beijos, qual almotolias

a se esvaziar do azeite que contêm.

 

Mas como este meu corpo é limitado,

elas começam umas às outras beijar,

não que pretendam assim me desprezar,

porém se prendem umas às outras num bailado

e enquanto algumas comigo amor praticam,

mais numerosas são as que consigo mesmas ficam...

 

PARADIGMA DO SERRALHO II

 

Há muito tempo no passado percebi

que meu contato com a etimologia

novas crias constante geraria,

de neologismos chamam quanto produzi.

 

No meu amor pelas palavras cri,

com meu apego quis dispor em esquadria

cada palavra abraçada nessa orgia;

muitas eu vejo ali que nunca li.

 

Porém não estou sozinho nesse abraço,

há palavra masculina e feminina,

muita palavra se tornou bissexual

e nesta orgia de haxixe e de opiáceo

palavra vejo anciã e outra menina,

algumas mesmo em condição fetal!

 

PARADIGMA DO SERRALHO III

 

Essas palavras que compõem o meu harém,

comigo anseiam participar de orgias,

não têm temor qualquer de pandemias,

pois usam véus desde que ao mundo vêm!

 

Mas chegam nuas, que nem roupas têm,

palavras sempre expostas a alergias,

palavras sofrem a dor das fancarias,

olhos melífluos por igual as vêem!

 

Porém comigo encontram só carinho;

de fato as desposei, uma por uma,

lugar encontram sobre meu travesseiro

e se acumulam da mente no cadinho,

ali se fundem, sem se perder nenhuma,

meu bandolim a percutir inteiro!

 

PARADIGMA DO SERRALHO IV

 

Aqui menciono a sua sexualidade,

porém não poderei todas amar;

sentir-me até traído é de pensar,

mas as encaro com longanimidade.

 

Pois só despertam de seu sono de inverdade

quando eu as chamo para o meu cantar;

os meus eunucos as levam a banhar,

depois retornam a uma igual soporidade...

 

Assim aprovo que se amem plenamente

a cada vez em que me achar presente,

para estalar meus dedos em poesia:

unem-se às outras num ardor fremente,

mas só a mim se entregam realmente,

versos formando quais eu jamais faria!

 

PARADIGMA DA COMPETIÇÃO I – 17 OUT 2022

 

A amargura de um sonho que morreu

é totalmente vazia e sem sentido,

pois sendo um sonho, jamais terá sofrido

e não pode morrer, que não viveu!...

 

Mas cada sonho falecido foi só meu

e não se pode declarar ter perecido,

somente eu fui por sua morte percutido,

dentro das veias é que o sonho faleceu.

 

Nem sei mesmo se era um sonho, sequer foi enterrado,

na necrópole dos sonhos não se encontra sepultura,

bem ao invés se desmanchou em luz e pó...

De fato tantos que me morreram lado a lado,

feita em farrapos minha alma ainda perdura,

em vez de a ferro, alisada por enxó!...

 

PARADIGMA DA COMPETIÇÃO II

 

Cada sonho foi por minha vida concebido

e consumiu-me uma parte de três dias,

porém se um sonho como sonho crias,

surge no espaço de um soluço desvalido.

 

Cada sonho então se impõe por atendido

e sendo tantos a requerer tuas vias,

faz-se impossível atender suas nostalgias

e de mistura muitos correm para o olvido.

 

São massacrados pelas circunstâncias

e concluídos no tribunal dos planos,

para o despejo das veias condenados;

somente uns poucos a recorrer instâncias,

como projetos das quimeras dos humanos,

são pelos ventos das palavras desmanchados.

 

PARADIGMA DA COMPETIÇÃO III

 

Mas algum sonho furtivamente ingressa

no meu serralho de palavras inocentes,

com elas copulam enquanto estão dormentes,

num ansioso palpitar que nunca cessa.

 

Se os capturo, guardo juntos numa peça,

bem afastados das palavras inconscientes,

até o momento em que os impulsos renitentes

clamam por mim e não permitem que os esqueça.

 

Contudo eu deixo em liberdade um só por vez,

que desta vez as palavras engravide,

 nelas entrando inteiramente como um feto,

que igual soneto se irá gestar talvez,

quiçá rascunho com que jamais eu lide,

mas em promíscuo clamor por meu afeto!

 

PARADIGMA DA ALEIVOSIA I – 18 OUT 2022 (*)

(*) Falsidade

 

Embora algures eu redija meu lamento,

bem lá no fundo sei não passa de mentira:

busco ocasiões na mente em que me fira,

as consequências calculo e tomo assento.

 

Não há de fato uma razão de desalento,

a falsa dor eu já queimei na imensa pira

das palavras mutiladas nesta gira,

que órgãos doaram para o meu tormento.

 

Palavras morrem dentro de mim, bem sei,

mas cada sonho se dissolve em turbilhão,

após trazer ao meu harém sua cocaína,

porque somente com palavras me droguei,

que meus sonhos excitaram sem razão

a encadeamentos na golilha de minha sina. (*)

(*) Colar de ferro em escravo ou prisioneiro.

 

PARADIGMA DA ALEIVOSIA II

 

Por cocaína refiro o meu lamento,

que no real nem tem razão de ser,

mas dos cochichos agrilhoados quero ter

outras palavras para novo encadeamento.

 

Mas não me posso arriscar um só momento

que em sindicato elas possam se manter

e seus direitos de palavras requerer,

salário mínimo para cada empreendimento.

 

Os meus eunucos eu emprego nesta guarda,

que as palavras só possam se beijar

quando ao serralho eu me fizer presente,

então despindo cada termo de sua farda,

para impedí-los de em segredo murmurar,

salvo em metáforas que lhes requeira urgente.

 

PARADIGMA DA ALEIVOSIA III

 

Não poderia alguma greve permitir

nesse meu belo harém de concubinas;

ervas do sono acalmarão suas sinas,

até o momento em que por métrica insistir.

 

Sei que as palavras têm seu próprio existir,

algumas guardam de significados minas,

outras somente acepções mais finas,

mas de nenhuma eu posso desistir.

 

E assim conservo de centenas mancebia,

no meu orgulho, em perfusão de egoísmo

e se lhes falta qualquer razão de melodia,

então as estimulo com lamento,

que se misturem num paroxismo,

em tirania a pretender-se por talento!

 

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