NOIVAS FEIAS – Duodecaneto de Wm. Lagos
(Dakota e Elle Fanning)
noivas feias i (28/1/2009)
a cada vez que a encontro, sei que é feia
essa mulher que me fascina sem querer,
que nem se importa de ter um tal poder,
porque sua posse a mim todo permeia...
contemplo suas feições, vejo a cadeia
de cabelos pelos ombros a escorrer:
sempre é vaidosa, só por mulher ser
e, bem no fundo, sabe que me enleia.
talvez seja por isso que se escusa
tanto de me encontrar, pela certeza
de tomar posse plena desse amor.
que existe aceitação nessa recusa
e, quando a vejo, percebo a sua beleza,
por trás da mulher feia e sem calor.
noivas feias ii
fui em busca de eurídice, qual orfeu,
quis tirá-la dos sonhos onde estava;
por toda a volta, nada lhe falava
pois, se falasse, perderia o seu
corpo adorado, retornado à lava:
busquei ter esse amor, que fosse meu,
não resisti: a ordem me esqueceu
e falei-lhe nos versos que cantava...
ela tombou exangue, ante meus pés
e não pude revivê-la com meu pranto:
a lenda inteira se encontrava torta...
deixou o mundo das estranhas fés
e voltou para a tumba... no entretanto,
era em meu peito que se achava morta.
noivas feias iii
ela vestiu-se de rosa e de esperança,
qual uma noiva de esplendor, tardia
a demonstrar que em sua alma ainda vivia
a fantasia dos tempos de criança.
desapontou-se em toda a sua cobrança:
o noivo desculpou-se, não podia
casar ainda... Talvez melhor seria
adiar por mais um ano essa bonança...
já não quis mais... sentiu a humilhação
por toda a espera e a preparação
que via agora, em sua mente, desprezada.
e retraiu-se assim, pobre menina,
cansada de esperar, na mesma esquina,
por essa boda mesquinha com o Nada.
noivas feias iv
tu permaneces para mim a estrela
que entronizei em níveo pedestal.
o sangue já lavei de teu umbral,
mas a marca de meus passos se congela.
a estátua que se ergue, musa bela,
galateia não é, mulher fatal,
feita de pedra e com rosto divinal,
qual pigmalião queria revivê-la...
todavia, ela tem vida e não lha dei,
meteoro fugaz, que me requeima,
porém sem que consiga me aquecer...
passaste apenas e mal te conservei,
cometa multicor, em longa teima,
contra minha ânsia de querer-te enaltecer...
noivas feias v – 19 out 2022
pensei primeiro fosses luz do sol,
que meigamente me iluminasses pela rua
e que os caminhos contemplasse, à vista nua,
sob o fulgor da luz desse farol...
depois... pensei que fosses luz da lua,
ainda assustada nas nuvens do arrebol;
luzir talvez mais pálido, mas de escol,
em que a ilusão perfeita continua...
porém a luz que me mandavas, reduziu-se...
agora brilhas como fraca lamparina,
que mal permite ler da roupa um rol...
mas para minha surpresa, descobriu-se
que essa luz minha vida ainda ilumina,
enquanto brilha tranquila em meu lençol...
noivas feias vi
mas como a convenci, nem eu entendo,
talvez a mim é que tenha convencido,
vasta tocaia talvez tenha enaltecido,
até achar-me na senda em que me estendo.
mas a ilusão conservo que a mim vendo
e então me convenci tê-la vencido,
que em persistência a houvera conseguido
até esse beijo de amor em que me prendo.
só então me acompanhou, ainda arisca,
mas grande porta ante nós dois trancou-se,
seus lábios folhas que cerrou meio sorriso,
enquanto o olhar só mostrava uma faísca
e num abraço final ela entregou-se
e me entreguei também, perdido o siso.
noivas feias vii
seus lábios se entreabriram, doce flor,
línguas tocadas qual pistilo e estame,
o pólen da saliva trocado sem reclame,
nesse azedume perfumado em seu calor.
que em toda boca achei menos sabor
do que na minha acharam num derrame,
não por vaidade que a isto me proclame:
vegetarianos possuem outro pendor.
porém o beijo, que importa o sabor tenha,
no açodamento gentil da ofegação,
no palpitar e urgir da expiração,
ágil desejo sobre mim despenha,
rugem abertas as comportas da emoção,
até um ponto que não mais contenha.
noivas feias viii
e foi assim no momento em que aceitou,
à minha saliência aberta a reentrância,
seus membros a abraçarem-me em constrância,
quando seu íntimo inteiramente me mostrou.
e dominado fui então por sua fragrância,
não saberia quem ao outro conquistou,
ou quem rendida inteira ali ficou,
na dança antiga decorada com constância.
que as palavras tudo dizem ao contrário:
quem toma quem nesse instante copular,
aquele que penetra ou a penetrada?
e quem terá de quem o escapulário,
quando a semente se projeta no lugar,
em que toda mulher se faz sagrada?
noivas feias ix – 20 outubro 22
diria então que é sempre ela que possui
seu possuidor no altar desse momento,
para um poeta a ser mais que um movimento
esse portento com que inteiro me esvaiu.
foi o meu sangue branco que fluiu (*)
na pele rósea de seu integumento;
para os antigos já seria um casamento,
a lei moderna burocracia constituiu!
(*) O sêmen, não a cor da pele.
e após o amor de orgasmo cintilante,
surgido ali novo universo em expansão,
em seus olhos uma galáxia contemplei,
mas as pálpebras fecharam-se no instante
do derradeiro espasmo e contração,
ouvindo o grito silencioso que não dei.
noivas feias x
mas ela sim, oh céus! em mil gemidos,
entregou-se nos meus braços soluçantes,
seus quadrís me apertaram, dois arfantes
pássaros brancos, roliços e compridos.
e nesse ato final, soltou nitridos,
como égua de raça, de estrondantes,
muito mais do que esperava, circundantes,
ansiosos e famintos, doloridos...
pedindo mais e mais logo depois
e assim cruzamos pela noite inteira,
bem mais faminta estava do que eu,
mas seu desejo valia por nós dois
e foi assim que essa vulva hospitaleira
completa e totalmente me prendeu.
noivas feias xi
mentiu depois...” não quero me casar”,
mas quando lhe percorria o rosto branco
com meus lábios, suspiro após arranco,
não a enganava e não podia me enganar.
pois bem sabia que aliança iria comprar,
mesmo sabendo, no instante em que me estanco,
ser um símbolo apenas, por mais puro e franco,
já transcorrido o verdadeiro desposar.
porque não era só uma argola no seu dedo,
mas outra argola de muito mais pujança,
que um outro dedo a gente enfia e quer,
dentro do anel que comportou cada segredo,
que em matrimônio a única aliança
é a que se encontra no púbis da mulher.
noivas feias xii
durante a noite de intenso festival
foi meu banquete a língua de sua boca,
foi sua grinalda um brinde de voz rouca,
foi o seu corpo desnudo o enxoval.
de dois mamilos vermelhos no final,
bebi o vinho da ânsia quase louca
e de minha angústia antiga muito pouca
sobrou após a comunhão com seu fanal.
mas tudo tem seu fim e me acordei,
os vestígios de seu corpo em vão busquei,
que apenas eu dormia nesse leito,
nessa traição inconsciente do desejo,
que me lançara a preço de um só beijo
nessa falácia de uma boda sem defeito!...
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