PARADIGMA
DO SONO I – 13 OUT 22
(Anne Baxter e Yul Brynner, "Os 10 Mandamentos")
Enquanto
dormes, meus olhos te devoram,
toda
a noite a contemplar teu rosto belo,
semiapoiado
sobre um cotovelo,
para
o futuro meus olhos te decoram;
enquanto
dormes, minhas narinas moram
no
ronronar provindo de teus zelos,
as
aletas se movem em desvelos,
e
minhas narinas teu respirar namoram.
Enquanto
dormes, meus ouvidos inda exploram
a
mais suave batida de teu coração,
o
sobe-e-desce da gentil respiração
e
em tal fragilidade se demoram,
qual
numa prece da mais funda idolatria,
nesse
acalanto que em carne e ossos te incluía.
PARADIGMA
DO SONO II
Estas
inerme, mas tens em mim confiança;
afinal,
eu poderia, quiçá, te sufocar,
porém
ressonas sem de mim nada recear,
tua
pele afrouxa, macia qual criança;
nenhum
apelo por respeitosa dança,
não
te apresentas em teu melhor trajar,
tua
musculatura inteira a relaxar,
sem
intenção de te tornares minha bonança.
Quando
acordada, sempre há certa insegurança,
a
espinha mais ereta a colocar,
os
seios com mais firmeza a empinar,
a
cintura encolhida em tal balança...
Porém
no sono, desaparece tudo isso,
resta
somente a tua beleza em puro viço!
PARADIGMA
DO SONO III
Quando
acordada, retens qualquer odor
que
te pareça de algum modo ofensivo,
mas
nem sequer as marcas de teu riso
em
teu rosto transparecem em tal langor,
mas
é sincero teu sonho nesse andor,
para
teu corpo tudo se torna permissivo;
sem
artifícios todo o teu ser reviso,
existe
prova maior de teu amor?
E
assim eu fico, em plena gratidão,
ao
te mostrares inteiramente entregue,
junto
a meu lado, tranquila e adormecida
e
em mim recebo toda a tua expiração,
nessa
confiança que em teu viver prossegue,
enquanto
dormes, sabendo-te querida!
PARADIGMA
DA EMBOSCADA I – 14 OUT 22
Às
vezes, eu contemplo os fantasmas de outras horas,
que
bailam altaneiros ao piscar de minhas pestanas,
os
cem resquícios variegados de semanas,
as
cem lembranças mescladas dos outroras,
quando
eu permito que me envolvam os agoras,
não
mais que plumas de minhas perdidas chamas,
porém
me deixo desposar por tais proclamas,
no
devaneio sibilante dos emboras...
Tais
imagens só me surgem misturadas,
sem
que as chame, sem que saiba de onde vêm,
talvez
lembranças de um passado insatisfeito,
talvez
memórias de mil futuras madrugadas,
ainda
ocultas a espreitar-me desde o além,
sem
que delas sequer sei terei direito!...
PARADIGMA
DA EMBOSCADA II
O
fato é que me banham tais fantasmas,
promessas
líquidas de quaisquer reminiscências,
mostrando
ardores infinitos de potências,
com
visões que me arrancam dos quiasmas; (*)
não
são sonhos somente. Alguns miasmas
se
intrometem em impalidescências,
já
de há muito esmaecidas suas ardências,
desbotados
recordares que nalma espasmas!
são
meus intrusos ao redor sempre em tocaia,
por
um instante em que esteja desguardado,
são
os meus sonhos mais antigos revisados,
sem
que a vontade sobre os tais recaia,
nessa
modorra de pensares abafados,
a
meu redor a distribuir-se em larga saia.
(*)
Núcleo cerebral da visão.
PARADIGMA
DA EMBOSCADA III
Então
me vejo invadido por suspeitas:
será
que vivo apenas plenamente
neste
mundo multicor que se apresente
e
me recorde de coisas nunca feitas?
Não
te acontece igualmente, quando deitas,
que
algum íncubo de pesadelar frequente
se
instale em tua consciência mais saliente,
quando
à cata de sonhos bons te ajeitas?
Baixada
a guarda, no descansar da mente,
nessa
busca pluricessante do sonhar,
nesse
mundo desconforme a te perder?
Ou
quando acessas esse mundo incoerente,
safári
manso empós um terno palpitar,
muito
mais doce que o tédio do viver?
PARADIGMA
DO JARDIM I – 15 OUT 2022
Como
as ervas daninhas são árduas de arrancar,
retorna
com frequência o som que não se quer
dessas
lembranças boas que buscam me aquecer
ou
das memórias daninhas, sem me deixar sequer.
Há
quem afirme do sonho humano ser mister
escanear
de nossa mente o seu penar,
nossas
angústias em corolário do aliviar,
nossos
anseios em realidade marchetar;
são
coisas tristes que vêm então nos assombrar,
mas
que perderam grande parte da potência,
ervas
daninhas, porém já emurchecidas,
que
não nos podem realmente dominar,
por
mais retomem sua momentânea ardência,
até
que sejam pouco a pouco dissolvidas...
PARADIGMA
DO JARDIM II
Mas
igualmente ervas são boninas,
que
nos nascem livremente pelo chão,
muitas
lembranças quais dentes-de-leão,
macias
plumas coroando nossas sinas;
se
para o vento recordações destinas,
há
camomilas que te acalentarão,
há
chirca roxa que te afaga o coração,
mesmo
que seja junto a brisas pequeninas.
Dormem
no sonho as meigas madressilvas,
que
a cada ano recordava a Libertad
e
a bela-emília, em seu azul suave
e
as mil abelhas pelo mel cativas,
tanta
flor redolente que se dá,
que
com sua seiva a tua tristeza lave!
PARADIGMA
DO JARDIM III
E
mesmo as ervas que flores não te dão
e
que parecem mesmo ser as mais daninhas,
tem
sua função quando em solidão caminhas
pelos
canteiros de teu agreste coração;
em
pesadelos não existe floração,
mas
essas ervas são colunas pequeninhas,
que
suportam as nuvens em gavinhas,
são
suas raízes que fazem firme o chão.
Portanto
acolhe mesmo essas lembranças,
que
te parecem fortalecer a desventura,
pois
são partes do passado que viveste;
trata-as
bem, a lhes regar palavras mansas,
cada
qual delas uma tristeza te depura,
em
seu avesso uma alegria que esqueceste!
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