O GOLPE DO SERRALHO 1 – 22 OUT 22
(Virginia Bosler, da fantasia musical BRIGADOON,
a aldeia do passado, época de ouro de Hollywood).
Ter um harém não me faria mal,
mas não composto por mulheres indolentes,
cujos mútuos carinhos mais frequentes
seriam que o meu beijo triunfal;
que preferissem o prazer mais natural
e para filhos tivessem ventres quentes,
que amamentassem, sem serem indiferentes
os seus corpos de mim, meu Santo Graal...
Porém que todas elas trabalhassem,
que tivessem profissões, se realizassem,
sem depender de mim para o sustento
e que, no entanto, mesmo assim me amassem
e em meu labor também colaborassem,
sem perturbar-me com qualquer lamento!
O GOLPE DO SERRALHO
2
Ter um serralho
assim, bem que me dera!
Eu trataria a todas
por igual,
juntaria os filhos
em abraço paternal
e protegê-los do
mundo bem quisera!
Mas este sonho
patriarcal de fera
só viveria em um
mundo original,
em cujo onírico me
tornasse divinal
e que todo o
desejado me provera!...
Um universo apenas
meu, solipsista,
em que nunca
padecesse de moléstia,
nem viesse a sofrer
necessidade
e que apenas para
mim assim consista,
numa arca multicor
durante a séstia,
sem que jamais
perdesse a mocidade!
O GOLPE DO SERRALHO
3
Se Afrodite me
aparecesse em sonho,
a oferecer-me o
amor de uma mulher,
de cinco ou dez, de
quantas eu quiser,
mediante culto em
que meu peito exponho,
em sacerdote para ela me componho,
sem encontrar
competidor sequer,
para o amor
esfolhando bem-me-quer
e a sorteada sobre
o colo então reponho.
Mas Afrodite foi
por demais gentil
e para a Vênus
romana se rendeu,
na releitura da
Grande-Mãe aprisionada
e desse modo, em
meu delírio varonil
jamais teria esse
harém que fosse meu,
franzido o cenho, a
minha prece recusada!
O GOLPE DA EXTENSÃO 1 –
23 OUT 2022
Um beijo é tudo e um
beijo não é nada:
tanto se pode amar
candentemente,
quanto se pode odiar
ardentemente,
a bruxa beija como
beija a fada!...
Um beijo pode ser vara
encantada,
que transforma em
milagre reluzente
o tédio desta vida; ou
complacente
concessão mercenária
contratada!
Mas nesse beijo teu,
dado de leve,
cujo sabor em minha
boca ainda se alonga,
quais cristalinas
bênçãos naturais,
minha mente confiar
nele mal se atreve,
já que ódio é uma
palavra muito longa,
enquanto amor é em
geral curta demais!...
O GOLPE DA EXTENSÃO 2
Em geral, não se permite à paixonite
que cresça em demasia e nos domine!
Mas não é sempre que controlar se atine,
se o par ao lado para ela nos incite...
Desejo real é que só o amor habite,
já que em nosso coração puro retine,
que um pacto de sangue então se assine,
e não um abraço breve que se quite...
mas sendo a vida peripécia inesperda,
chega a paixão que não conduz a nada,
chega o desejo que só quer ser consumado
e esse palavra amor é então truncada,
fica somente um “mór” ressentimento,
longo rancor a retalhar o julgamento...
O GOLPE DA EXTENSÃO 3
Infelizmente, por longo seja o beijo,
não poderá preencher todo o futuro,
nem nos garantirá destino puro,
nenhum beijo a ser mais que puro ensejo;
infelizmente, o beijo do desejo
poderá nos conferir destino duro,
se for cortado por ódio como um muro,
ou quando parte como um leve adejo.
E é bem mais fácil que o ódio permaneça,
mesmo que seja abrandado por rancor,
quando a paixão extinguiu-se de vazia;
mas que esse beijo de amor entre nós cresça,
sem ser truncado em momento de temor,
quando o sabor de sua saliva se extinguía!
O GOLPE DA TOCAIA 1 – 24 OUT 2022
Um dia contemplei esses lambrís da sala,
recobertos por máscaras brilhantes,
ocos profundos em sonidos inquietantes,
nas mudas bocas dessa oculta gala...
Então pensei em tanta boca que se cala,
por detrás desses lambrís obsedantes,
fantasmas de argamassa redemoinhantes,
mostrando lábios retorcidos e sem fala.
Fiquei então a imaginar antigas mortes,
a me espreitar das cascas das cabeças,
que sem abrir seus lábios me sorriem,
decapitadas por certeiros cortes,
tal como o amor no dia em que me esqueças,
sem zombaria sequer que os olhos criem...
O GOLPE DA TOCAIA 2
Nas frestas de
madeira dos degraus
que revestem a
escada de cimento,
pressinto dedos
gélidos de alento,
lenta tocaia para
meus dias maus,
dentre essas pobres
lâminas de caos
que cumprimentam o
passo desatento,
mas desatentas de
todo o comprimento,
que se contraem no
sabor dos graus...
Ficam apenas nessa
espera de armadilha,
para puxar qualquer
incauto visitante
para esse limbo
soturno de suas traças,
guardiãs famélicas
da ascendente trilha,
a devorar quem se
perde nesse instante
em que emergem
triunfantes suas desgraças!
O GOLPE DA TOCAIA 3
Tal sorte rubra
oculta o meu destino,
nem me mostra o
azul da boa sorte,
nem me apresenta o
negro da má morte,
é uma roleta num
badalar de sino;
não nos garante
qualquer favor supino,
nem ameaça com mais
profundo corte,
tal sorte rubra
talvez que nos aborte,
tal sorte gris de
algum sucesso pequenino.
Deste modo, se
confiar em profecia,
seja em manual
quiromancia de cigana
ou nessa tão
propalada astrologia
ou em juízo final
que nos irmana
é como crer nessa
canção profana
de uma fresta ou
lambril que nos espia...
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